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Ainda Estou Aqui: Fernanda Torres comenta sucesso em Veneza: “Assustada com o que vem por aí”

A atriz foi destaque no filme brasileiro, ovacionado por 10 minutos após a exibição no festival

Da Redação

A atriz Fernanda Torres tem uma carreira marcada por papéis icônicos e uma versatilidade admirada no cinema e na televisão brasileira. Agora, ela assume mais um desafio: interpretar Eunice Paiva no filme "Ainda Estou Aqui", dirigido por Walter Salles. 

O longa, que aborda a vida da advogada e ativista, teve uma recepção calorosa no Festival de Cinema de Veneza, onde Fernanda, que foi muito elogiada pela crítica internacional, compartilhou suas impressões sobre a obra.

Eunice Paiva foi uma figura singular na história brasileira, uma mulher que enfrentou a ditadura militar com força e dignidade, ao mesmo tempo, em que preservava a integridade de sua vida privada. 

"Ela era feminista muito antes de queimarem sutiãs, mãe de cinco filhos, casada, já nos anos 1950 tinha uma visão de que a vida estava em transformação", destacou Fernanda.

A atriz ressaltou que Eunice Paiva era "anti-clichê" e carregava consigo uma visão à frente de seu tempo, sendo uma defensora dos direitos indígenas e da natureza, algo que só ganhou força muito mais tarde no Brasil. 

"Ela já estava falando de demarcação das terras indígenas muito antes disso ser um tema central. Era visionária", comentou. 

Para Fernanda, o filme é uma homenagem à trajetória de uma mulher que nunca buscou os holofotes, mas cujas ações tiveram um impacto duradouro. "Ela nunca fez questão de aparecer, foi sempre discreta, mas fez coisas importantíssimas."

"O Walter não colocou nada de clichê, não tem grua subindo com música e violino. Eu tinha cenas em que chorava copiosamente, mas ele cortou. A força do filme está na contenção e dignidade de Eunice", explica a atriz, ao falar sobre o cuidado com que o diretor tratou a história.

Fernanda relembrou a força da personagem: "Ela foi a primeira a buscar reparação pela morte do marido, lutou pelos direitos e pela verdade, e fez isso com uma serenidade impressionante", afirmou.

"O esquecimento dela no final, com Alzheimer, coincide com o Brasil esquecendo de sua própria história. É quase simbólico. É um filme que faz lembrar de um Brasil progressista, de sonhos interrompidos pela guerra fria e pela violência da ditadura”, reflete a famosa.

O filme brasileiro foi ovacionado por 10 minutos após a sua exibição no Festival de Veneza 2024 e o sucesso no evento pegou Fernanda de surpresa. Apesar de suas expectativas para o filme, a recepção calorosa foi além do que a atriz esperava. 

"Estou assustada com o que vem por aí", confessou. "O circuito de festivais é impressionante. Eu não estava preparada para essa recepção. Você nunca sabe como o filme será recebido, mas ver uma sala cheia reagindo daquela maneira foi uma experiência que só vivendo."

Mas afinal, quem foi Eunice Paiva?

Mãe de Marcelo Rubens Paiva, Eunice Paiva foi uma importante advogada e ativista dos direitos humanos no Brasil, especialmente conhecida por sua atuação durante a ditadura militar (1964-1985). 

Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva nasceu em São Paulo, em 1929, e ficou conhecida nacionalmente após o desaparecimento de seu marido, Rubens Paiva, que foi um dos casos mais emblemáticos de violação dos direitos humanos durante o regime militar. 

Ele se casaram em 1952 e tiveram cinco filhos. Ele era um ex-deputado federal e militante político, que foi preso e desapareceu nas mãos das autoridades militares.

Em 20 de janeiro de 1971, Rubens Paiva foi levado pela polícia da casa em que vivia com a família no Leblon. No dia seguinte, Eunice também foi presa e permaneceu 12 dias nas dependências do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) sendo interrogada. 

Após sua libertação, Eunice passou a questionar o que havia ocorrido com seu marido - mas não obtinha nenhuma resposta.

Eunice Paiva, diante desse trágico evento, tornou-se uma figura central na luta por justiça e pelos direitos das vítimas da ditadura ao lado de outras mulheres, a estilista Zuleika Angel Jones, a Zuzu Angel, de Crimeia de Almeida, Inês Etienne Romeu, Cecília Coimbra, entre outras.

Ela enfrentou a repressão do governo, buscando incessantemente informações sobre o paradeiro do marido, mesmo sob ameaças e perseguições. A advogada também teve um papel importante na redemocratização do Brasil, trabalhando para garantir que as violações dos direitos humanos fossem expostas.

Foi apenas em 1996, após 25 anos de luta, que Eunice conseguiu que o Estado Brasileiro emitisse oficialmente o atestado de óbito de Rubens Paiva. A primeira prova objetiva de seu assassinato só foi encontrada 41 anos depois, em novembro de 2012, com uma ficha que confirmava sua entrada em uma unidade do DOI-Codi.

Eunice Paiva conviveu com Alzheimer por 14 anos e faleceu em 2018, aos 86 anos. Apesar disso, seu legado como defensora dos direitos humanos e sua coragem ao enfrentar o regime militar brasileiro permanecem como exemplo de luta pela justiça e pela verdade no país.

Ainda estou aqui

Em 2015, um dos filhos de Eunice e Rubens, Marcelo Rubens Paiva, contou a história do desaparecimento de seu pai e da luta de sua mãe no livro Ainda Estou Aqui. 

Na obra biográfica, ele divide o protagonismo com a sua mãe, relatando não apenas o esforços de Eunice pela verdade, mas sua batalha contra o Alzheimer. 

O filme "Ainda Estou Aqui", dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello, foi exibido em uma sessão de gala no Festival de Veneza. Nos cinemas brasileiros, no entanto, o longa ainda não tem previsão de estreia. 

A produção também concorre ao Leão de Ouro, um dos maiores prêmios do cinema internacional. 

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