
Diretor de diversos filmes importantes brasileiros, Cacá Diegues é lembrado pelos amigos e familiares como uma pessoa tranquila e que defendia a cultura do país. O cineasta morreu no Rio de Janeiro, na madrugada desta sexta-feira (14), aos 84 anos, por complicações cardiocirculatórias durante uma cirurgia. O procedimento foi realizado na Clínica São Vicente, na Zona Sul do rio. A unidade se solidarizou, em nota, com a família, amigos e fãs. Segundo relatos de amigos, Cacá estava com a saúde frágil.
Carlos José Fontes Diegues nasceu em Maceió, em Alagoas, mas morava no Rio de Janeiro desde os seis anos. Ele foi um dos fundadores do Cinema Novo, movimento do final da década de 50 e início dos anos 60, que também contou Glauber Rocha e foi marcado por críticas sociais e uma revolução no modo de fazer filmes no Brasil.
Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2015, Cacá Diegues falou sobre o surgimento do Cinema Novo.
Havia uma consciência ou uma inconsciência geral de que o Brasil seria a próxima grande potência cultural. Tínhamos uma colaboração a dar ao progresso da humanidade, da civilização. Eu costumo dizer com muito carinho que o programa do Cinema Novo, por exemplo, era muito simples, tinha só três pontos. Era mudar a história do cinema, mudar a história do Brasil e mudar a história do planeta. Era só isso.
Ao longo da carreira, Cacá ganhou diversos prêmios e fez filmes conhecidos, como "Bye Bye Brasil" e "Tieta do Agreste".
O amigo e músico Roberto Menescal chegou a colaborar com ele na trilha sonora das duas obras. A dupla estudou junta quando criança, e os dois continuaram amigos durante a vida, chegando a ser vizinhos.
Era uma pessoa muito legal, muito boa, mansa, sabe? Cacá sempre foi uma pessoa mansa. Eu nunca me lembro do Cacá nervoso com alguém ou falando mal de alguém. Parece que ele partiu, eu estou falando isso. Não, sempre falei isso sobre ele, sempre. E essa imagem fica aqui comigo. Parece que ele está do meu lado aqui agora.
Cacá ocupava a cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras, desde 2018. O presidente da ABL, Merval Pereira, afirma que Cacá também era um pensador do Brasil.
Durante as sessões ou nas palestras, era o Cacá pensador, o Cacá que era um intelectual público, uma pessoa sempre dedicada ao bem público. Ele era um sujeito que sempre que atuava na cultura tinha uma visão holística dos problemas nacionais e incluía sempre essa visão ampliada do Brasil. Então, ele tinha um conhecimento literário muito grande, era um leitor assíduo. Então o Cacá não era só um cineasta, era um pensador do Brasil, ele tinha sempre essa visão de que a cultura era fundamental para o desenvolvimento do país.
Cacá Diegues chegou a viver no exílio durante a ditadura militar, mas participava de discussões políticas e defendia a cultura e o cinema.
Em 2025, ele lançaria o filme "Deus Ainda é Brasileiro", continuação de "Deus é Brasileiro", de 2003. A trama faz uma crítica política e aborda a atuação da extrema-direita no país.
Na Internet, um dos atores dos filmes, Antônio Fagundes, disse que Cacá deixa um lindo legado na história do audiovisual e da cultura brasileira e que, em breve, Deus Ainda é Brasileiro vai confirmar mais uma vez seu talento e genialidade.
O amigo e ex-presidente da Academia Brasileira de Letras Marco Lucchesi ressalta que, no entanto, Cacá sempre foi a favor do diálogo.
O que eu via muitas vezes em Cacá Diegues, diante de situações recentes, vividas no Brasil, em relação a perspectivas um pouco assim excessivas, o Cacá buscava sempre ampliar o diálogo. Ele não se furtava ao diálogo, ainda que fosse difícil para alguns ou quase impossível para outros. O Cacá estava sempre disponível para confrontar as ideias e para trazer as pessoas a uma espécie de ponderação pacífica.
Também em entrevista ao programa Roda Viva, Cacá Diegues relatou como a ditadura só conseguiu impedir movimentos no cinema a partir do final da década de 60.
A gente via filmes na Cinemateca do Museu de Arte Moderna no Rio, lá no Centro da cidade. Ia do Centro da cidade até a Zona Sul, a pé, contando um ao outro o que eles tinham achado do filme que viu. Então havia uma cultura cinematográfica, um sentido de cultivar mesmo, que era muito importante. Agora, como é que isso nasceu, eu não sei explicar, não sei dizer. Era uma coisa tão forte que, mesmo 64 não acabou com isso, porque de 64 a 68 teve o tropicalismo, que também foi uma coisa que aconteceu no cinema. Agora 68 não, 68 acabou com tudo realmente.
Na mesma entrevista, Cacá ressaltou o papel do Estado no cinema.
Quem vai ver os filmes é o público. O público vai escolher o que ele quer ver. Às vezes até acerta, às vezes erra. Mas o que acontece é o seguinte, o papel do Estado no cinema é proteger o gosto popular, que é esse que está aí, mas ao mesmo tempo criar condições para quem não está de acordo com esse gosto tentar mudá-lo. É a convivência entre essas duas coisas que vai fazer o cinema brasileiro ficar grande, poderoso. E forte e imbatível.
Em 2022, após a morte do cineasta francês Jean-Luc Godard, Cacá Diegues afirmou que ele era uma das inspirações do brasileiro em um vídeo para a Academia Brasileira de Cinema.
Nem sempre o que é moderno é eterno. Jean-Luc Godard inventou um cinema, que na sua época era moderníssimo, e que, no entanto, não existe mais. Ele foi vencido por preguiça, por preguiça e pelo desejo de fazer o cinema que é considerado atual. Jean-Luc Godard foi uma pessoa que influenciou a todos nós. Influenciou o cinema brasileiro, por exemplo, o Cinema Novo, um cinema que podia ter importância no mundo todo.
Em 2016, Cacá Diegues foi enredo da escola de samba Inocentes de Belford Roxo. O carnavalesco da agremiação à época, Márcio Puluker, conta como foi retratar a vida e o trabalho do cineasta.
Estamos em 2025 e eu ainda não esqueço a oportunidade que a Inocentes me deu de desenvolver esse enredo. Foi um enredo prazeroso de fazer, tivemos reuniões com o Cacá, onde ele pôde sentar conosco e mostrar a visão dele, como seria, como poderia ser, me deixando totalmente aberto para criações, para inovações, e com essa abertura conseguimos fazer um grande caminho. Eu lembro que ele, no final do desfile, veio muito emocionado com a sua esposa Renata e agradeceu por aquele presente, aquele Oscar do Samba que ele recebeu por nós e pela Inocentes.
Cacá Diegues deixa a esposa Renata Almeida Magalhães e os filhos Isabel Diegues e Francisco Diegues, do relacionamento com a cantora Nara Leão. A terceira filha dele, Flora Diegues, morreu em 2019.
Em nota oficial, o presidente Lula lamentou a morte de Cacá e disse que os filmes dele mostram muito bem a história do Brasil, o nosso jeito de ser, nossa criatividade, e representam a luta do nosso cinema, que sempre se reergueu quando tentaram derrubá-lo.
O governador do Rio, Cláudio Castro, disse que o Brasil perdeu um dos maiores cineastas do país, referência no audiovisual, representando as dificuldades do povo na tela.
O prefeito do Rio, Eduardo Paes, também se manifestou e afirmou que era amigo de Cacá, que era uma das figuras mais incríveis da cultura brasileira, um ser humano incomparável e iluminado.
Artistas como Djavan, Gloria Perez e Gilberto Gil também fizeram homenagens nas redes sociais.
O velório de Cacá Diegues vai ser aberto ao público, neste sábado (15), das 11h às 16h, na sede da Academia Brasileira de Letras, no Centro do Rio. O corpo dele vai ser cremado no Cemitério do Caju, na Zona Portuária.