A exploração da Marina da Gloria, único espaço público náutico na Baía de Guanabara, acontece sem licitação e com desvio de finalidade. A afirmação é da Justiça Federal, que já determinou a retomada da gestão do espaço pela Prefeitura do Rio. Mas, o Município diz que não tem interesse em gerir o local, que recebeu as provas de vela durante os Jogos Olímpicos Rio 2016.
A área da Marina da Glória tem mais de 12 mil metros quadrados de área construída e mais de 18 mil metros quadrados de esplanada ao ar livre, que conta com ciclovia e um deck panorâmico, além de um polo de grandes restaurantes de luxo.
A negativa da prefeitura em reassumir a gestão da parque contrasta com a oportunidade de melhorar a arrecadação pública. Atualmente, o contrato rende pouco mais de R$ 30 mil reais mensais. Só de aluguel dos restaurantes a concessionária recebe algo em torno de R$ 200 mil todo mês.
Esse rendimento só leva em conta o valor médio de locação para cinco estabelecimentos fixados na Marina da Glória. Não entraram nessa conta o aluguel das embarcações, um estacionamento para 500 carros, um shopping e os eventos explorados pela BR Marinas, como os realizados em parceria com a Dream Factory, empresa do grupo Artplan, que agora se chama Dreamers, do empresário Roberto Medina e seu filho Rodolfo Medina.
São justamente os acontecimentos festivos que têm provocado prejuízo aos empresários, que apostaram em um projeto de calendário náutico.
Dono do restaurante mais conhecido do parque, Gerson Lerner fechou o tradicional Empório. Ele conta que o local deixou de ser viável já que os eventos realizados pela BR Marinas não favorecem o mercado náutico.
A Marina da Glória foi criada através de um decreto, do então presidente João Figueiredo, em 1979. Uma regata da África do Sul para o Rio, na época, fez o Brasil perceber o potencial local. Dezessete anos mais tarde, em 1996, quando a União já havia cedido o parque para a cidade, o prefeito César Maia licitou o espaço. A empresa EBTE foi a vencedora e ganhou o direto de explorar o local por dez anos. No meio do caminho surgiu uma ação popular. O processo foi impetrado em 1999 e questionava desvio de finalidade, já que a Marina já começava a ser explorada para fins comerciais, em detrimento de atividades náuticas.
Em 2006, em meio às incertezas judiciais, a EBTE ganhou o direito de explorar a Marina da Glória por mais 30 anos. O argumento da Prefeitura do Rio foi a necessidade de adaptações no espaço, já que a cidade iria sediar os jogos pan-americanos, no ano seguinte, mas as obras foram embargadas a pedido do Ministério Público Federal. Os procuradores pediram a proibição de que a empresa construísse uma nova área de píer para os barcos, mas sob o espelho d'água. As paralisações frearam as ambições da EBTE. Em 2009, a empresa passou a concessão para o empresário Eike Batista, através da MGX. Como o contrato não prevê o repasse na concessão da exploração da Marina da Glória, foi criada uma nova empresa, em que Eike Batista entra como sócio e logo depois a EBTE deixa a sociedade. A manobra jurídica, que permitiu que o empresário conseguisse a concessão do espaço, gerou uma ação judicial que ainda corre no Tribunal de Justiça do Rio.
Só que em 2013, a Justiça Federal reconheceu a ação popular de 1999 e atestou que houve desvio de finalidade na exploração da Marina da Glória, sentenciando ruptura de contrato entre o poder público e a concessionária.
O advogado Carlos Cabral, que representa os interesses do restaurante Empório, aponta que a BR Marinas descumpre o contrato com os empresários.
O veredicto da Justiça Federal ainda autoriza a Prefeitura do Rio a reassumir a gestão da Marina. A decisão provocou efeitos. Dois anos depois, em 2015, Eike Batista vende o contrato para outra empresa.
A venda foi feita para a BR Marinas, atual exploradora do espaço. A empresa foi contratada também com a justificava de adequar o local para atividades esportivas, dessa vez olímpicas.
Diante do argumento de infraestrutura necessária para os jogos Rio 2016, a BR Marinas entra com um aditivo contratual, reclamando o uso de todo o espaço da Marina da Glória.
Mesmo com uma concessão em curso, dando direito a exploração de 1/3 do espaço, a Prefeitura do Rio acatou o pedido e pediu a União a cessão de todo o espaço. Diante da permissão do Governo Federal, o prefeito Eduardo Paes, que também estava a frente do executivo municipal à época, atendeu ao pedido da concessionária e então cedeu o outros 2/3 da Marina da Glória.
No mesmo ano, em 2015, a presidente da BR Marinas, Gabriela Lobato, doou R$ 50 mil para a campanha de Pedro Paulo, candidato à prefeito apoiado por Eduardo Paes. A contribuição está no site do Tribunal Superior Eleitoral, na parte destinada à prestação de contas dos candidatos. A BandNews FM procurou Gabriela e Pedro Paulo para comentar o assunto, mas não teve retorno.
Em nota, a Prefeitura do Rio afirmou que não tem interesse em assumir de novo a gestão do espaço. A BR Marinas negou que o contrato só preveja eventos de natureza náutica, na região.
A presidente da BR Marinas, Gabriela Lobato e o secretário de Fazendo da Prefeitura do Rio, Pedro Paulo, foram procurados, mas não deram retorno.
Atualização:
Em nota, a BR Marinas informou que a concessão da Marina da Glória segue válida até 2036 e que foram investidos cerca de R$ 80 milhões, oriundos 100% da iniciativa privada, cuja contrapartida foi a exploração da área.
A empresa também disse que a denúncia foi feita pelo antigo proprietário de um restaurante, que é réu em ação de despejo por inadimplência e que a concessionária não tem qualquer relação com o negócio.
Sobre a abrangência da concessão, a BR Marinas disse que, em 2015, foi feita uma rerratificação do contrato, alterando a área para que contornasse todo o espelho d'água da Marina da Glória.
Em relação ao questionamento sobre a doação feita em 2015 pela empresária Gabriela Marins para a campanha do então candidato à prefeito Pedro Paulo, é importante salientar que ela se deu por questões pessoais e de convicções políticas.