"Trabalhei com franceses mais fãs de Senna que do Prost", relata brasileiro na Fórmula 1

Rico Penteado, engenheiro da Renault, revelou como ingressou na categoria de elite do automobilismo e cotou histórias com Fernando Alonso, Max Verstappen, Carlos Sainz, Kubica, Räikkönen e Bruno Senna

BandNews FM

De paixão de infância a trabalho inusitado. É o sentimento de Rico Penteado sobre sua relação com a Fórmula 1. Por quase duas décadas, o engenheiro rodou o mundo junto da mais alta categoria do automobilismo e acumulou histórias com renomados pilotos da nova e antiga geração. Em entrevista exclusiva à BandNews FM, também reflete: "Acho que fui um dos poucos que trabalharam com Piquet e Senna".

Na Fórmula 1, Rico esteve presente em 349 corridas. Seus motores chegaram em 131 pódios e venceram 31 Grande Prêmios. Ao todo, foram seis projetos de motores campeões mundiais e o brasileiro também foi peça ativa em duas conquistas do mundial dos construtores.

Com larga experiência na elite do automobilismo, Rico relembrou a passagem de Senna nas pistas quando questionado sobre a tradição dos brasileiros na categoria.

"É impressionante esse legado e essa marca que ele deixou no automobilismo mundial, não só na parte de carros, mas de uma forma geral como atleta. [...] Conheci franceses, quando trabalhava na Renault, que eram mais fãs do Senna do que do Prost. Isso foi um legado. O talento e a energia que ele levava à Fórmula 1 empolgou o mundo inteiro".

De lazer a trabalho

Desde a infância, Rico contou que já se esforçava para acompanhar as corridas de Fórmula 1. Para assisti-las enquanto criança, disse caminhar mais de um quilômetro nos domingos em que os Grande Prêmios eram televisionados.

"Tinha 8 anos de idade e já andava 1.5 quilômetro a pé para ver corrida, numa televisão preta e branca que tinha na casa de um amigo, na cozinha, para não acordar os pais dele e ninguém ficar bravo com a gente".

A paixão cresceu e o influenciou a querer estudar o funcionamento de motores. Assim, cursou engenharia mecânica e conseguiu um estágio na França para pesquisa em motores. Ao ter a oportunidade de conhecer o autódromo de Nevers Magny-Cours, decidiu que trabalharia na Fórmula 1.

"Eu entendia muito mais facilmente que meus colegas de classe sobre a parte de motores. Tive a sorte de ir a Magny-Cours e foi lá que o 'bichinho' da Fórmula 1 bateu em minha cabeça. Quando ouvi o Rubinho Barrichello passando com o V10 da Ferrari gritando na minha frente. Nem sabia que tinha que tampar os ouvidos, quase estourei meus tímpanos. Foi uma revelação. Naquela hora eu falei: "É isso que eu tenho que fazer".

Títulos e parceria com pilotos históricos

Ao chegar na Renault, Rico conta que os anos mais marcantes de sua vida na Fórmula 1 foram as temporadas de 2005 e 2006 - quando sua equipe foi campeã de construtores e de pilotos, com Fernando Alonso.

"O sentimento quando fomos campeões do mundo de Fórmula 1 é indescritível. Todo mundo fica feliz quando seu time ganha, ou o Brasil ganha uma Copa do Mundo, mas você fazer parte da equipe que ganhou, é indescritível", conta.

“A gente desenvolveu o [motor] V10 com o Alonso e foi muito bacana ver ele crescendo na F1. Depois, tive sorte de ter trabalhado com Nelsinho Piquet, que me fez conhecer o Nelson [pai]. Trabalhei com Lucas di Grassi, com ele que desenvolvi na pista o motor que deu o título ao Alonso”, detalha Rico.

"Depois, trabalhei com Bruno Senna. Acho que fui um dos raros engenheiros que trabalhou com Piquet e com Senna. Kubica foi um dos melhores caras com quem já trabalhei. Räikkönen também foi um super talento que gostei de trabalhar. Mas, se tivesse que escolher um momento [marcante] de toda essa fase, foi 2005 e 2006, com certeza", completa.

Detalhes e relações com outras equipes

Durante toda a sua passagem pela Fórmula 1, Rico conta que esteve presente em diferentes áreas. Da fase de teste do banco de provas à responsável por todos os motores Renault da categoria.

"Em 2007 até 2020, cobri todas as corridas como engenheiro de corrida, responsável pelo motor de um dos pilotos. Depois, nos últimos quatro anos, virei responsável por toda a equipe de motores da Renault na Fórmula 1. McLaren, Toro Rosso, Red Bull e a própria Renault".

Ocorreu um problema ao carregar o tweet

O brasileiro conta que a responsabilidade de gerenciar um carro de Fórmula 1 envolve detalhes minuciosos. Um pequeno deslize pode impactar na performance, na qualificação e penalizar o piloto na pista.

"Um aspecto que eu tinha que cuidar era a quantidade de gasolina a cada vez que o carro saia da garagem. Se você tiver um quilo a mais do que o engenheiro pediu, isso pode influenciar quase 40 milissegundos. A gente acha que é pouco, mas pode atrapalhar [no ajuste] de uma asa dianteira. Numa classificação bem apertada, pode ser uma ou duas posições. Passar de Q1 a Q2, ou Q3, ou não passar", explicou.

Verstappen, Sainz e a nova geração

Em sua passagem pela Fórmula 1, o brasileiro também teve a oportunidade de trabalhar unto com Max Verstappen. Atual tricampeão - e provável tetracampeão - de pilotos esteve com Rico na sua entrada à F1.

"Tive a sorte de ser engenheiro do Max Verstappen no primeiro teste que ele fez em Suzuka. Durante o ano de 2014, conversei muito com ele e Jos Verstappen, seu pai. Acompanhei ele na Toro Roso e na Red Bull quando coordenava as equipes (que corriam com motores Renault). Conversei muito com ele, com Carlos Sainz. São pilotos fenomenais".

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"Max pela velocidade e comportamento. Desde 2014, ele já tinha essa maturidade, essa determinação absurda para ganhar. O Sainz, tive a possibilidade de trabalhar com ele, indiretamente, na Toro Rosso e na Renault. Tem menos talento natural que Verstappen, mas trabalha arduamente. Passa horas analisando telemetria. Tive outros pilotos que equilibravam o final de semana entre Fórmula 1 e restaurantes, descontração. Sainz, não. Super focado, é muito engajado profissionalmente com a equipe", apontou.

Sobre a nova geração, Rido aponta que a diferença entre os pilotos antigos para os atuais passa pelo comportamento. Na sua visão, era impensável que os automobilistas pudessem ter um grande laço de amizade entre eles como os atuais cultivam.

"Quando comecei na Fórmula 1, os pilotos eram mais invocados. Era competição absurda e bruta. Não tinha essa amizade que tem hoje de compartilhar 'tweet' e 'Instagram'. Era diferente. Nem por isso, quem está ai hoje é menos talentoso".

"A velocidade pura do Charles Leclerc, do Lando Norris, eles são rápidos nas pistas. É uma garotada muito boa. Espero ver um brasileiro chegando ai. Ficamos na expectativa pelo Drugovich, que ainda está na briga, e pelo Bortoleto. Quem sabe a gente veja brasileiros nos carros, num futuro próximo", completou.

Legado dos brasileiros

Par Rico, a passagem da 'trica brasileira' de Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna solidificou a presença brasileira nos grids de largada. Por serem multicampeões, na visão do engenheiro, os três mostraram ao mundo que o "brasileiro é bom de corrida".

"Fittipaldi abriu as portas para o Brasil no automobilismo internacional. O Nelson, com os três títulos, da forma que ganhou, carimbou que brasileiro é bom de corrida. E com Ayrton, o talento e a energia que ele levava à Fórmula 1 empolgou o mundo inteiro. Conheci franceses, quando trabalhava na Renault, que eram mais fãs do Senna do que do Prost. Isso foi um legado".

"Fiquei impressionado quando fui para Ímola esse ano, onde teve o ato dos 30 anos da morte do Ayrton, de ver tanto piloto de outras categorias, de moleques de 16 anos, pilotos de MotoGP. São pessoas que nunca viram Ayrton correr e são fãs. É impressionante esse legado e essa marca que ele deixou no automobilismo mundial, não só na parte de carros, mas de uma forma geral como atleta. Ele marcou gente até de outras categorias. Foi um exemplo para todos os atletas do mundo".

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