Sigla CPX em boné usado por Lula significa complexo e não tem relação com facção

Usada muitas vezes como gíria, a sigla aparece desde publicações do Twitter oficial da Polícia Militar do Rio de Janeiro, como em letras de músicas que retratam o cotidiano nas comunidades cariocas

BandNews FM

Sigla CPX em boné usado por Lula significa complexo e não tem relação com facção
Foto: Comprova

É falso que a sigla em boné usado pelo ex-presidente e candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha relação com o crime organizado do Rio de Janeiro. No acessório está escrito “CPX”, que significa “complexo”, nome dado aos conjuntos de favelas agrupadas em um território. A abreviação não significa “cupincha”, como insinua post, e é comumente encontrada em músicas, além de aparecer em postagens oficiais do Estado. Lula recebeu o boné de presente de líderes comunitários locais durante um ato de campanha no feriado de 12 de outubro, no Complexo do Alemão, na Zona Norte da cidade.

Conteúdo investigado: Montagens de fotos associando o ex-presidente Lula ao crime organizado por estar usando um boné com as iniciais “CPX”.

Onde foi publicado: Twitter, Facebook e Instagram.

Conclusão do Comprova: É falso que boné usado por Lula com as letras “CPX”, durante visita ao Complexo do Alemão, na cidade do Rio de Janeiro, na última quarta-feira, dia 12 de outubro, faça alusão a facções criminosas. A sigla é popularmente usada no Rio de Janeiro e significa “complexo”, e não “cupinxa”, como disseminado em redes sociais bolsonaristas – a grafia correta da palavra é com “ch”: “cupincha”. A abreviação para se referir a “complexo” é usada, inclusive, por autoridades, como a Polícia Militar do RJ. Em 2017, a PMERJ usou “CPX” ao falar do Complexo da Penha – comunidade da Zona Norte do Rio, sem relação com os traficantes de drogas.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos que obtiveram maior alcance nas redes sociais. No Twitter, o post alcançou 11,9 mil compartilhamentos, 45,7 mil curtidas e 1.598 mil comentários até o dia 14 de outubro. No Instagram, a publicação com o conteúdo falso tinha 26 mil interações até dia 13 de outubro, quando foi apagada. No Facebook, o post da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), com o mesmo teor, até dia 14 de outubro, tinha 28 mil curtidas, 3,9 mil comentários e 25 mil compartilhamentos.

O que diz o autor da publicação: O Comprova fez contato com André Porciúncula por meio de mensagem direta pelo Twitter, mas não obteve resposta. Já Carla Zambelli foi procurada pelo Comprova pelo e-mail disponibilizado no site da Câmara dos Deputados, mas também não houve resposta.

Como verificamos: O Comprova iniciou a verificação buscando no Google imagens do candidato Lula durante uma caminhada no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Foi checada a veracidade do uso do boné a partir da análise de dezenas de fotos e vídeos publicados tanto nas redes sociais oficiais de Lula, quanto de apoiadores e moradores da região. Data, hora e local também foram analisados pelas imagens que foram publicadas em agências de notícias e telejornais nacionais.

Na sequência, utilizando o buscador, chegamos a publicações que mostram o uso da sigla por autoridades em redes sociais e documentos oficiais, além do uso em músicas com ampla divulgação nacional. Também foi checado o uso da sigla por moradores cariocas na internet. O Comprova verificou ainda a etimologia da palavra cupincha, além da gramática, no dicionário Michaelis.

Sobre o uso de “CPX” em armas, buscamos entender a relação com o especialista em segurança pública, coronel da reserva, antropólogo e pesquisador do laboratório de análise da violência da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Robson Rodrigues, além da própria Polícia Militar do Rio de Janeiro. Pedimos também um posicionamento oficial de Lula e dos autores de publicações que alegam o envolvimento do ex-presidente com facções criminosas.

“CPX” não quer dizer ‘cupincha’ e já foi usada por autoridades

A sigla “CPX” é uma abreviação de complexo, palavra que se refere aos conjuntos de favelas agrupadas em um território. Usada muitas vezes como gíria, a sigla aparece desde publicações do Twitter oficial da Polícia Militar do Rio de Janeiro, como em letras de músicas que retratam o cotidiano nas comunidades cariocas.

Já a palavra cupincha, que se escreve com ‘ch’, de acordo com o dicionário Michaelis, é um “indivíduo com quem se mantém estreita relação de amizade; camarada”, podendo pejorativamente significar comparsa. O sentido de “CPX” não tem nenhuma relação com a palavra referida.

No Rio de Janeiro, não há somente o Complexo do Alemão, mas também os complexos da Penha, Maré, Chapadão e Salgueiro. A abreviatura também é utilizada para se referir a esses outros locais. A sigla aparece ainda no resumo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do governo estadual para 2023, em referência ao “programa de reforço escolar no CPX da Maré”.

A lógica de abreviação é a mesma adotada para CDD (Cidade de Deus), BXD (Baixada Fluminense) e PPG (Pavão-Pavãozinho Cantagalo), regiões ou localidades da cidade e do estado do Rio de Janeiro.

Nascido e criado no Complexo do Alemão, o fundador do jornal Voz das Comunidades, com sede no mesmo complexo, Rene Silva, publicou no Twitter a explicação que “desde sempre CPX é abreviação de Complexo. Assim como usam BXD para Baixada e RJ para Rio de Janeiro”.

Questionada por e-mail pelo Comprova, a Polícia Militar do Rio de Janeiro confirmou que fazia uso do termo. “A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar afirma que o termo ‘CPX’ era utilizado no Twitter da corporação como forma de abreviação da palavra ‘Complexo’ até o ano de 2017, quando só eram permitidas publicações com até 140 caracteres.”

Boné foi presente de ativista e não tem relação com o Comando Vermelho

O evento de que Lula participou no Complexo do Alemão, realizado no último dia 12 de outubro, foi organizado por líderes comunitários e instituições locais, contou com a participação de artistas e durou três horas. Antes da caminhada, o petista recebeu o Plano Popular do Complexo do Alemão, documento que aponta propostas de solução para os principais problemas da região e que foi redigido após diversos encontros com 18 líderes comunitários.

Segundo o Voz das Comunidades, o boné foi dado de presente a Lula na Casa Voz, sede do jornal. Lula recebeu o acessório de Camila Moradia, liderança do movimento Moradia do Complexo do Alemão, e do também ativista Hector Santos.

Antes da caminhada, de acordo com o portal G1, Lula só esteve na sede do Voz das Comunidades, que não tem relação com o Comando Vermelho – diferentemente do que as postagens com desinformação sugerem.

O fundador do Voz das Comunidades, Rene Silva, foi escolhido pela Revista Forbes Brasil como “exemplo de um time que está reinventando um país” e em 2018 ganhou o prêmio em Nova York da organização Mipad (Most Influential People Of African Descent ou Pessoas de Descendência Africana Mais Influentes).

O Complexo do Alemão, de fato, é considerado um conjunto de comunidades onde está um dos “QGs do Comando Vermelho”, mas não é o único. Em outras áreas do Rio, também há presença da facção. Não há qualquer registro de encontro de Lula com criminosos durante a visita ao Complexo do Alemão.

O modelo, jogador de futebol americano e ator Diego da Silva Santos, que utiliza o nome artístico de Diego Raymond, também não é um traficante, como insinua o post. Diego, de fato, já teve o apelido de “Mister M” foi acusado de tráfico de drogas em 2011, mas foi absolvido e, desde então, não tem condenações na Justiça.

“CPX” não é sigla de facção

Em entrevista ao Comprova, o coronel da reserva Robson Rodrigues esclareceu que facções não costumam utilizar siglas territoriais para identificação. O uso do termo “CPX” é frequentemente utilizado pelos moradores, inclusive para evidenciar ações positivas na comunidade.

“Criminosos podem usar, mas isso não é normal. A origem do termo, evidentemente, não é essa. Algum criminoso que passe, esteja lá ou porventura more no local pode utilizar, mas, em princípio, o termo é utilizado muito pela linguagem dos moradores do complexo, como forma reduzida de se referir ao território. Apesar de as facções estarem nos territórios, elas se definem muito mais pela sigla da facção, não pelo território, porque, às vezes, pode haver mudanças no território. Você tem mudanças, que eles definem como ‘golpe de estado’ dentro das facções, e aí não necessariamente o território é permanentemente ‘propriedade de uma facção’. Então, o criminoso se identifica pela facção que é muito mais ampla do que o território”, explica.

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre a pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. A poucos dias do segundo turno das eleições presidenciais de 2022, conteúdos falsos que envolvem candidatos à Presidência da República, como as publicações aqui checadas, podem influenciar a decisão do eleitor, que deve se basear em informações verdadeiras e confiáveis para definir o seu voto.

Utilizamos cookies essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.