Evangélicos convencionais perdem espaço para bolsonaristas na Câmara

Número de parlamentares evangélicos consagrados é o menor dos últimos 20 anos

Narley Resende

Deputados evangélicos em culto na Câmara dos Deputados David Ribeiro/Agência Câmara
Deputados evangélicos em culto na Câmara dos Deputados
David Ribeiro/Agência Câmara

A bancada evangélica eleita para 2023 na Câmara dos Deputados é a menor dos últimos 20 anos e deve contar com 54 parlamentares da ala considerada pragmática. Um levantamento preliminar feito pelo historiador Guilherme Galvão Lopes, autor do livro “Evangélicos, Mídia e Poder”, considera checagem de pertencimento religioso e denominação de quais congregações fazem parte os integrantes do grupo. 

De acordo com os dados levantados até agora, o número de evangélicos gira em torno de 60, no máximo 65 deputados. Com isso, a bancada seria a menor desde o início dos anos 2000. 

Nas duas últimas legislaturas (2015 e 2019), os deputados evangélicos alcançaram seu maior patamar histórico: 89 deputados federais exerceram mandatos, entre titulares, suplentes e suplentes efetivados. 

Em 2018, ano da eleição do presidente Jair Bolsonaro (PL), 84 evangélicos foram eleitos para a Câmara - um recorde.

Nas eleições de 2022, no entanto, houve uma redução, após apropriação da chamada “agenda de costumes” e inclusão do “pânico moral” no discurso de seguidores de Bolsonaro. 

O Republicanos, partido do vice-presidente Mourão, concentrou a maioria dos eleitos entre evangélicos: 18, sendo 13 da Igreja Universal. Logo atrás vem o PL, partido de Bolsonaro, com 13 eleitos por diversas igrejas, principalmente a Assembleia de Deus, denominação com a maior representação: 21 deputados.

Os números podem sofrer alteração, pois ainda é possível que parlamentares se manifestem no decorrer das articulações políticas. “É uma listagem preliminar, vou reconferir os dados”, pondera o pesquisador.

Diferenças

Pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil e Escola de Ciências Sociais da FGV (Fundação Getulio Vargas), o historiador Guilherme Galvão Lopes avalia que a bancada evangélica perdeu espaço para bolsonaristas ideológicos. 

“Alinhados ao projeto de poder religioso, entre 50 e 55 parlamentares [devem compor a bancada na Câmara]. A bancada evangélica diminuiu e perdeu espaço para bolsonaristas. O caso mais notório é de Nikolas Ferreira (PL-MG), que foi o parlamentar mais votado de 2022, e isso dá um pouco da tônica do que é o voto religioso. Ele vinculou sua imagem ao voto cristão conservador, mas é um bolsonarismo”, afirma Lopes. 

O professor mantém um banco de dados com todos os parlamentares evangélicos desde 1934 e afirma que as pautas morais defendidas pelo grupo perderam o protagonismo para a extrema-direita. 

“Lincoln Portela (Republicanos-MG) é parlamentar pastor da igreja batista, já é deputado desde a década de 1990, utilizava o discurso moralista, mas sempre foi pragmático. A bancada sempre foi pragmática, de 1987 para cá a bancada evangélica sempre foi governo, com exceção do segundo mandato de Dilma Rousseff. Eles participaram do primeiro governo, inclusive com ministério”, destaca. 

Neste ano, o crescimento da extrema-direita retirou votos dos evangélicos, considerada a principal base social do bolsonarismo. “Podemos considerar que houve migração do voto deste segmento para as candidaturas mais identificadas com Bolsonaro, independentemente da religião”, diz.

Pauta difusa

O professor avalia que o bolsonarismo abarca inúmeras pautas que antes eram prioritárias dos religiosos, como combate ao aborto, à "ideologia de gênero", restrição às drogas e aos jogos de azar, redução da maioridade penal, dentre outras questões morais e comportamentais.

Hoje, o bolsonarismo, segundo ele, tomou para si essas pautas, somando a elas questões armamentistas e teorias conspiratórias sobre terraplanismo, liberdade religiosa e globalismo. Bolsonaro assume para si o maniqueísmo cristão: “o mal precisa ser combatido, até com armas, se preciso”.

Os evangélicos, estimados em mais de 60 milhões de brasileiros, consolidaram-se como base socioeleitoral do bolsonarismo e do ultraconservadorismo político. Em 2018, o Datafolha apontou que quase 70% estiveram com Bolsonaro.

“Os evangélicos fazem essa defesa das pautas morais, mas agora abarcam outras questões, como armamento. Deixa um pouco essa pauta moral e comportamental. Houve migração dos votos dessa direita evangélica, apesar de conservadora, mas pragmática, para extrema-direita ideológica que em um possível governo Lula não vai negociar com o governo. Se antes essa direita estava espalhada, hoje ela encontra essa liderança em Bolsonaro. Houve migração do voto evangélico para o bolsonarismo. A principal base social do bolsonarismo, o segmento social, é o grupo evangélico”, avalia. 

Grupo diverso

Na lista de evangélicos compilada no levantamento, separada em segmentos, também estão parlamentares tradicionalmente desvinculados da bancada evangélica, embora sejam fieis. 

Apenas três parlamentares foram eleitos por partidos de esquerda, sendo um do PT. um do PSOL e um da REDE. “Coincidentemente ou não, todos negros”, afirma o pesquisador. m 2018, foram oito deputados eleitos por PT, PDT e PSB.  

A redução da fragmentação da Câmara também se refletiu neste segmento: em 2018, evangélicos se espalhavam por 23 partidos. Hoje, em quinze.

“Existem alguns evangélicos que não possuem pertencimento – o mais famoso talvez seja Cabo Daciolo. A conceituação de bancada evangélica é diferente da frente parlamentar evangélica. O fato de ser evangélico não quer dizer que faça parte de uma coordenação política. Essa bancada coordena trabalho de grupos vinculados à política religiosa. Não dá para dizer que Marina Silva ou Benedita da Silva sejam da bancada, mas faz parte dessa representatividade evangélica, do que se costuma dizer e a frente parlamentar evangélica”, explica. 

Lopes avalia que a diminuição da bancada evangélica, ao contrário do que se pensa, não é uma demonstração de fraqueza, mas da força deste fenômeno político, mesmo que isto seja um desafio eleitoral para as lideranças evangélicas. “Para Bolsonaro, o quadro não poderia ser melhor”, pontua.

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Lista preliminar com deputados evangélicos:

NomeIgrejaUF de mandato Votos Partido
Aguinaldo RibeiroIgreja Batista (CBB)PB158.171PP
Alex SantanaAssembleia de Deus BA      106.940 Republicanos
André FerreiraAssembleia de Deus PE      273.267 PL
Antônia LúciaAssembleia de Deus AC        16.280 Republicanos
AureoIgreja MetodistaRJ103.321 SD
Benedita da SilvaAssembleia de Deus RJ113.831 PT
Carlos GomesIgreja Universal do Reino de DeusRS      102.363 Republicanos
Cezinha de MadureiraAssembleia de Deus SP      143.434 PSD
Cleber VerdeCongregação Cristã no BrasilMA        70.275 Republicanos
David SoaresIgreja Internacional da Graça de DeusSP        93.831 União Brasil
Eduardo BolsonaroIgreja Batista (CBB)SP741.701 PL
Eli BorgesAssembleia de Deus TO35.171 PL
Fausto PinatoCongregação Cristã no BrasilSP        72.169 PP
Felipe FrancischiniAssembleia de Deus PR      164.342 União Brasil
Gilberto AbramoIgreja Universal do Reino de DeusMG      123.370 Republicanos
Gilberto NascimentoAssembleia de Deus SP        95.077 PSC
Glaustin da FokusAssembleia de Deus GO117.981 PSC
Jeferson RodriguesIgreja Universal do Reino de DeusGO        56.026 Republicanos
Jefferson CamposIgreja do Evangelho QuadrangularSP      155.336 PL
Jhonatan de JesusIgreja Universal do Reino de DeusRR19.881 Republicanos
Jorge BrazIgreja Universal do Reino de DeusRJ        59.201 Republicanos
José MedeirosIgreja Presbiteriana do BrasilMT        82.182 PL
Julio Cesar RibeiroIgreja Universal do Reino de DeusDF        76.274 Republicanos
Lincoln PortelaIgreja Batista (CBN)MG        42.328 PL
Lucas RedeckerIgreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil RS119.069 PSDB
Marcel Van HattemIgreja Evangélica Luterana do BrasilRS      256.913 Novo
Marcelo Álvaro AntônioIgreja Cristã MaranataMG        31.025 PL
Marcelo CrivellaIgreja Universal do Reino de DeusRJ110.450 Republicanos
Márcio MarinhoIgreja Universal do Reino de DeusBA118.904 Republicanos
Marco FelicianoAssembleia de Deus SP      220.595 PL
Marcos PereiraIgreja Universal do Reino de DeusSP      231.626 Republicanos
Marcos SoaresIgreja Internacional da Graça de DeusRJ        43.533 União Brasil
Marina SilvaAssembleia de Deus SP      237.526 REDE
Messias DonatoIgreja do Evangelho QuadrangularES        42.640 Republicanos
Milton VieiraIgreja Universal do Reino de DeusSP        98.557 Republicanos
Moses RodriguesIgreja Adventista do Sétimo DiaCE113.294 União Brasil
Nikolas FerreiraIgreja Comunidade Evangélica Graça e PazMG1.492.047 PL
Olival MarquesAssembleia de Deus PA102.435 MDB
Otoni de PaulaAssembleia de Deus RJ158.507 MDB
Pastor DinizAssembleia de Deus RR8.243 União Brasil
Pastor EuricoAssembleia de Deus PE100.811 PL
Pastor GilAssembleia de Deus MA69.530 PL
Pastor Henrique VieiraIgreja Batista (Igreja Batista do Caminho)RJ53.933 PSOL
Pastor Paulo Freire CostaAssembleia de Deus SP161.675 PL
Pastor Sargento IsidórioAssembleia de Deus BA77.164 Avante
Raimundo dos SantosAssembleia de Deus PA62.366 PSD
Rogéria SantosIgreja Universal do Reino de DeusBA82.012 Republicanos
Rosângela GomesIgreja Universal do Reino de DeusRJ76.292 Republicanos
Sérgio BritoIgreja BatistaBA116.960 PSD
Silas CâmaraAssembleia de Deus AM125.068 Republicanos
Sóstenas CavalcanteAssembleia de Deus RJ65.443 PL
Stefano AguiarIgreja do Evangelho QuadrangularMG96.503 PSD
Toninho WandscheerAssembleia de Deus PR74.263 PROS
Vinicius CarvalhoIgreja Universal do Reino de DeusSP113.009 Republicanos