Protesto que incendiou Borba Gato traz debate internacional ao Brasil

São Paulo rediscute manutenção de monumento símbolo da escravidão

Narley Resende

Estátua é incendiada em São Paulo  Reprodução / Twitter
Estátua é incendiada em São Paulo
Reprodução / Twitter

Protesto que incendiou Borba Gato traz debate internacional ao Brasil

Ouça a reportagem de Narley Resende:

O protesto que incendiou a estátua do bandeirante Manoel Borba Gato, em Santo Amaro, na Zona Sul de São Paulo, esquentou no Brasil um debate internacional sobre a manutenção a homenagens feitas a personalidades controversas da história. 

Junto com outros bandeirantes, como Raposo Tavares e Fernão Dias Paes, Borba Gato faz parte da formação histórica da cidade e do Estado de São Paulo, com ruas e logradouros batizados em homenagem ele. 

Por atuação de bandeirantes é que os limites do Tratado de Tordesilhas foram alargados e a América Portuguesa cresceu. 

Mas a história justa não poupa as personalidades dos registros de assassinatos, escravidão, genocídio e estupros de indígenas e negros nessas expedições, que além de exploração mineral tinham o objetivo de caçar, escravizar e dizimar etnias resistentes.  

Morto em 1718, Borba Gato foi homenageado com a construção da polêmica estátua de dez metros de altura e vinte toneladas somente em 1963. 

Museu

Para o sociólogo e professor Ricardo Costa Oliveira, o valor histórico de monumentos como esse pode ser preservado, mas não em condição de homenagem.

"Devem ser mantidos em museus, em locais onde haja uma educação. Lembrando que é uma estátua recente, dos anos 1960. Então, não é nenhuma construção arquitetônica histórica. Na Alemanha retiraram todas as estátuas de Adolf Hitler e dos nazistas. Na Europa Oriental retiraram todas as estátuas de Stalin. Na Inglaterra estão retirando estátuas de comerciantes escravistas”, compara. 

Ricardo Oliveira lembra que o resgate da figura de Borba Gato foi fruto de um movimento revisionista do fim da década de 1920, quando se buscava personalidades paulistas, em um contexto em que havia novas disputas regionais. 

"Manuel Borba Gato foi o chefe dos paulistas na Guerra dos Emboabas, travada em Minas Gerais. Foi uma guerra local, regional, e Borba Gato representava o nativismo, o regionalismo paulista. 

Debate

O cientista político Fernando Schuler, colunista da BandNews FM, destaca que o País, o Estado e a cidade de São Paulo têm arenas constituídas para essa discussão. 

Segundo ele, independentemente da motivação do protesto que incendiou a estátua de Borba Gato, o debate sobre manter o monumento deve ser feita por meio dos mecanismos democráticos. 

“Tem o Conselho do Patrimônio Histórico, tem a Câmara de Vereadores, as secretarias e procedimentos para tomada de decisões sobre qualquer movimento, não importa. Se nós aceitarmos a ideia de qualquer grupo tomar a decisão por contra própria de derrubarem esse ou aquele monumento, vamos transformar a cidade numa guerra. A democracia foi criada exatamente para evitar a violência”, explica. 

Um grupo denominado Revolução Periférica assumiu a autoria do ato e publicou nas redes sociais imagens do ataque.

Ato

A jornalista Aline Felix, que passava pela região da estátua no sábado (24), conta que viu um caminhão parar ao lado do monumento, quando o grupo de dez a 15 pessoas descarregava pneus para iniciar o incêndio. 

“Estavam todos de roupa preta e com máscara. Aí escutei o rapaz falando ‘a gente não vai machucar ninguém. A gente só quer derrubar’. E eu não entendi o que eles queriam derrubar”, conta. 

O caminhão, que estaria com a placa adulterada, já havia saído quando a polícia chegou. 

Nesse momento, o grupo passou a ser perseguido por policiais militares em motocicletas, mas conseguiu fugir. 

Prisão

Nesse domingo (25), a Polícia Civil identificou o caminhão, mesmo com a placa coberta, e prendeu um suspeito de participação no ato.

Após a prisão, a Justiça de São Paulo concedeu liberdade provisória ao suspeito detido.

A juíza Eva Lobo Jorge revogou a prisão em flagrante por considerar que os atos "não foram praticados com violência ou grave ameaça".

O homem, no entanto, não pode deixar a cidade ou mudar de endereço.

Já o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), disse que um empresário vai doar o valor necessário para restaurar a estátua do Borba Gato.