PMs que abordaram filhos de diplomatas, estavam sem câmeras corporais

A Polícia Militar afirmou que o não uso da câmera nas fardas é uma falta grave e que vai analisar a situação

Por João BoueriGiovanna FariaPedro Dobal

Câmeras de segurança
Divulgação

Os policiais militares envolvidos na abordagem a adolescentes filhos de diplomatas em Ipanema, na Zona Sul do Rio, não estavam usando câmeras corporais portáteis durante o episódio. A informação foi confirmada por um dos agentes que prestou depoimento na tarde de quinta-feira (11) na Delegacia Especial de Apoio ao Turismo, no Leblon, na mesma região. A família acusa a PM de conduta racista com os jovens de 13 a 14 anos.  

Após a oitiva de um policial envolvido, a Polícia Militar afirmou que o não uso da câmera nas fardas é uma falta grave e que vai analisar a situação. No início das investigações, a PM deu a entender que os agentes tinham o equipamento, que teria as imagens analisadas.  

Em depoimento à Polícia Civil, o PM Sérgio Regattieri Fernandes Marinho, lotado na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Vidigal, disse que a abordagem aos jovens ocorreu após uma estrangeira denunciar que teve o cordão furtado por um grupo de criminosos. A turista teria dito que um dos suspeitos utilizava uma camisa branca e que alguns seriam negros.  

Em seguida, os policiais começaram as buscas na Zona Sul do Rio, inclusive na Rua Prudente de Morais, onde aconteceu a abordagem aos quatro jovens. Três dos quatro adolescentes são negros e filhos de diplomatas estrangeiros. Imagens de câmeras de segurança mostram o momento em que os agentes descem do carro e apontam os fuzis para os menores.  

O segundo policial militar também compareceu à delegacia na quinta-feira (11), mas pediu para que o depoimento fosse remarcado, enquanto o advogado não tem acesso aos documentos do inquérito. Os PMs já tinham prestado depoimento na segunda-feira (8) na Corregedoria Geral da PM, que está com um procedimento apuratório aberto.

A Polícia Civil intimou outras testemunhas, que devem ser ouvidas na Delegacia Especial de Apoio ao Turismo na semana que vem.

Os filhos dos embaixadores de Burkina Faso e Gabão foram ouvidos pela Polícia Civil por videoconferência. Os outros adolescentes já tinham prestado depoimento. Eles já estão em Brasília com os familiares e suporte de profissionais da área da saúde.

A mãe de um dos adolescentes disse que os parentes pretendem levar o processo até o término. A advogada dos familiares dos jovens, Raquel Fuzaro, disse que um dos menores não consegue nem sair do quarto.  

Então, dos meninos, a gente vê nitidamente que um está mais retraído, não consegue. Falar sobre o assunto, e talvez ainda está naquele processo que é muito difícil para todo mundo, que é vítima de se reconhecer na posição de vítima, porque é muito difícil você entender que você foi vítima de racismo, que você recebeu uma abordagem racista, ameaça de andar pelas ruas, porque pode, se você continuar andando pelas ruas, pode ser ainda pior. Então, a forma com que cada um deles está lidando é muito em função de como cada um sente e reage a situações de violência. Então, mas eles estão extremamente assustados, traumatizados, não querem falar sobre o assunto, um deles nem com a família tem falado, porque ele está recolhido no seu quarto, recebendo amor, suporte da família, suporte psicológico, mas mesmo assim ainda está. Muito abalado. O outro, por sua vez, ele já conseguiu expressar melhor, diz que efetivamente não volta ao Rio, não tem vontade, e se voltar, não volta sozinho, tem medo de andar pelas ruas do Rio, se sente seguro nas ruas de Brasília, mas não se sente seguro nas ruas do Rio de Janeiro, em virtude da sua cor. Ele entendeu que a cor dele, a raça dele é motivo de medo, de uma abordagem pelos policiais que estariam ali para protegê-lo, mas ele não se sente protegido.

Dois dias depois do episódio, que aconteceu na semana passada, o Itamaraty enviou um pedido formal de desculpas aos embaixadores do Canadá, do Gabão e de Burkina Faso.

Durante agenda na quarta-feira (10), o governador do Rio, Cláudio Castro, disse que o Ministério das Relações Exteriores "avacalhou" a Polícia Militar. O político disse que houve um julgamento precipitado dos agentes envolvidos. Caso seja comprovado erro durante abordagem, eles serão punidos.  

O governador disse que não houve diálogo com o Governo do Estado para tratar sobre o assunto, apesar de o Itamaraty ter enviado um ofício ao Governo do Rio. Ele ainda chegou a dizer que é a PM que protege os filhos dos integrantes do Ministério das Relações Exteriores quando eles estão no Rio.

Em nota, a Polícia Militar disse que o protocolo a ser seguido por todos os policiais militares é o do uso obrigatório das câmeras corporais. A corporação afirma também que não compactua com desvios, punindo com rigor os envolvidos quando constatados os fatos.

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