Padres e fiéis relatam ameaças desde que afirmaram postura política neutra

Caso aconteceU na Paróquia Nossa Senhora do Desterro, em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio

Por Carlos Briggs

Movimento ocorreu durante passagem da campanha Candidato Jair Bolsonaro pelo local Reprodução/Arquivo Pessoal
Movimento ocorreu durante passagem da campanha Candidato Jair Bolsonaro pelo local
Reprodução/Arquivo Pessoal

Padres e fiéis da Paróquia Nossa Senhora do Desterro, em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio, relatam que estão sofrendo ameaças e intimidações desde que afirmaram que seguiriam postura neutra em questões políticas, conforme recomendação da Arquidiocese do Rio de Janeiro.

Eles suspenderam missas e outras atividades da paróquia, como servir café da manhã para a população de rua e visitar doentes.

Um ato em prol da campanha do presidente Jair Bolsonaro, que disputa a reeleição pelo PL, aconteceu em frente à igreja nesta quinta-feira (27). O palanque foi montado na praça em frente. Dias antes, na segunda-feira (24), organizadores do evento começaram a remover o gradil que cerca o espaço sem comunicar a prefeitura. Eles também cortaram árvores do local.

Um membro da paróquia, que pediu para não ser identificado, disse que, no sábado (22), eles foram procurados por um deputado da região recém-eleito e seu segurança para participarem do ato, mas negaram para manter a neutralidade política.

"No sábado, eles vieram tentar falar com o padre, mas ele não estava. Ao serem informados, acharam que estávamos mentido, e o segurança começou a dizer coisas como: 'É para o presidente', 'o presidente vai saber'", contou o membro da paróquia.

Os padres negaram o acesso da equipe do Bolsonaro ao espaço interno da igreja, que seria usado para acolher a comitiva do presidente. Foi então que as retaliações por parte de apoiadores, como ameaças a padres residentes na paróquia e a funcionários, começaram.

No domingo (23), uma carreata pró-Bolsonaro passou pelas ruas de Campo Grande com uma arte com a imagem da fachada da Igreja Matriz ao fundo, o que poderia gerar uma falsa associação da paróquia com grupos políticos.

O padre João Lucas, que comanda a paróquia ao lado do padre Ricardo Gomes e do diácono Vitor Henrique, respondeu à organização do evento que a igreja não se envolveria em nenhum ato seguindo a postura neutra em questões políticas, que é a recomendada pela Arquidiocese do Rio de Janeiro.

Padres isolados e igreja fechada

O membro da paróquia que conversou com o G1 relatou o que tem acontecido desde a abordagem no sábado (22).

"Por fim, notamos alguns carros estranhos parados em frente à igreja e, seguindo orientação da Arquidiocese, suspendemos todas as nossas atividades por medida de segurança", disse.

Ao todo, 12 missas que aconteceriam ao longo da semana foram suspensas. O café da manhã servido à população de rua também deixou de ser oferecido, assim como às visitas para levar os sacramentos a doentes, uma vez que os padres estão isolados.

"Eles construíram o palco em frente à igreja e ficamos isolados. Estamos sem sair desde segunda-feira", disse o funcionário.

O que diz a prefeitura

Procurada, a Prefeitura do Rio confirmou que trechos da grade que circundam a Praça Dom João Esberard, da Paróquia Nossa Senhora do Desterro, em Campo Grande, foram retiradas, sem o conhecimento e a necessária autorização, o que pode configurar dano ao patrimônio municipal, na forma do artigo 163 do Código Penal.

Disse ainda que vai comunicar o fato às autoridades policiais para que sejam apuradas as devidas responsabilidades.

Em seu perfil do Twitter, o prefeito Eduardo Paes falou sobre o assunto:

"Se tivessem pedido autorização para retirar as grades, teriam tido desde que recolocassem depois. Nós somos democratas e respeitamos a livre manifestação. Claro que vamos buscar identificar quem levou as grades. Civilidade e respeito às regras não fazem mal a ninguém", escreveu. '

A paróquia divulgou, em suas redes sociais, uma carta endereçada a juízes do Tribunal Superior Eleitoral e "a todas pessoas de bom coração" afirmando que "igreja não é palanque". Leia abaixo:

"Gostaríamos de indicar atos ilícitos de apoiadores do Sr. Jair Messias Bolsonaro, que, de maneira grotesca e ameaçadora, desde o dia 22 de outubro de 2022, têm tentando invadir o espaço da Igreja Matriz Nossa Senhora do Desterro, no intuito de montar uma base para um comício eleitoral que está agendado para o dia 27 de outubro de 2022, sendo realizado na Praça em frente à Igreja Matriz", diz o início do documento.

"Instrumentalizam a fé, limitando a realização segura de atividades de nossa Comunidade Eclesial. Nossa religião nos ensina que a mistura de política com fé perverte o sentido autêntico da religiosidade da Igreja Católica Apostólica Romana. O que ocorre nas proximidades da Igreja Matriz evidencia o quanto essa relação é danosa para a instituição religiosa e para os fieis."

"Nos solidarizamos com nossos irmãos de fé e com os clérigos que atuam e residem na Igreja Matriz Nossa Senhora do Desterro. De igual modo, rezamos também pelos funcionários que trabalham na referida Igreja. Endossamos o que pela fé já conhecemos e defendemos: igreja não é palanque", encerra o documento.

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