Câmara aprova 1º projeto do pacote de corte de gasto com reforços ao arcabouço

Projeto de lei complementar cria "reforços" ao arcabouço fiscal, prevendo disparo de novos gatilhos para congelamento de gastos em caso de piora das contas públicas

Por Estadão Conteúdo

A Câmara dos Deputados aprovou na noite desta terça-feira, 17, o texto-base do primeiro projeto do pacote de corte de gastos encaminhado pelo governo Lula ao Congresso. O projeto de lei complementar relatado pelo deputado Átila Lira (PP-PI) cria "reforços" ao arcabouço fiscal, prevendo disparo de novos gatilhos para congelamento de gastos em caso de piora das contas públicas, além de permitir que o governo possa bloquear até 15% das emendas parlamentares.

Foram 318 votos a favor (eram necessários 257) e 149 votos contrários. Os deputados rejeitaram três destaques (sugestões de mudanças ao texto principal) e deixaram outros três para serem analisados nesta quarta-feira, 18. Concluída a votação, o texto seguirá para a análise do Senado Federal.

Uma das medidas proposta pela equipe econômica, contudo, caiu: a que limitava a restituição de créditos tributários pelas empresas. A proposta enfrentava forte resistência entre vários setores da economia, além de ter integrado uma Medida Provisória (MP) editada pelo governo em junho e que foi devolvida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.

A expectativa é de que o projeto seja votado no Senado até a próxima sexta-feira, 20, antes do recesso parlamentar. O Congresso ainda tentará aprovar um outro projeto de lei encaminhado pela Fazenda, além de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

A Fazenda estima que os três projetos juntos vão gerar uma economia de R$ 71,9 bilhões em dois anos, mas especialistas em contas públicas contestam esse cálculo e preveem uma economia menor, entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões. As contas ainda terão de ser refeitas após as modificações feitas no Congresso.

Entenda o projeto

Um dos gatilhos do projeto prevê que, em caso de déficit primário, ficará proibido, a partir de 2025, a concessão, ampliação ou prorrogação de benefícios tributários. Além disso, haverá limitação de crescimento no gasto com pessoal em 0,6% ao ano acima da inflação - o piso do aumento de despesas estabelecido pelo novo arcabouço fiscal.

Outro gatilho determina que, em caso de redução nominal das despesas discricionárias (não obrigatórias, como investimentos e custeio), a partir de 2027, haverá essa restrição para benefícios tributários (tal qual ocorre em caso de déficit primário) e a mesma limitação para o crescimento de despesas com pessoal.

A proposta aprovada também determina que a criação ou prorrogação de benefícios da seguridade social ficam limitadas às regras de crescimento do arcabouço, ou seja, com teto máximo de 2,5% ao ano.

O projeto estabelece que o governo poderá bloquear e contingenciar até 15% das emendas parlamentares. A medida enfrentava resistências no Congresso, mas a cúpula do Legislativo fechou um acordo com o Palácio do Planalto para aprovar a medida.

Hoje, o governo não pode bloquear emendas impositivas (obrigatórias), apenas contingenciar. Isso significa que os recursos hoje só podem ser congelados em caso de frustração de receitas. Com o projeto, as emendas poderão ser congeladas também para bancar o crescimento de gastos obrigatórios, como aposentadorias, e cumprir o limite de despesas do arcabouço fiscal.

O governo Lula negociou com a cúpula do Congresso a possibilidade de cortar recursos de emendas parlamentares para colocar o dinheiro em despesas obrigatórias e cumprir o arcabouço fiscal.

O bloqueio de emendas enfrenta resistências no Congresso e chegou a ser rejeitado semanas atrás. A cúpula do Legislativo, porém, fechou um acordo com o Palácio do Planalto para aprovar essa medida.

Superávit de fundos para pagar dívida

O relator incluiu no texto um dispositivo que determina que, entre 2025 e 2030, o superávit financeiro de fundos públicos só poderá ser usado para amortizar a dívida. O projeto do governo previa que o uso dos recursos seria de livre aplicação, o que foi amplamente criticado por economistas, como mostrou o Estadão, uma vez que abria margem para ampliar gastos.

Na proposta do governo, eram oito fundos listados, mas o relator manteve apenas cinco: os fundos de Defesa de Direitos Difusos (FDD), Nacional de Segurança e Educação de Trânsito (FUNSET), do Exército, Aeronáutico e Naval. Foram excluídos o Fundo Nacional Antidrogas (Funad), o Fundo da Marinha Mercante (FMM) e Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC) com a justificativa de que seus recursos "são utilizados para importantes investimentos".

'Jabutis' retirados

O relatório chegou a inserir dois jabutis (propostas que não têm relação com o objetivo central do texto) no projeto de lei, mas depois retirou os dispositivos do texto. Um deles prorrogava até 2028 a Lei de Incentivo ao Esporte, que permite deduções no Imposto de Renda das pessoas físicas e jurídicas que fizerem gastos com patrocínio esportivo ou doações na área.

Outro extinguia a cobrança do Seguro Obrigatório Para Proteção de Vítimas de Acidentes de Transito (SPVAT), antigo DPVAT.

Câmara vai analisar outras propostas do pacote fiscal; veja medidas

O governo Lula anunciou um pacote de cortes de gastos com o objetivo de dar uma sobrevida ao arcabouço fiscal (o instrumento que substituiu o teto de gastos) e retomar a confiança no equilíbrio das contas públicas.

A equipe econômica estima uma economia de R$ 327 bilhões em cinco anos com as medidas, enviadas ao Congresso Nacional.

Além do PL aprovado nesta terça, o Congresso vai analisar um outro projeto de lei e uma PEC. No PL, estão previstas mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC), Proagro, além de limite de crescimento para o salário mínimo e correção pela inflação para o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF). Há também medidas consideradas como "pente-fino", como obrigatoriedade de biometria por quem recebe benefícios sociais.

Já a PEC prevê a redução a quem tem direito a abono salarial para até 1,5 salário mínimo, a prorrogação da Desvinculação das Receitas da União (DRU) até 2032, além de permitir que até 20% dos gastos do governo federal com o Fundeb sejam direcionados para o ensino integral, e o fim da imposição de execução de programações orçamentárias.

Veja medidas e a economia projetada pela Fazenda:

Projeto de lei | Relator: Deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL)

- Salário mínimo: Limita o crescimento do salário mínimo a 2,5% ao ano acima da inflação, com piso de Previsão de economia de R$ 109,8 bilhões entre 2025 e 2030.

- BPC: Altera regras do BPC, pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. A proposta deduções de renda, mudando critérios para pessoas com deficiência e renda familiar, entre outras. Previsão de economia de R$ 12 bilhões até 2030 (combinada com a PEC).

- Biometria: Estabelece biometria para todos os benefícios da seguridade social, medida considerada como "pente-fino" por especialistas. Previsão de economia de R$ 15 bilhões até 2030.

- Proagro: Gastos com Proagro, espécie de seguro rural voltado a pequenos e médios agricultores, ficarão limitados ao que está previsto no Orçamento de cada ano. Sem previsão de economia.

- FCDF: Corrige os recursos do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) pela inflação. Previsão de economia de R$ 18,1 bilhões entre 2025 e 2030.

- Bolsa Família: Permite ao governo modificar parâmetros relativos ao Bolsa Família e coloca limites de unipessoais em municípios. Previsão de economia de R$ 17 bilhões até 2030.

- Renovação de cadastro: Quem está no CadÚnico terá de renovar cadastro a cada 24 meses para receber programa de transferência de renda. Medida considerada pente-fino, sem projeção de economia.

- Dados: Concessionárias de serviços públicos terão que oferecer dados para a União. Medida considerada pente-fino, sem projeção de economia.

PEC | Relator: Moses Rodrigues (União CE)

- Supersalários: Restringe as exceções para limites de remuneração. Necessita de lei complementar ainda não enviada pelo Executivo. Sem previsão de economia na proposta oficial do governo.

- Fundeb: permite que até 20% da complementação da União ao Fundeb seja usado para o ensino integral, permitindo cortes de gastos pelo Ministério da Educação. Previsão de economia de R$ 42,3 bilhões entre 2025 e 2030.

- Abono salarial: Estabelece que o abono salarial será pago a quem ganha 1,5 salário mínimo, caindo gradativamente até 2035. Previsão de economia de R$ 18,1 bilhões entre 2025 e 2030.

- BPC: Determina que, para receber BPC, ficam proibidas deduções de renda não previstas em lei. Previsão de economia de R$ 12 bilhões até 2030.

- DRU: Prorroga a DRU até 2032, com 30% da arrecadação da União desvinculada de órgão, fundo ou despesa. Previsão de economia de R$ 25,6 bilhões entre 2025 e 2030.

- Benefício tributário: Diz que uma lei complementar disporá sobre incentivos ou benefícios de natureza tributária. Sem previsão de economia.

- Orçamento impositivo: Revoga parágrafos que tornam obrigatórias a execução de programações orçamentárias. Sem previsão de economia.

O governo também enviou ao Congresso um projeto de lei com medidas para endurecer regras para a previdência dos militares. Fica estabelecida, entre outras medidas, a idade mínima de 55 anos para aposentadoria, chamada de reserva remunerada, mas com início em 2032.

Pelas estimativas da Fazenda haverá R$ 6 bilhões em cortes de gastos até 2030 e mais R$ 6 bilhões em aumento de receitas, totalizando um impacto fiscal de R$ 12 bilhões.

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