Enterrado vivo? Morte que virou lenda abreviou trajetória de dupla sertaneja

Sucesso de Alan & Aladim foi interrompida por morte prematura em circunstâncias misteriosas

Por Emanuel ColombariFernanda Real

A década de 1980 marcou uma virada na música sertaneja. A viola e a sanfona passaram a dividir espaço com guitarras, sintetizadores e baterias eletrônicas, dando uma nova cara ao gênero. Foi nesta época que o cenário deu grande projeção a duplas como Leandro & Leonardo, Zezé di Camargo & Luciano, Gian & Giovanni, João Paulo & Daniel e Chrystian & Ralf, entre tantas outras.

A dupla Alan & Aladim fez parte daquele momento com o mesmo perfil, migrando do sertanejo “raiz” para uma pegada mais moderna. A parceria estourou em 1987 com o lançamento do álbum Alan e Aladim, que trazia o sucesso Liguei pra dizer que te amo. Segundo estimativas, o disco teria vendido quase 2 milhões de cópias.

Mas a trajetória da dupla foi interrompida em 1992, quando José Nascimento Cardoso, o Aladim, morreu prematuramente aos 35 anos. A partir daí, Edmilson Fernandes Machado, o Alan, seguiu a dupla com outros parceiros - desde 2012, conta com Zailton Oliveira na formação da dupla Alan & Alladin.

A morte ainda deu início também a um episódio misterioso, com ares de lenda: a de que Aladim teria sido enterrado vivo.

Uma nova música sertaneja

Na década de 1970, José buscava a carreira na música sertaneja, tocando como apoio de diversas duplas - entre elas, João Mineiro & Marciano. Em 1976, conheceu Edmílson em um festival. Nascia assim a parceria, que se converteu em 1981 no primeiro disco: Alan e Aladim, gravado pela CBS.

“Era exatamente essa mudança da modernização, da entrada das guitarras - Leandro & Leonardo, Zezé di Camargo & Luciano, que já vinha com João Mineiro & Marciano também. Era uma nova roupagem da música sertaneja, saindo daquela coisa da viola. Eles entraram aí nesse vácuo, inclusive com a própria ajuda de João Mineiro & Marciano”, descreve Jones Mendes, apresentador do programa Coração Sertanejo na rádio Nativa FM.

Foram alguns anos de trabalho até que o sucesso bateu à porta nos versos de Liguei pra dizer que te amo. A faixa do quarto álbum da dupla, também chamado Alan e Aladim, colocou a parceria em um novo patamar na música sertaneja, entre os protagonistas de um momento de mudança do gênero.

Alan e Aladim, na capa do disco de 1987 (Imagem: Reprodução)

“Alan e Aladim desempenharam um papel significativo no desenvolvimento e popularização do sertanejo romântico. A dupla surgiu num momento em que a música sertaneja estava passando por transformações significativas. Originalmente influenciada por tradições rurais e músicas de raiz, a música sertaneja começou a se urbanizar, incorporando elementos mais modernos e influências de outros gêneros musicais”, analisa o jornalista Luan Lucas, um dos responsáveis pelo perfil Squadnejo, que se dedica no Instagram à música sertaneja.

“Hits como Liguei pra dizer que te amo, que até hoje é regravada por outros artistas, Dois passarinhos, A dois graus e Pra poder voltar aqui se tornaram hinos atemporais, embalando bailões, showmícios e rádios. Nos anos 1990, Alan e Aladim se consolidaram como um dos maiores nomes da música sertaneja. Vendendo milhões de discos e lotando shows por todo o país, conquistaram o carinho do público e se tornaram referência para diversas gerações de artistas”, acrescenta.

Morte prematura

Durante uma turnê de shows em 1992, porém, Aladim passou a se queixar de dificuldades para mastigar e engolir alimentos. Tomou medicamentos para aliviar as dores, sem sucesso. Decidiu então voltar a Mogi das Cruzes (SP), onde morava, para buscar cuidados médicos.

Internado no Hospital Ipiranga, precisou passar por uma cirurgia de amígdalas. No entanto, ao ser medicado, sofreu um choque anafilático - a rigor, uma grave reação alérgica. Veio uma parada cardíaca.

Aladim tinha 35 anos quando morreu, em 1º de outubro de 1992. Foi enterrado no dia seguinte no Cemitério da Saudade, também em Mogi das Cruzes. A morte ganhou pouco destaque nos jornais - os poucos registros da época se concentraram em obituários e pequenas notas, sem grandes coberturas.

Obituário de Aladim no Jornal do Commércio (RJ) em 5 de outubro de 1992 (Imagem: Reprodução)

No fim, para Jones Mendes, o tempo foi curto para que a formação original de Alan & Aladim se consolidasse entre os grandes nomes da música sertaneja na época.

“Eles duraram muito pouco, foi muito curto para fixar na mente das pessoas. Eles tinham uma qualidade vocal muito grande - especialmente o Aladim, que tinha uma voz que era diferenciada, muito diferente. Talvez ali perto de Chrystian & Ralf, mas era outro tipo. E já vem logo de cara com um sucesso, que é Liguei pra dizer que te amo, a música principal deles. Isso foi marcante demais, cara. Muito forte. Chegou chegando, sabe?”, relembra.

“Foi um tipo de morte tão bobo. ‘Será possível uma coisa dessas?’ Já conversei com o Alan depois de um tempo, e ele nem gosta muito de tocar no assunto, de falar sobre isso. Alimentou-se muita coisa, talvez ele tenha ficado traumatizado. Mas pelo que se tem registro, pelo que foi documentado e registrado, foi uma morte tão boba. Uma infecção dentária, que depois tomou um medicamento, que depois causou uma alergia, uma parada cardíaca… Esquisito, né? Muito mal contada essa história. E em pouco tempo o cara faleceu, e acabou do nada.”

‘Outra posição’

Alan e Aladim se apresentam na Band em 1992 (Imagem: Reprodução)

Nos últimos dias de vida, enquanto Aladim voltava a Mogi das Cruzes em busca de tratamento, Alan ia a Itaituba (PA) para fazer um show com um substituto na formação da dupla. Ao chegar a São Paulo, foi informado pelo empresário que a situação de saúde do companheiro era muito ruim.

Alan então foi de carro a Mogi das Cruzes para visitar o parceiro de dupla. A caminho da cidade, ouviu em uma rádio enquanto dirigia a notícia da morte de Aladim.

Alan logo percebeu uma série de circunstâncias incômodas. Em 2003, durante entrevista ao programa Sabadaço, da Band, o cantor abordou desconfianças a respeito do sepultamento do companheiro.

“No dia do velório (...), ele não foi enterrado naquele dia. Ele deveria ter sido enterrado naquele dia, mas como ficou tarde, um funcionário do cemitério não quis lacrar o túmulo naquele dia, preferiu deixar para outro dia. Algumas fãs voltaram no outro dia para acompanhar o enterro, disseram que ele estaria em uma outra posição, mas que a mãe e o pai não quiseram mexer”, teorizou.

“O próprio médico aconselhou a mãe a não mexer, porque ela não ia gostar do que ia ver. Como não foi feita a autópsia também, então fica a dúvida”, afirmou também. Na ocasião, o médico que atendeu Aladim em 1992 disse ao programa não temer que o cantor tivesse sido enterrado vivo, e assegurou que “ele morreu de fato”.

A reportagem visitou o Cemitério da Saudade. Nos arredores da sepultura de Aladim, apenas um coveiro fazia o trabalho de rotina. No túmulo, as datas de nascimento e falecimento do cantor foram gravadas em uma placa com a mensagem “saudades dos familiares”.

Procurada, a Prefeitura de Mogi das Cruzes não informou se há registros de exumação da sepultura de Aladim. Apenas confirmou, sem muitos detalhes, o sepultamento no Cemitério da Saudade. À reportagem, a administração local comunicou ainda que “mais informações devem ser obtidas junto à família”.

Más companhias

Em 2023, durante entrevista ao jornalista André Piunti, Alan contou que a dupla recebia pagamentos em dólares pelas apresentações, e que o companheiro guardava em sigilo os valores recebidos - apenas uma pessoa sem vínculo com a família sabia o que Aladim fazia na época com o dinheiro.

“Ele se envolveu com pessoas erradas. Não que ele fizesse coisas erradas, mas ele se envolveu com pessoas erradas que tinham má intenção, e se aproveitaram do momento em que ele ficou doente”, afirmou Alan ao canal de Piunti no YouTube.

Na época em que começou a se sentir mal, Aladim pediu à pessoa citada por Alan que procurasse a ajuda de um médico. Depois da morte, ainda segundo Alan, uma enfermeira contatou a família de Aladim para alertar: “Se vocês procurarem, vocês vão encontrar algumas coisas que vocês não vão gostar”.

Também de acordo com o depoimento de Alan, os pais do ex-companheiro jamais foram atrás dos desdobramentos da história. O médico, por sua vez, foi posteriormente procurado por jornalistas e por pessoas próximas à família de Aladim, mas as declarações dele sobre o caso deixaram no antigo parceiro de dupla uma impressão ruim.

Décadas depois, Alan indica que a morte do ex-companheiro poderia interessar a determinadas pessoas. E foi a partir daí que surgiu, de alguma maneira, a lenda de que Aladim foi enterrado vivo. “Enterrado vivo, eu não sei. Mas tem alguma coisa estranha nessa história. Eu não sei te dizer se foi ou não, mas que tem alguma coisa estranha, tem”, disse Alan em 2023.

Ascensão interrompida

Os rumores a respeito de Aladim apontam para um caso de catalepsia, uma condição médica que limita os movimentos e a fala - ou, em casos mais graves, até mesmo a respiração. Para Luan Lucas, os fãs buscaram uma resposta para a morte precoce do músico, e as informações imprecisas criaram o cenário para que a lenda ganhasse força.

“O falecimento precoce, somado a rumores de que o cantor teria sido enterrado vivo devido à catalepsia que o acometia, transformou sua história em um verdadeiro folclore, especialmente em Mogi das Cruzes (SP), onde Aladim residia”, diz o jornalista, que destacou ainda “a falta de apuração da história que nunca foi investigada de forma conclusiva, alimentando ainda mais o folclore e a crença de que Aladim pode ter sido enterrado vivo”.

“Nesse sentido, a falta de respostas definitivas sobre a morte do cantor gera questionamentos e alimenta o folclore, tornando-se parte da cultura popular. Alguns acreditam que a lenda serve para homenagear o cantor, eternizando sua memória de forma trágica e épica. Outros a veem como uma forma de lidar com a morte precoce e inesperada de um ídolo”, acrescentou.

Aladim foi sepultado em Mogi das Cruzes (Imagem: Fernanda Umezaki/Band)

Jones Mendes, por sua vez, acredita que o rumor não teria força se surgisse nos tempos atuais, nos quais o público tem acesso a maior quantidade de informações na internet.

“Não é amplamente divulgado como é hoje, em que você tem informação de tudo. Não tinha internet, com aquela velocidade da informação. Ficou uma coisa meio misteriosa, né? Aí, como eles não alcançaram aquele sucesso estrondoso, não causou aquela comoção nacional, só ficou um susto mesmo”, descreve. “Foi uma coisa meio assustadora. Causa essa interrogação, ficou a dúvida, uma certa lenda na música sertaneja.”

Ambos concordam, no entanto, que a dupla poderia ter alcançado uma projeção muito maior ao longo da década de 1990 se tivesse seguido com a formação original.

“Independentemente da veracidade, a história de Alan & Aladim e a lenda do enterro vivo se tornaram parte da cultura popular. Uma coisa é certa: eles seriam uma dupla marcante ao longo dos anos 1990”, acredita Luan Lucas.

“Eles são mais lembrados pela morte do cara do que necessariamente pelo trabalho que tiveram. A dupla continuou com outros Alladins cantando, estão na ativa até hoje. Mas com certeza não repetiram o mesmo feito - talvez pela qualidade vocal do Aladim, talvez por tudo que envolveu. Sei lá, isso é mistério”, argumenta Jones Mendes.

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