Vídeos enganam ao sugerir que governo federal liberou as drogas

Discussão sobre descriminalização é feita pelo Supremo Tribunal Federal

Rádio BandNews FM

STF ainda discute descriminalização das drogas
Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Conteúdo investigado: Posts nas redes sociais em que uma mulher aparece supostamente vendendo maconha e justifica a ação dizendo estar fazendo isso “agora que o Lula liberou”. Um outro vídeo sugere que o governo federal tem um projeto de liberação de drogas. Na gravação, outra mulher questiona: “Se for liberada as drogas, pra que cobrar exame toxicológico de motorista? Só anda pra trás esse desgoverno” (sic).

Onde foi publicado: TikTok e Instagram.

Conclusão do Comprova: São enganosos vídeos que sugerem que o governo federal tenha um projeto de liberação das drogas ou tenha liberado as substâncias. Embora alguns integrantes da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já tenham se posicionado sobre o tema, como o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, e da Justiça, Flávio Dino (PSB), a Secretaria de Comunicação (Secom) informou ao Comprova que “não há nenhum projeto com esse objetivo em discussão na Presidência da República”. Nenhuma proposição de autoria do Executivo sugerindo a liberação foi encontrada em tramitação no portal da Câmara dos Deputados pelo Comprova.

Desde 2015, há uma discussão sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio no Supremo Tribunal Federal (STF). O debate foi pautado depois que a Defensoria Pública de São Paulo ingressou com o Recurso Extraordinário (RE) 635659, no qual questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas (nº 11.343/2006). O artigo classifica como crime o porte e transporte de entorpecentes para consumo próprio.

Suspenso em 2017, o julgamento do RE pelo Supremo foi retomado em 2 de agosto deste ano e, após nova pausa, voltará à pauta nesta quinta-feira, 17. Até o momento, a corte tem quatro votos para que o porte de maconha para consumo próprio deixe de ser considerado crime. O entendimento firmado pelo STF nesse julgamento deve balizar casos similares em todo o país.

Ao Comprova, a Defensoria Pública de São Paulo esclareceu que o debate motivado pelo recurso não tem qualquer relação com o governo federal. “A Constituição Federal garante ao órgão autonomia funcional e administrativa, o que significa que não atua sob direção de qualquer ente governamental (inclusive governo federal), mas sim na busca da garantia dos direitos de seus usuários.”

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 16 de agosto de 2023, o post no Instagram, teve 31,5 mil curtidas e 1,5 mil comentários. O outro post, no TikTok, somava 374,2 mil visualizações, 15,5 mil compartilhamentos, 13,5 mil curtidas e 1 mil comentários até a mesma data.

Como verificamos: Primeiramente, buscamos no Google pelos termos “Lula, liberação das drogas e STF”; “projeto de lei, Lula, drogas”; e “descriminalização das drogas, STF”. Também fizemos uma pesquisa avançada no site da Câmara dos Deputados por projetos de autoria do Poder Executivo em tramitação contendo ao menos uma destas palavras: droga, drogas, entorpecente, entorpecentes.

Depois, entramos em contato com a Secom da Presidência, e com as assessorias de imprensa do STF e da Defensoria Pública de São Paulo. Por fim, fizemos contato com a responsável pela publicação do conteúdo verificado.

Discussão sobre drogas é feita pelo STF e não envolve Lula

O STF deve retomar nesta quinta-feira, 17 de agosto, o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635659, que trata da descriminalização do porte de drogas para consumo próprio. O caso tem repercussão geral, o que significa que o entendimento firmado pelos ministros do Supremo deve ser aplicado a casos similares em todo o país. Até o momento, a Corte tem quatro votos para que o porte de maconha para consumo próprio deixe de ser considerado crime. Sete ministros ainda precisam se posicionar.

O recurso foi protocolado em fevereiro de 2011 pela Defensoria Pública de São Paulo, que contesta decisão de um colégio recursal que manteve a condenação de um homem à pena de dois meses de prestação de serviços comunitários pelo crime de porte de drogas para consumo pessoal. Para a Defensoria, o ato não afronta a saúde pública.

No recurso, o órgão questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006, que criminaliza o porte de drogas para consumo pessoal. O principal argumento é que o dispositivo contraria o princípio da intimidade e da vida privada, já que a ação não implicaria em danos a bens jurídicos alheios.

O caso começou a ser analisado ainda em 2015 pelo STF, ocasião em que três ministros votaram, mas foi suspenso após um pedido de vista do ministro Teori Zavascki. Em 2017, Zavascki morreu em um acidente aéreo, o que levou a nova interrupção do julgamento. A análise do tema foi retomada em 2 de agosto deste ano com o voto de Alexandre de Moraes, sucessor de Zavascki.

Moraes defendeu a fixação de um critério nacional, no que diz respeito à maconha, para diferenciar usuários de traficantes. A proposta é que sejam presumidas como usuárias as pessoas flagradas com 25g a 60g de maconha ou que tenham seis plantas fêmeas.

Atualmente, o enquadramento fica a cargo da polícia, do Ministério Público e do Judiciário, que, sem critérios objetivos, interpretam a norma de formas diversas. Para o ministro, isso permite, por exemplo, que pessoas presas com a mesma quantidade de droga em circunstâncias parecidas possam ser consideradas usuárias ou traficantes, a depender da etnia, nível de instrução, renda, idade ou local do fato. Em respeito ao princípio da isonomia, Moraes destacou a necessidade de que os flagrantes sejam tratados de forma idêntica em todo o país.

Após o voto no último dia 2, o ministro relator do recurso, Gilmar Mendes, que já havia votado pela descriminalização de todas as drogas para uso próprio em 2015, pediu o adiamento do julgamento com objetivo de considerar os novos argumentos e as mudanças dos últimos anos, e construir uma solução consensual.

Os outros dois votos apresentados anteriormente, dos ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, propõem a descriminalização somente em relação à maconha.

Ao Comprova, a Defensoria Pública de São Paulo informou que a discussão sobre a descriminalização das drogas não guarda relação com o governo federal, uma vez que a Constituição garante autonomia funcional e administrativa ao órgão. “O que significa que [a Defensoria] não atua sob direção de qualquer ente governamental (inclusive governo federal), mas sim na busca da garantia dos direitos de seus usuários, desenvolvendo sua missão constitucional”.

A descriminalização discutida pelo STF não é o mesmo que legalização. O debate envolve saber se é possível punir como crime a atitude de ter o entorpecente consigo para uso pessoal e não diz respeito a uma autorização do uso de drogas por lei, ou permissão para a venda dos produtos, por exemplo.

Debate também no Senado

Também em 17 de agosto, o Senado promove uma sessão especial para debater a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. O requerimento para a sessão (RQS 690/2023) é de autoria do senador Efraim Filho (União-PB). Segundo ele, o tema precisa ser debatido com profundidade, pois atinge políticas públicas de saúde e segurança.

Para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), não é a quantidade de drogas que deve ser relevante na diferenciação entre usuário e traficante, mas sim a intenção. Pacheco ainda disse temer, com a argumentação sobre a liberação do porte, uma possível descriminalização do traficante de pequenas quantidades de droga.

Foram convidados para a sessão do dia 17:

  • os ministros da Saúde, Nísia Trindade, e da Justiça, Flávio Dino;
  • o advogado e ex-secretário Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos, Luiz Roberto Beggiora;
  • o deputado e autor de projetos de combate às drogas Osmar Terra;
  • o juiz federal William Douglas dos Santos;
  • o frei Hans Stapel, um dos fundadores da comunidade terapêutica Fazenda da Esperança;
  • a coordenadora da comunidade Desafio Jovem, Célia Moraes;
  • o promotor de Justiça do Distrito Federal (DF) José Theodoro de Carvalho.

O debate também vai contar com a presença de médicos especialistas em dependência química e com um representante da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas.

O governo tem posição sobre o que o Supremo está discutindo?

Com o retorno do julgamento, alguns integrantes do governo Lula se posicionaram a respeito do assunto. No entanto, não há um consenso. Autoridades do Executivo já defenderam, criticaram e até mudaram de opinião, conforme mostrou o Metrópoles.

Em abril deste ano, durante audiência na Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, declarou ser favorável à descriminalização. “A questão das drogas é fundamentalmente de saúde pública e não um problema de natureza criminal. Descriminalização não é o contrário de regulação.”

Na época, o ministro disse não haver direcionamento do governo federal em relação ao tema e que sua declaração decorria de uma opinião pessoal. Em março, em entrevista à BBC, Almeida já havia defendido a descriminalização, dizendo acreditar que ela poderia diminuir a pressão sobre o sistema carcerário brasileiro.

Já o ministro da Justiça, Flávio Dino, disse ser contrário à descriminalização ainda durante o governo de transição. “Nós não temos hoje condições sociais e institucionais para descriminalizar drogas e, certamente, isso não vai ocorrer nos próximos anos”, afirmou à BBC em novembro de 2022. Desde então, Dino não deu declarações públicas sobre a questão.

Em julho do ano passado, quando Lula era candidato à Presidência, o grupo que elaborava o programa de governo do petista estudava alterar a lei de drogas para reduzir os encarceramentos no Brasil. A ideia era estabelecer parâmetros mais claros sobre o que é considerado tráfico.

Em outubro, o programa de governo de Lula destacava que “o país precisa de uma nova política sobre drogas, intersetorial e focada na redução de riscos, na prevenção, tratamento e assistência ao usuário”.

Segundo a Veja, o governo federal tem dado sinais de que pretende avançar na discussão sobre o uso da maconha para fins medicinais e industriais. Em junho deste ano, foram eleitas dez pessoas, incluindo associações que defendem a descriminalização, para integrar o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad).

Questionada a respeito de uma proposta própria de liberação de drogas pelo governo federal, a Secom informou ao Comprova que “não há nenhum projeto com esse objetivo em discussão na Presidência da República“. O Comprova também checou as proposições em tramitação na Câmara dos Deputados de autoria do Executivo sobre o tema e não encontrou nenhuma proposta envolvendo a liberação das drogas.

O que diz o responsável pela publicação: Entramos em contato com o perfil @tienecardoso210, responsável pela publicação no TikTok por mensagem no Instagram e Facebook. No entanto, não houve retorno até a publicação desta checagem. O perfil @juremirandrade, que postou o vídeo no Instagram, também não respondeu aos questionamentos enviados pelo Comprova.

O que podemos aprender com esta verificação: Ao se deparar com conteúdos que não informam a fonte para a informação repassada, como o investigado nesta verificação, desconfie. Desinformadores costumam utilizar essa tática para confundir o público, sobretudo a respeito de temas polêmicos que estão sendo debatidos no país.

Em casos como este, poderiam ser feitas buscas pelo tema nos sites oficiais de órgãos como o STF, a Defensoria Pública e a Câmara dos Deputados. Assim, seria possível identificar o que está sendo discutido nos âmbitos jurídico e legislativo a respeito da descriminalização das drogas no Brasil.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já checou outros conteúdos suspeitos envolvendo o governo Lula e temas polêmicos. Já mostrou que mães chefes de família não foram proibidas pelo governo de receber Bolsa Família; que taxa sobre energia solar foi sancionada no governo de Bolsonaro, não de Lula; e explicou que autorização da ozonioterapia no país está condicionada à aprovação da Anvisa.

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