Do bolsonarismo à catarse da democracia: a queda de Bolsonaro

As marcas de um governo de extrema-direita que levaram à derrota de Jair Bolsonaro

Narley Resende

Bolsonaro é o primeiro presidente a não conseguir a reeleição REUTERS/Adriano Machado
Bolsonaro é o primeiro presidente a não conseguir a reeleição
REUTERS/Adriano Machado

Os quase quatro anos do governo do presidente Jair Messias Bolsonaro (PL-RJ), ex-deputado federal e capitão reformado do Exército, foram marcados pela crítica à “falta de humanidade” diante das centenas de milhares de vítimas da pandemia de coronavírus; por seguidos ataques à imprensa, ao bom senso, às mulheres, à ciência, às artes, ao meio ambiente, às instituições e à democracia. Os ataques à política, ora presentes no discurso, deram lugar a acordos com o Centrão, reconciliações por oportunidade, entre outras práticas em nome da governabilidade e manutenção de poder. 

Primeiro líder de extrema-direita a chegar à presidência da República por via democrática no Brasil, Bolsonaro adotou sem constrangimento variações de lemas do fascismo, como "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos", semelhante ao “Alemanha acima de tudo (Deutschland über alles)”, slogan nazista que chegou fazer parte do hino nacional alemão, depois suprimido após a Segunda Guerra Mundial; e “Deus, pátria e família”, lançado no Brasil pelo o movimento Ação Integralista Brasileira (AIB) - grupo ultranacionalista, conservador e que se identificava com o catolicismo, surgido na década de 1930 – que usava o mesmo mote. 

No “bolsonarismo” como movimento, o lema evoluiu pouco antes da campanha eleitoral de 2022 para “Deus, pátria, família e liberdade”, quando tornou-se conveniente associar a condição de “liberdade” a anseios de uma parcela recentemente politizada da população, a chamada “nova direita”. Antes associado apenas ao liberalismo econômico, o termo passou a ser usado por essa corrente ideológica a um tipo de “liberdade de expressão”, que envolve distorções, narrativas, ofensas e mentiras.

A “direita digital”, que parte dos mesmos princípios e valores da convencional, mas inova na utilização de redes sociais online como principal ferramenta de difusão de sua ideologia, é diretamente responsável pela ascensão de Bolsonaro. Hoje dividida, com correntes que se desligaram do bolsonarismo, ao longo dos anos, a direita brasileira ganhou impulso a partir da popularização da internet e depois em movimentos de rua que pediam impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT), entre 2013 e 2016. 

Foi no meio digital, promovendo escândalos e temas polêmicos, de assuntos sexualizados, fundamentalistas a escatológicos, que o então deputado federal Bolsonaro se tornou um fenômeno de popularidade. 

Três temas em especial alçaram o político: a luta contra a educação sexual nas escolas, em narrativa apelidada de “kit gay” pela “direita digital”; brigas com a também deputada federal Maria do Rosário (PT); e a defesa da Ditadura e do Golpe Militar de 1964. 

Nova direita

A linha seguida por Bolsonaro não é novidade, destaca o cientista político Emerson Cervi, da UFPR (Universidade Federal do Paraná). 

“O termo ‘nova direita’ é usado mais pelo senso comum. Nada nas pesquisas acadêmicas indica a existência de algo novo. O que encontramos agora é uma ‘direita digital’, que parte dos mesmos princípios e valores, mas inova na utilização de redes sociais online como principal ferramenta de difusão de sua ideologia. E, na política, existe a extrema direita, que é uma direita não institucionalizada, mais radical, que vem de fora para dentro e defende, inclusive a destruição das instituições. É o caso de Bolsonaro, que já disse que não veio para construir e sim para destruir”, aponta.

O movimento influenciado no Brasil por Olavo de Carvalho, escritor e ideólogo dos Bolsonaros, alinhado a ideias de Steve Bannon – ideólogo da extrema-direita internacional e chefe de propaganda da campanha de Donald Trump nos Estados Unidos, foi adaptado para as repúblicas latino-americanas.

Em comum, ódio a “comunistas”, discriminação de homossexuais, discurso de combate à corrupção, de vida simples, defesa da família, rearmamento do país e do povo, que são características comuns a regimes de extrema-direita.

Esse fenômeno político, segundo o professor, é o resultado da passagem de valores e conceitos sociais, difusos cultural e estruturalmente na sociedade, para a política. 

“A política institucionalizada, tem, entre outros, o objetivo de estimular ou acelerar mudanças sociais em direção a uma sociedade moderna. Muitas vezes isso se opõe a valores culturais presentes na sociedade e que não reacionários às mudanças. Então, nos últimos 20 anos, as instituições políticas fizeram mudanças que combatiam valores sociais arraigados no Brasil. São leis que criminalizam a homofobia, em uma cultura homofóbica; leis que criminalizam o racismo, em uma sociedade racista; leis que criminalizam a violência doméstica contra mulheres em uma sociedade machista. Então, a partir de 2014, com a operação Lava Jato, houve um enfraquecimento das instituições de Estado”, explica Cervi. 

Esse enfraquecimento das instituições do Estado, visto também como fundamental na ascensão do bolsonarismo, não só interrompeu o processo de avanços sociais e políticas compensatórias, segundo Cervi, como abriu espaço para que valores sociais como racismo, machismo e homofobia encontrassem terreno fértil para ocupar a política institucional. 

“E isso se cristalizou quando esses valores encontraram um líder político que representava tudo isso. Então, o que era um conjunto de valores difusos na sociedade transformou-se em um movimento reacionário na política, chamado de bolsonarismo. Em 2022 a sociedade brasileira está decidindo entre manter o reacionarismo contra avanços institucionais identificados com a própria democracia ou extirpar da política, mandando de volta para suas bases sociais, valores retrógrados que ganharam espaço e visibilidade pública nos últimos oito anos”, avalia.

A postura bolsonarista de deslegitimar instituições democráticas permaneceu até o fim. Antes a narrativa derrotada de fraude nas urnas, agora a teoria de conspiração sobre fraudes em inserções de propaganda eleitoral em rádios, tendo como alvo adversários políticos, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e o STF (Supremo Tribunal Federal). Diante da ausência de provas, os ataques minguaram em suas próprias contradições. 

Narrativas

O questionamento institucional atinge em cheio a imprensa e outras fontes convencionais de informação confiável. Esse contexto facilitou a difusão de mentiras e falsas narrativas.  

Bolsonaro mesmo deu pelo menos 6.353 declarações falsas ou distorcidas em 1.367 dias como presidente, segundo levantamento da agência de checagem Aos Fatos. Algumas das mentiras foram repetidas dezenas ou centenas de vezes - entre elas, “qual denúncia de corrupção no meu governo? Não tem”; “Eu fui desautorizado pelo Supremo Tribunal Federal [durante a pandemia de Covid-19]”; e “Eu sempre falei que você deve combater sim o vírus, mas também combater o desemprego em nosso país”. 

Diante do confronto a essas declarações, Bolsonaro marcou seu governo como o mais hostil à imprensa desde a redemocratização.

Um levantamento da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) mostra que somente em 2022, Bolsonaro esteve diretamente envolvido em 77 ataques diretos à imprensa e jornalista, entre os 362 ataques no total. Entre  1º de janeiro de 2021 e 5 de maio de 2022, somente pelo Twitter, Bolsonaro e seus três filhos com cargos eletivos fizeram 801 ataques à imprensa e o Jornalismo.

"Se você não lê jornal está sem informação, se lê está desinformado", escreveu o perfil oficial do presidente. 

Entre dezenas de hostilidades a repórteres, atacados também por apoiadores encorajados pelo próprio presidente, Bolsonaro chegou a mandar uma jornalista calar a boca, ao ser questionado sobre o uso de máscara de proteção contra a Covid-19.

Pandemia

E foi no auge da pandemia de coronavírus que Bolsonaro optou por contrariar praticamente todas as instituições democráticas independentes e a comunidade científica nacional e internacional. “Assim fizemos, quase contra tudo e contra todos”, disse o próprio presidente em pronunciamento oficial em cadeia de rádio e TV. 

Na ocasião apontou que “grande parte dos meios de comunicação foram (sic) na contramão. Espalharam exatamente a sensação de pavor”, em 24 de março de 2020, 12 dias após a confirmação da primeira de 687 mil mortes por Covid-19 no Brasil, momento no qual Bolsonaro defendeu a volta “à normalidade”. 

“O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós e brevemente passará”, disse. “Devemos, sim, voltar à normalidade”, pontuou.

No mesmo pronunciamento, Bolsonaro completou o que foi considerada uma declaração de guerra à ciência: "No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho”, cravou. 

Constatado o descontrole de contaminação pelo vírus, o presidente passou a defender o uso de medicamentos ineficazes para o tratamento da doença. Os mais presentes no discurso eram a Hidroxicloroquina, o remédio para tratamento de malária; e Ivermectina, vermífugo antiparasitário. 

Desde o início, Bolsonaro iniciou uma cruzada pela chamada “imunidade de rebanho” defendida veementemente nas correntes bolsonaristas e veladamente pelo presidente, custasse quantas mortes fosse necessário. 

Em meados de 2021, a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Pandemia no Senado revelou que o governo federal ignorou 101 e-mails enviados pela Pfizer para oferecer vacinas contra a Covid-19. Mais tarde, o argumento de Bolsonaro era de que o laboratório não se responsabilizava por eventuais efeitos colaterais da nova vacina, embora ela já tivesse aprovação de uso emergencial pela própria Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no Brasil e estivesse sendo amplamente aplicada nos Estados Unidos e Europa.

No início daquele ano, uma sucessão de erros causou a falta de oxigênio medicinal em Manaus e provocou a morte de vários pacientes de Covid-19, obrigando a remoção de dezenas para outros Estados. A situação chocou o Brasil e outros países ao mostrar pessoas morrendo por asfixia no meio da floresta que produz oxigênio em abundância. 

Diante da pior crise de saúde pública da história, Bolsonaro trocou de ministro da Saúde quatro vezes, ainda antes da queda na curva de casos e mortes por Covid-19. 

Os médicos Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, os dois primeiros ministros da gestão Bolsonaro, deixaram o cargo por discordarem da maneira com que o presidente queria atuar na pandemia. O general Eduardo Pazuello foi substituído por pressão de parlamentares do Centrão, em meio a severas críticas da sociedade e após a crise de Manaus. 

Uma sequência de frases de Bolsonaro durante a pandemia deixa evidente a postura negligente diante do vírus: 

9 de março de 2020 – 0 mortes - “Está superdimensionado o poder destruidor desse vírus. Talvez esteja sendo potencializado até por questões econômicas”

26 de março – 77 mortes - Bolsonaro disse que o brasileiro precisa ser “estudado” porque é capaz de pular “no esgoto” sem que nada aconteça com ele. 

20 de abril – 2.584 mortes - “Eu não sou coveiro”

28 de abril – 5.050 mortes -“E daí, lamento. Quer que eu faça o quê? Sou Messias, mas não faço milagre”

19 de maio – 17.971 mortes – “Quem é de direita toma Cloroquina, quem é de esquerda, Tubaína”.

2 de junho – 31.199 mortes - “A gente lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo” 

7 de julho – 66.741 mortes - “É como uma chuva, vai atingir você” 

10 de novembro – 162.829 mortes – “Não adianta fugir disso, fugir da realidade. Tem que deixar de ser um país de maricas. Olha que prato cheio para a imprensa. Prato cheio para a urubuzada que está ali atrás. Temos que enfrentar de peito aberto, lutar. Que geração é essa nossa?"

17 de dezembro – 184.827 mortes - “Se você virar um ch.. jacaré, problema de você [sic]. Se você virar super-homem, se nascer barba em alguma mulher aí ou algum homem começar a falar fino, eles não vão ter nada a ver com isso. O que é pior: mexer no sistema imunológico das pessoas”, afirmou.

5 de janeiro – 197.777 mortes - “O Brasil está quebrado. Eu não consigo fazer nada” 

22 de janeiro – 215.243 mortes - “Não está comprovada cientificamente”, disse Bolsonaro sobre Coronavac  

11 fevereiro de 2021 – 236.201 mortes - “Quando eu falei remédio lá atrás, levei pancada. Nego bateu em mim até não querer mais. Entrou na pilha da vacina”, disse. E completou: “O cara que entra na pilha da vacina, só a vacina, é um idiota útil. Nós devemos ter várias opções”

4 de março de 2021 –  260.970 mortes - “Vai comprar vacina. Só se for na casa da sua mãe”

4 de março de 2021 – 260.970 mortes - “Temos que enfrentar os nossos problemas. Chega de frescura e de mimi. Vão ficar chorando até quando?”

14 de maio de 2021 –  432.628 mortes - “Se falar cloroquina é crime, falar em maconha é legal”

17 de maio – 436.537 mortes - “O agro realmente não parou. Tem uns idiotas aí, o ‘fique em casa’. Tem alguns idiotas que até hoje ficam em casa. Se o campo tivesse ficado em casa, esse cara tinha morrido de fome, esse idiota tinha morrido de fome”.

9 junho de 2021 – 479.515 mortes - “Nunca vi ninguém morrer por tomar hidroxicloroquina”. 

“A vacina tem comprovação científica ou está em estado experimental ainda? Está [em estado] experimental”, completou.

17 junho de 2021 – 496.004 mortes - “Todos que contraíram o vírus estão vacinados, até de forma mais eficaz que a própria vacina, porque você pegou vírus para valer”, completou.

25 de junho de 2021 – 511.142 mortes - “Tapetão por tapetão sou mais o meu” 

24 de julho de 2021 – 549.448 mortes - “Se eu estivesse coordenando a pandemia não teria morrido tanta gente” 

2 de setembro de 2021 – 581.914 mortes - “Falei que meu IgG está 991. Eu estou muito bem, melhor que o pessoal que tomou CoronaVac. Melhor não”

8 de setembro de 2021 – 584.421 mortes - “Covid apenas encurtou a vida delas por alguns dias ou algumas semanas” 

2 de dezembro – 615.179 mortes - “Deixa eu morrer, problema é meu”. Em live semanal em seu perfil nas redes sociais, presidente disse que “muita gente de esquerda” desejando a sua morte. “Se quer a minha morte, por que fica querendo exigir que eu tome a vacina?”, completou

7 de dezembro de 2021 – 616.018 mortes – “Estamos trabalhando agora com a Anvisa, que quer fechar o espaço aéreo. De novo, porra? Ah, a ômicron. Vai ter um montão de vírus pela frente, de variantes talvez” 

7 de dezembro de 2021 – 616.018 mortes - “Coleira que querem botar no povo brasileiro”, disse sobre passaporte vacinal. “Cadê nossa liberdade? Prefiro morrer do que perder minha liberdade”, afirmou na ocasião.

24 de dezembro de 2021 – 618.392 mortes – “Não tá havendo morte de criança que justifique [vacinação infantil]” 

6 de janeiro de 2022 – 619.641 mortes - “Qual o interesse da Anvisa por trás disso aí?”,  ao questionar o interesse da Anvisa na aprovação de vacinas pediátricas da Pfizer contra a Covid-19. “Qual o interesse das pessoas taradas por vacina?”, completou na sequência.

12 de janeiro de 2022 – 620.371 - “Dizem [que a ômicron] até que seria um vírus vacinal. Deveriam até… Segundo algumas pessoas estudiosas e sérias —e não vinculadas à farmacêuticas —dizem que a ômicron é bem-vinda e pode sim sinalizar o fim da pandemia”.

22 de janeiro de 2022 – 622.801 mortes - “Lamento profundamente, mas é um número insignificante”. “Tem que levar em conta se elas tinham comorbidade também”, disse.

Corrupção 

“Qual denúncia de corrupção no meu governo? Não tem”, repetiu Bolsonaro reiteradamente ao longo dos quatro anos de governo. 

Um dos principais casos investigados durante a CPI da Pandemia foi a compra da vacina indiana Covaxin, produzida pelo laboratório Bharat Biotech. Em depoimento, o deputado federal Luis Claudio Fernandes Miranda (DEM-DF) e o irmão do servidor Luis Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do ministério da Saúde, acusaram um suposto esquema de fraude na negociação para a compra de 20 milhões de doses do imunizante. A denúncia apontava um envolvimento do próprio Ministério da Saúde e a empresa brasileira Precisa Medicamentos, responsável pela venda da vacina no Brasil.

O deputado afirma que Bolsonaro estava ciente do esquema, visto que os irmãos tiveram um encontro com o presidente no qual foi apresentada a documentação fraudulenta. 

No dia 20 de março – suposta data da reunião entre os envolvidos – Luis Miranda, publicou em seu perfil no Twitter uma foto ao lado de Bolsonaro. Na legenda, o deputado coloca que ambos tratavam de “assuntos que são importantes para o Brasil”.

Bolsonaro argumenta que a vacina não foi comprada, portanto, não haveria corrupção no caso.

Orçamento secreto

Em 2020, a articulação do Governo Bolsonaro foi responsável pela criação de um “orçamento secreto”, as emendas de relator, para que deputados e senadores façam repasses de verbas públicas sem que haja um destino ou destinatário declarado – tirando a transparência de operações bancárias parlamentares. Além disso, permite a distribuição desproporcional de recursos a parlamentares aliados. Houve indícios de superfaturamento na compra de máquinas e aquisições em diversos estados, segundo reportagens do jornal Estadão, esquema que destinou R$ 3 bilhões em emendas para auxiliar base no Congresso e parte delas gasta para compra de tratores com preços até 259% acima dos valores de referência.

A contrapartida ao governo seria a garantia de maioria no Parlamento. Um exemplo é a denúncia de compra de compra de votos parlamentares na eleição de Arthur Lira (PP) para presidente da Câmara dos Deputados. A eleição de Lira, aliado de Bolsonaro e pertencente ao chamado “centrão”, teria sido viabilizada por meio de distribuição de recursos a bases eleitorais de parlamentares. 

Em entrevista ao site The Intercept Brasil, o deputado federal bolsonarista Waldir Soares de Oliveira (União Brasil) disse ter recebido uma oferta de R$ 10 milhões em emendas em troca do voto em Lira.

Ministério da Educação

Na gestão do ex-ministro da Educação (MEC) e pastor da Igreja Presbiteriana de Santos, Milton Ribeiro, denúncias apontam que Ribeiro comandou esquema que exigia pagamento de propina para as igrejas dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura, em troca de contratos de obras federais para construção de escolas.  

Ailson Souto da Trindade, candidato a deputado estadual pelo Progressista no Pará, informou que o pagamento deveria ser feito em espécie e que o dinheiro seria escondido na roda de uma caminhonete para ser transportada de Belém (PA) para Goiânia (GO), onde ficam as igrejas.

Gilmar, Arilton e Milton já são investigados pela polícia por conta do “gabinete paralelo” do MEC. O inquérito corre sob sigilo no Supremo Tribunal Federal. O ex-ministro e os pastores chegaram a ser presos durante o processo. 

Trindade foi o 12ª pessoa a denunciar o esquema de corrupção, prefeitos também confirmaram a necessidade de pagar propina em dinheiro, comprar bíblias e ouro para ter acesso a verbas do ministério.

Rachadinhas

Referente a um período anterior ao do atual governo, a família Bolsonaro acumula suspeitas de corrupção, desvio de recursos e envolvimento com milícias.  

A prática conhecida como “rachadinha”, que é desvio de salário de assessores, é investigada na atuação de Bolsonaro e de seus três filhos com mandato eletivo, Flávio, Eduardo e Carlos. 

Em 2020, Fabrício Queiroz, e ex-assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), foi preso em uma operação da Polícia Civil e do Ministério Público de São Paulo. Ele era investigado pela participação em rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, onde o filho de Bolsonaro ocupou uma cadeira por quatro mandatos. De acordo com o MP, Fabrício recebeu R$ 2 milhões em 483 depósitos de assessores ligados a Flávio.

Quando perguntado sobre o caso, Bolsonaro alega que “é uma prática meio comum, concordo contigo. Não é só no Legislativo não, também no Executivo municipal, até de um outro poder também, tá? E em cargo de comissão você pode botar quem entender ali”.

Em 2022, a jornalista Juliana Dal Piva lançou o livro “O Negócio do Jair: a história proibida do clã Bolsonaro”, que detalha os bastidores da ascensão política e patrimonial do ex-capitão e de seus filhos. 

A obra lança luz sobre o passado do clã Bolsonaro e as peças que levaram, em 2018, ao escândalo das rachadinhas a partir de transações suspeitas de Fabrício Queiroz, então assessor de Flávio Bolsonaro e amigo de longa data de Jair.

Juliana Dal Piva, junto com Thiago Herdy, também revelou no UOL que quase metade do patrimônio em imóveis de Bolsonaro e de seus familiares mais próximos foi construída nas últimas três décadas com uso de dinheiro em espécie. 

Desde os anos 1990 até os dias atuais, o presidente, irmãos e filhos negociaram 107 imóveis, dos quais pelo menos 51 foram adquiridos total ou parcialmente com uso de dinheiro vivo, segundo declaração dos próprios integrantes do clã.

Economia 

Pressionado pelo desemprego, que chegou a atingir 14 milhões de brasileiros, a alta inflação, câmbio desfavorável, entre outros problemas, Bolsonaro nunca assumiu responsabilidade pela crise ou admitiu erros de gestão. Sempre buscou culpar outros atores da crise, como por exemplo um suposto legado de governos anteriores, a pandemia, a guerra na Ucrânia, entre outros.

O ministro Paulo Guedes viu uma debandada de sua equipe de liberais durante a gestão. Medidas de Bolsonaro que causariam a quebra do Teto de Gastos e tentativas de interferência na Petrobras estão entre os impasses. 

Um dos ministros de maior confiança de Bolsonaro, Guedes aumentou os impostos de importação e diminuiu os impostos de exportação. Diante do cenário de baixo poder de compra dos brasileiros, em grande parte devido a pandemia, essa medida fez com que os produtos brasileiros de qualidade fossem exportados, e os preços internos aumentassem. 

Isso acontece porque a produção interna está sendo exportada e a produção estrangeira está cara. Os únicos beneficiados com essa política são os produtores muitos ricos que irão exportar seus produtos.

A política econômica de Guedes aumentou o preço do dólar de forma voluntária. O swap - nome da operação econômica de câmbio - realizado pelo Banco Central e pelas políticas de Guedes vem permitindo a alta do dólar.

Essa medida também favorece as corporações brasileiras que realizam comércio com o dólar, mas prejudicam a maioria da população que usa apenas o real. 

O ministro Paulo Guedes foi beneficiado pelo aumento do dólar. Seus investimentos em países estrangeiros aumentaram muito de valor, caso convertidos para o real.

Como o país precisa importar produtos para sustentar as situações mais básicas do dia a dia, como importar trigo para fazer pão, a desvalorização do real face ao dólar é prejudicial para a população em geral.

Um dos argumentos de Guedes para tomar essas medidas foi que a alta do dólar impulsiona os brasileiros a desenvolverem a indústria local e a gastar o dinheiro no Brasil. É nessa perspectiva que o ministro criticou o fato de empregadas domésticas viajarem para a Disney. A intenção seria que o dinheiro circulasse dentro do país, e não fora.

Meio ambiente

Durante a reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020, no auge da pandemia, o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, alertou os ministros sobre o que considerava ser uma oportunidade trazida pela pandemia da Covid-19: para ele, o governo deveria “passar a boiada” e aproveitar o momento em que o foco da sociedade e da mídia está voltada para o novo coronavírus para mudar regras que podem ser questionadas na Justiça, conforme vídeo vazado da reunião e divulgado pelo ministro Celso de Mello, do STF.

A gestão de Salles na pasta foi amplamente acusada por sucatear o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), reduzindo números de servidores e bases de apoio em áreas de fiscalização, nomeando policiais e ruralistas para cargos de proteção ao meio ambiente, e reduzindo o uso de verbas disponíveis para o combate ao desmatamento.

Criticado internacionalmente, Bolsonaro argumenta que a exploração da Amazônia é uma questão de soberania nacional e adotou discursos de que organizações não governamentais e países europeus têm interesses de exploração própria do bioma. 

No período de agosto de 2018 a julho de 2021, imediatamente após a ascensão do bolsonarismo no governo, o desmatamento na Amazônia aumentou 56,6% em relação ao mesmo período em anos anteriores, segundo levantamento do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia). 

Encorajados pelo bolsonarismo, grileiros e garimpeiros ilegais fizeram aumentar tensões em áreas de terras indígenas. O ápice da discussão sobre o assunto se deu após o assassinato do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, mortos em 5 de junho de 2022, durante uma viagem pelo Vale do Javari, segunda maior terra indígena do Brasil, no extremo-oeste do Amazonas. Embora várias outras pessoas, entre indígenas e ambientalistas, tenham sido assassinadas em conflitos semelhantes, o caso de Bruno e Dom ganhou o noticiário nacional e internacional.

Ditadura, atos antidemocráticos e embate com o STF

Jair Bolsonaro nunca escondeu seu saudosismo pela ditadura militar, seja participando de atos pró-ditadura, militarizando estruturas ministeriais ou atuando juridicamente para celebrar o período.

Encorajou atos antidemocráticos que se opõem ao regime democrático de direito, às suas instituições e a princípios assegurados pela Constituição. Manifestações bolsonaristas motivaram inquéritos no STF, em uma escalada de tensão entre Bolsonaro e a Suprema Corte. Durante seu mandato, indicou dois ministros: André Mendonça, que foi ministro da Justiça e indicado como “terrivelmente evangélico” por Bolsonaro; e Nunes Marques, um desembargador que desde sua posse tem votado a favor de quase todos os interesses do presidente. 

Desde o início do mandato, Bolsonaro também protagonizou uma série de ataques ao sistema eleitoral. “A fraude está no TSE, para não ter dúvida. Isso foi feito em 2014”, disse o presidente. “Não tenho medo de eleições. Entrego a faixa para quem ganhar no voto auditável e confiável. Dessa forma, corremos o risco de não termos eleições no ano que vem,” ameaçou em 2021, entre muitas outras declarações que apontavam supostas fraudes nunca comprovadas em questionamentos ao funcionamento das urnas eletrônicas.

Chegou a prometer que mostraria provas de fraudes, o que não aconteceu. Os ataques de Bolsonaro foram dirigidos com maior frequência aos ministros do STF Alexandre de Moraes, a quem chegou a xingar de “canalha” em manifestação na Avenida Paulista em 7 de setembro de 2021, Luis Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin, que presidiram o Tribunal Superior Eleitoral em momentos distintos.

Bolsonaro foi alvo de cinco inquéritos no STF. Passou a ser investigado no inquérito das fake news em agosto de 2021, a pedido do TSE, comandado na ocasião pelo ministro Barroso, por questionar em uma live a integridade das urnas eletrônicas, com base em vídeos que circulam na internet. 

No inquérito de “milícias digitais”, aberta por Alexandre de Moraes no final de julho de 2021, focada em apoiadores de Bolsonaro que, segundo o ministro, formariam uma organização criminosa. O foco do inquérito, segundo o próprio Moraes, é apurar o financiamento da disseminação, nas redes sociais, de “ataques” às instituições, ao Estado de Direito e à democracia.

O inquérito da divulgação de dados do TSE foi aberto em agosto de 2021, por causa de uma entrevista ao vivo em que Bolsonaro revelou detalhes de uma investigação da PF sobre um ataque hacker ao TSE em 2018, e em seguida publicou nas redes sociais links que davam acesso aos autos.

Outro, da associação de vacina à Aids, também aberto por Alexandre de Moraes em dezembro de 2021, após Bolsonaro dizer que “relatórios oficiais do governo do Reino Unido sugerem que os totalmente vacinados estão desenvolvendo a síndrome de imunodeficiência adquirida [Aids] muito mais rápido do que o previsto”, o que é mentira.

Outro é por interferência na Polícia Federal, sendo a investigação mais antiga aberta contra Bolsonaro, na condição de presidente, em tramitação no STF. Foi aberta a pedido da PGR, em 2020, logo após a saída do ex-ministro Sergio Moro do governo. 

No final de abril daquele ano, numa entrevista à imprensa, ele anunciou que pediu demissão do Ministério da Justiça por supostas tentativas do presidente de interferir na direção da PF, para que pudesse obter informações de investigações sobre familiares e aliados.

Desde 2019, Bolsonaro pressionava Moro a substituir na direção-geral da PF o delegado Maurício Valeixo, escolhido por Moro, por outro mais próximo e de sua confiança, como o delegado Alexandre Ramagem, que chefiou sua equipe de segurança na campanha de 2018.

Moro resistia e, diante do impasse, deixou o governo em 2020 e passou a criticar Bolsonaro. 

Além do inquérito de prevaricação no caso Covaxin, que foi arquivado pela ministra Rosa Weber, do STF.

Democracia 

Os ataques de Bolsonaro às instituições democráticas motivaram uma onda de reações e medidas para torar o processo democrático incontestável. Nunca o TSE realizou tantas reuniões e disponibilizou tantas informações e esclarecimentos sobre o processo.

Em 2022, pela primeira vez, a votação começou ao mesmo tempo em todo o Brasil, com os eleitores obedecendo aos horários de Brasília. Ou seja, as urnas foram abertas e fechadas juntas em todo o país, independentemente do fuso horário de cada região.

Ao todo, 156 milhões de brasileiros aptos a escolher quem vai ocupar os cargos de deputado estadual ou distrital, deputado federal, senador, governador e presidente da República, puderam escolher seus representantes, com o resultado divulgado no processo mais dinâmico já realizado. 

A democracia saiu fortalecida do governo de Jair Bolsonaro.

Bolsonarismo vive

Pelo menos 40 dos 81 senadores que iniciarão a legislatura em fevereiro de 2023 têm, em princípio, alinhamento aos ideais do presidente. Desses, 15 são correligionários de Bolsonaro, do Partido Liberal (PL). 

A bancada do grupo declaradamente pró-armas no Congresso terá 23 representantes a partir de 2023, sendo 16 deputados e sete senadores.