Um em cada quatro casos de furto de alimentos, bebidas ou itens de higiene pessoal no estado do Rio são em valores de até 10% do salário mínimo. A maioria das pessoas envolvidas são mulheres negras, em situação de vulnerabilidade social.
Os dados fazem parte de uma pesquisa da Defensoria Pública do Rio, que tem como objetivo mostrar e discutir de que forma a Justiça aplica o Princípio da Insignificância nos casos de furto de itens alimentícios e de higiene. Por esse princípio, o caso pode deixar de ser classificado como um crime, quando a pena é considerada desproporcional ao dano causado. Para o órgão, há grande subjetividade no reconhecimento do Princípio nos julgamentos dessas situações.
Em grande parte dos casos, apesar dos acusados de furto terem recebido liberdade provisória após audiência de custódia, 32% dos acusados de furto foram condenados quando julgados, com penas que chegaram a três anos e meio, por valores que, somados, ficam abaixo do salário mínimo.
Em número, o Princípio da Insignificância foi reconhecido em apenas 55% das sentenças. Para a coordenadora de Defesa Criminal da Defensoria, Lucia Helena de Oliveira, a taxa ainda não é suficiente.
Lucia Helena ainda relembra o caso de uma mulher que precisou ter habeas corpus concedido no Superior Tribunal de Justiça após ter furtado uma coca-cola, miojo e suco em pó, em 2021. O caso ocorreu em São Paulo. Os valores somados davam cerca de R$ 21. No ato da prisão em flagrante, a mãe de cinco filhos alegou que estava com fome. Apesar de o Supremo Tribunal Federal já ter reconhecido ilegal a prisão de quem furta para saciar fome, a dela foi convertida de flagrante para preventiva a pedido do Ministério Público. A argumentação foi que a mãe tinha outros registros de furto, também de produtos de higiene e alimentícios.
Por outro lado, o comerciante que foi furtado também é prejudicado. O dono de estabelecimento na Zona Norte do Rio, que preferiu não ser identificado, conta que, recentemente, teve um prejuízo de R$ 18 mil para consertar vidros que foram quebrados por pessoas em situação de rua, que buscavam comida.
O estudo da Defensoria Pública concluiu que pessoas que estão em situação de vulnerabilidade são as que têm mais chance de cometer furtos de forma recorrente. Para a assistente social Thais Castro, é preciso investimento em políticas de prevenção, como oportunidades de emprego, com foco em geração de renda.
A pesquisa teve os dados coletados no início da pandemia da Covid-19, entre 2020 e 2021, analisou 4175 registros de ocorrência policial e de processos judiciais sobre acusações da prática do crime de furto, com a classificação de acordo com o tipo de objeto e o preço a ele atribuído.