Falta de equipamentos, insumos e vagas no CTI cancelaram 20% das cirurgias no Rio

Dos 4.837 cancelamentos, 925 foram pela ausência da estrutura e equipamentos em hospitais federais do Rio de Janeiro no primeiro semestre de 2024

Por Gabriela Morgado

Hospital Federal do Andaraí
Reprodução/Google Maps

Quase 20% das cirurgias canceladas nos hospitais federais do Rio de Janeiro no primeiro semestre não aconteceram pela falta de equipamentos, insumos e vagas no CTI para acomodar os pacientes após os procedimentos. Segundo dados do Ministério da Saúde, dos 4.837 cancelamentos, 925 foram pela ausência da estrutura e equipamentos necessários.

Outras 1.455 cirurgias foram canceladas por causa de falta de tempo para a realização e erros na programação cirúrgica.

Ou seja, quase metade dos pacientes ficou sem os procedimentos, por causa de problemas nos seis hospitais.

Os dados foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação e levam em conta também o Hospital do Andaraí, que ainda passa por período de transição para a municipalização. A mudança na gestão foi assinada em julho.

Os outros motivos para o cancelamento de cirurgias foram a condição clínica dos pacientes, a falta de internação por parte deles, falta de sangue, preparo inadequado pré-operatório e morte, além dos chamados cancelamentos de stand by.

No semestre, o número de cirurgias realizadas nos seis hospitais foi de 19.277. Ou seja, 20% de todos os procedimentos marcados foram cancelados.

A unidade do Andaraí, na Zona Norte da capital fluminense, foi a que teve mais cirurgias canceladas por falta de insumos e vagas no CTI: 409.

De janeiro a julho, 323 leitos chegaram a ficar impedidos em toda a rede federal no Rio de Janeiro, mais da metade por falta de médicos. Até o último fim de semana, 475 leitos estavam impedidos em toda a rede federal. Nesta segunda-feira (30), são 455, 304 por falta de médicos (66,8%).

No Hospital Geral de Bonsucesso, são 216 leitos fechados, o que corresponde a mais da metade do total (412). 192 estão indisponíveis por falta de médicos. Os dados são da Secretaria Municipal de Saúde.

Uma estudante, que preferiu não ser identificada e teve a voz distorcida, é acompanhante da prima, que tem problema renal crônico. Ela conta que a familiar demorou meses para conseguir uma consulta na unidade.

Ela teve alguns problemas para conseguir entrar na fila do transplante, porque ela não conseguia marcar consulta com especialista, porque não tinha vaga, e a agenda não reabria nunca. Demoramos alguns meses para conseguir

Ainda de acordo com o Ministério da Saúde, em um período de um ano - de janeiro de 2023 a janeiro de 2024, as unidades passaram a contar com menos 115 profissionais - de 2.845 para 2.730.

Já no Hospital do Andaraí, também na Zona Norte, 34 leitos estão impedidos, o que corresponde a mais de 10% dos 304, 13 por falta de médicos, dois por problemas elétricos, 11 por causa da falta de insumos e um que a cama está quebrada.

A professora Janaína Rangel, que teve queimaduras em maio, conta que foi internada em uma sala improvisada.

Em maio desse ano, eu precisei ficar quatro dias internadas no setor de queimados do hospital. O primeiro leito que eu fiquei parecia improvisado, porque era uma sala em que tinham dois leitos, o que eu fiquei e um outro, que era {com} um paciente em estado grave, também com o corpo todo queimado. E os nossos leitos eram divididos com uma espécie de um almoxarifado, porque tinham umas estantes, tinha macas, umas caixas. E os curativos só eram realizados segundas, quartas e sextas. Talvez por falta de médico, porque terças e quintas quem atendia eram as enfermeiras. Um dos dias que eu fui fazer curativo, chegou um rapaz com um corte na mão e ele não foi atendido, porque não tinha quem pudesse atendê-lo. Ele foi recomendado a ir para a UPA 

Por causa do crescimento nas denúncias, o Governo Federal negocia a municipalização das unidades. No Andaraí, a medida foi assinada ainda em julho.

Mas para a especialista em Gestão de Saúde Chrystina Barros, a medida, sozinha, não é uma solução. 

Uma vez que a população envelhece, aumenta-se essa demanda pela cirurgia, mas tem que haver uma excelente articulação com a atenção primária, por exemplo. Por isso que existe sentido em se falar na municipalização, sim, mas sem perder o protagonismo do Federal para a comunicação, para as políticas, com os recursos e orçamentos adequados. E a gente precisa, em definitivo, investir em pessoas. Pessoas que fazem, tanto a gestão de saúde, como os próprios profissionais

 

Segundo um estudo de 2019 do Tribunal de Contas do Município, a municipalização dos hospitais federais pode gerar uma crise na saúde, caso haja a falta de repasses do Governo Federal para a Prefeitura, que não conseguiria custear a administração das unidades. O TCM afirmou que a situação foi vista em 1998, quando houve uma tentativa de transferência da gestão, o que só foi solucionado em 2005, com a devolução dos hospitais para a União.

Dos mais de R$ 860 milhões previstos de investimento pelo Governo Federal para este ano nas seis unidades, foram pagos até agora cerca de R$ 480 milhões, de acordo com o Portal da Transparência. A plataforma mostrou que até 19 de setembro, o valor foi pago do Fundo Nacional de Saúde à Superintendência da pasta no Rio e aos seis hospitais federais no estado. Mas, de acordo com o Ministério da Saúde, mais de R$ 595 milhões já foram empenhados, ou seja, aplicados ou investidos. 

Ainda em nota, o Ministério da Saúde disse que está elaborando um plano de reestruturação, visando à abertura integral de todos os serviços assistenciais, a recuperação da estrutura física e do corpo profissional dos hospitais, conduzido por um grupo de apoio interinstitucional, com a participação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, da Fiocruz e do grupo hospitalar Conceição, ligado ao Ministério da Saúde.

A pasta disse ainda que o modelo definitivo de gestão está em fase final de análise.

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