Internação de Silvio Santos por Covid-19 não indica ineficácia da Coronavac

Post engana ao associar a internação por covid-19 do apresentador Silvio Santos com uma suposta falha da Coronavac

Rádio BandNews FM

Imunizantes diminuem, mas não zeram chances de casos graves e de morte pela doença Foto: Divulgação
Imunizantes diminuem, mas não zeram chances de casos graves e de morte pela doença
Foto: Divulgação

O fato de o apresentador Silvio Santos, 90 anos, ter sido internado por covid-19 não comprova que a vacina recebida por ele, a Coronavac, seja ineficaz. O imunizante, assim como os demais em uso no Brasil contra o coronavírus, é capaz, conforme testes realizados e estudos documentados, de reduzir o risco de desenvolver quadros graves da doença, mas não elimina completamente a possibilidade de contágio.

Segundo especialistas, nenhuma vacina é capaz de assegurar 100% de proteção contra as doenças. No caso das utilizadas contra a covid, elas cumprem o papel de servir como um redutor de risco, evitando as formas graves. No entanto, mesmo após a imunização, independentemente de qual fabricante seja a vacina aplicada, é possível haver contaminação, internação e até óbito – mas com frequência muito menor do que entre não vacinados.

Isso acontece porque os imunizantes diminuem, mas não zeram as chances de casos graves e de morte pela doença. Portanto, a acusação feita no conteúdo verificado, no qual o autor afirma que a Coronavac é “suspeita e ineficaz”, devido à internação de Silvio Santos mesmo vacinado, é infundada.

O Comprova entrou em contato com o autor da publicação no Twitter e com o perfil que replicou no Instagram, mas até a publicação deste texto não obteve retorno.

Enganosos para o Comprova são os conteúdos que confundem, mesmo que não haja intenção deliberada de causar dano.

Como verificamos?

O Comprova consultou dados oficiais nos sites da Anvisa e OMS sobre a segurança e eficácia da Coronavac e buscou por notícias em veículos jornalísticos. Em paralelo, procurou informações nas redes sociais da família Abravanel sobre a imunização de Silvio Santos.

Conversou com dois especialistas: a infectologista da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) Raquel Stucchi e o médico e consultor em infectologia da Escola de Saúde Pública do Ceará Keny Colares. Além disso, procurou o Instituto Butantan, a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) e o SBT.

Também entrou em contato, via Instagram, com o autor da publicação no Twitter e com o perfil que compartilhou o post do Twitter no Instagram, mas não obteve retorno.

O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 18 de agosto de 2021.

Verificação

Silvio está vacinado?

Conforme divulgado em diversos veículos jornalísticos, incluindo publicações no site e nas redes sociais do SBT, emissora da qual Silvio Santos é dono, o empresário e apresentador de 90 anos está vacinado contra a covid-19. Ele recebeu a primeira dose no dia 10 de fevereiro; e a segunda no dia 10 de março, em um posto de saúde na cidade de São Paulo.

Na data da primeira dose, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), publicou em seu Twitter uma foto do apresentador, com a filha Patrícia Abravanel, e um texto confirmando a aplicação da Coronavac. “Silvio Santos, aos 90 anos de idade, recebeu hoje a vacina do Butantan aqui em São Paulo. Muito feliz por você, meu amigo”, diz a postagem.

No mesmo dia, Patrícia postou no Instagram a imagem do cartão de vacina do pai que confirma que o imunizante aplicado foi a Coronavac (na imagem, consta um erro de escrita no nome de registro de Silvio, que é Senor Abravanel. No cartão foi registrado “Senhor Abravanel).

No dia 13 de agosto, a notícia de que Silvio foi internado por covid-19 em São Paulo ganhou repercussão. No SBT, o portal principal da emissora e o SBT News noticiaram a confirmação da contaminação e a internação; e no telejornal SBT Brasil foi informado que “o empresário e apresentador Silvio Santos, de 90 anos, testou positivo para a covid-19. Ele está internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, e seu estado de saúde é muito bom”, disse o âncora.

Na mesma data, tanto Patrícia quanto Silvia Abravanel, que também é filha de Silvio, publicaram no Instagram informações sobre o estado de saúde do pai. “Nosso pai está clinicamente bem. Daquele jeito que a gente ama… brincando com todos, fazendo piadas […] Mas testou positivo para covid e, por conta da idade e necessidade de exames frequentes, os médicos decidiram interná-lo”, afirmou Patrícia.

Silvia disse: “Nosso pai está super bem, graças a Deus. Ele testou positivo para covid. Os exames dele estão bons e ele decidiu ficar no hospital para fazer o acompanhamento diário exigido pelos médicos por conta da idade dele”.

Ainda no dia 13, à noite, Silvio deixou o hospital. A informação também foi divulgada no Instagram da sobrinha, Dory Abravanel.

O jornalista Roberto Cabrini, que atualmente trabalha na Record, mas já atuou no SBT, em vídeo publicado no Twitter, no dia 14 de agosto, afirmou ter conversado com Íris Abravanel, esposa do apresentador. Segundo o jornalista, ela afirmou que “Silvio é forte e já havia deixado o hospital onde passou por uma série de exames”.

Também no dia 14 de agosto, segundo o portal R7, Tiago Abravanel, neto de Silvio, atualizou o estado de saúde do avô. Em uma publicação no Instagram, ele agradeceu as demonstrações de cuidado e disse que o avô “está se cuidando”.

A assessoria de imprensa do SBT confirmou ao Comprova que o apresentador tomou as duas doses da vacina Coronavac e disse que Silvio está “muito bem” e “na fase final da quarentena fora do hospital”.

Internação não indica ineficácia da vacina

O post enganoso insinua que o fato de Silvio Santos ter contraído covid-19 e ter ficado internado seria resultado de uma suposta ineficácia da vacina Coronavac. No entanto, isso não é verdade.

Segundo a infectologista Raquel Stucchi, as vacinas funcionam, sim, e reduzem os casos graves e a mortalidade. “É inegável que a vacinação conseguiu diminuir o número das internações, dos casos graves e da mortalidade. Se nós analisarmos os dados de março e abril, é facilmente perceptível que houve uma diminuição expressiva das internações e da mortalidade nos idosos que foram os primeiros a serem vacinados”.

No entanto, ela destaca que, com a vacinação no mundo todo, o que foi observado e já documentado é que a proteção de todas as vacinas, independentemente do fabricante, diminui com o passar dos meses. “Particularmente, para alguns grupos populacionais, como por exemplo, os idosos. Eles vão perdendo a proteção pela vacina depois de 4 a 6/7 meses. Essa é a explicação porque passados todos esses meses aqui no Brasil, nós devemos observar e já estamos observando um aumento de internação de idosos e vamos, infelizmente, observar também um aumento da mortalidade”, explica.

Apesar de o risco de infecção ser maior entre os idosos, Raquel afirma que qualquer pessoa que tenha se imunizado corre o risco de pegar covid, pois ainda não há uma vacina com 100% de proteção para doenças infecciosas. “O que as vacinas fazem, e daí com uma diferença de fabricante para fabricante, é diminuir o risco da gente ter uma forma grave da doença. O risco de pegar covid pós-vacinação é para todos, mas sabemos que algumas pessoas já inicialmente não respondem tão bem às vacinas. Os idosos de uma maneira geral, para qualquer vacina, não respondem tão bem”.

Dessa forma, de acordo com a infectologista, a terceira dose – que já vem sendo discutida no país – para determinados grupos deverá ser obrigatória, “porque nós já sabemos que para qualquer vacina há uma redução da proteção”.

Os Estados Unidos anunciaram nesta quarta-feira (18) que os americanos que receberam as vacinas da Pfizer e da Moderna poderão receber uma terceira dose oito meses depois da segunda, a partir de 20 de setembro.

“Os dados disponíveis mostram claramente que a proteção contra a infecção por Sars-CoV-2 começa a declinar com o tempo, depois das primeiras doses da vacina”, diz um comunicado conjunto de altos funcionários, entre eles a diretora do CDC (Centros de Prevenção e Controle de Doenças), Rochelle Walensky, e a diretora interina da agência reguladora de medicamentos e alimentos dos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês), Janet Woodcock. “Somado à prevalência da variante Delta, estamos começando a ver evidências de uma proteção reduzida contra casos leves e moderados da doença”, acrescentou.

No Brasil, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse nesta quarta-feira (18) que a terceira dose da vacina será aplicada, inicialmente, em idosos e profissionais da saúde. Mas ele não informou quando isso acontecerá. Segundo ele, mais dados científicos são necessários.

Em nota enviada ao Comprova, a SBIm afirmou que nenhuma vacina tem 100% de eficácia. Além disso, fatores como imunossenescência (queda natural da imunidade relacionada ao envelhecimento), comorbidades e possível menor resposta a variantes podem contribuir para a redução do índice.

A nota ainda diz que “esses parecem ser os casos do ator Tarcísio Meira e do empresário e apresentador Silvio Santos. É importante salientar que a imensa maioria dos vacinados que desenvolveram covid não evoluiu para forma grave e que a mortalidade se mostrou muito baixa. Nos países com a vacinação mais avançada, os óbitos vêm se concentrando em não vacinados e em indivíduos com esquema incompleto. Da mesma forma, no Brasil já é possível notar movimento semelhante entre os grupos contemplados há mais tempo”.

Nos EUA, por exemplo, quase todas as mortes por covid-19 em maio foram de pessoas que não foram vacinadas. Uma análise da Associated Press com base em dados governamentais disponíveis daquele mês mostra que infecções em pessoas totalmente vacinadas foram responsáveis ??por menos de 1.200 das mais de 853.000 hospitalizações por covid-19. Isso representa cerca de 0,1%. O assessor da Casa Branca para doenças infecciosas, Anthony Fauci, chegou a usar a expressão “’pandemia entre não vacinados”.

Imunização é uma estratégia coletiva

O médico e consultor em infectologia da Escola de Saúde Pública do Ceará Keny Colares ressalta que não se pode “julgar o funcionamento de uma vacina baseada na situação de uma pessoa. Para considerarmos a eficácia de uma medicação, de uma vacina, temos que avaliar o comportamento dela em um grande número de pessoas. Visto que somos todos diferentes e essa doença, com várias outras, age diferente de uma pessoa para outra. Isso era assim antes da vacina, e continua sendo depois da vacina”.

Ele reitera que estudos já mostravam que as vacinas têm uma boa proteção, mas não são absolutas. Por isso, “temos que somar essa proteção das vacinas a outras medidas”. Para ele, a imputação de que uma vacina é melhor que outra, baseada no grau eficácia, desconsidera que os dados sobre a proteção contra a infecção foram obtidos em estudos diferentes, com pessoas em locais com circulação viral distinta e em momentos diferenciados também.

Além disso, ressalta que “é muito importante não só o indivíduo estar vacinado, mas a coletividade, porque com todas as vacinas, com todas as doses, se a pessoa ficar circulando em um ambiente que está cheio de pessoas contaminadas, ela tem o risco de se contaminar”.

A vacinação da população geral, destaca, é uma linha de defesa e será preciso “somar todas essas estratégias para viver em segurança, até que surjam novas estratégias com novas ferramentas que consigam melhores resultados. Temos que modular as nossas expectativas para caber na realidade. Existem soluções parciais que, bem utilizadas, vão nos permitir viver”.

Coronavac é eficaz

A Coronavac foi aprovada pela Anvisa para uso emergencial no Brasil em janeiro de 2021 e pela OMS, em junho. Comunicado oficial da organização diz que “a OMS validou a vacina Sinovac-CoronaVac COVID-19 para uso emergencial, dando aos países, financiadores, agências de compra e comunidades a garantia de que atende aos padrões internacionais de segurança, eficácia e fabricação”.

O texto ainda diz que, baseada nas evidências disponíveis, a OMS recomenda a vacina para uso em adultos de 18 anos ou mais, em um esquema de duas doses com um espaçamento de duas a quatro semanas. O documento afirma que “poucos adultos mais velhos (com mais de 60 anos) foram incluídos em ensaios clínicos, portanto a eficácia não pode ser estimada neste grupo etário. No entanto, a OMS não está recomendando um limite máximo de idade para a vacina porque os dados coletados durante o uso subsequente em vários países e os dados de imunogenicidade de suporte sugerem que a vacina provavelmente tem um efeito protetor em pessoas idosas”.

A OMS recomendou ainda que os países que usam a vacina em grupos de idade avançada realizem monitoramento de segurança e eficácia para verificar o impacto.

A eficácia global da Coronavac, divulgada com dados iniciais da fase de pesquisa no Brasil, é de 50,38%. Também foi informada uma eficácia de 78% para prevenir casos leves e 100% para casos graves. Contudo, em relação aos casos graves, o próprio Butantan já explicou que o dado não tem significância estatística do ponto de vista científico, porque o número de infectados que precisaram de hospitalização durante os testes foi muito pequeno.

Um artigo científico encaminhado por cientistas do Butantan, em abril de 2021, para a revista científica The Lancet mostrou que a eficácia da Coronavac para casos sintomáticos atingiu 50,7% com 14 dias de intervalo entre as duas doses, mais do que os 50,38% divulgados anteriormente.

Outro estudo feito pelo Instituto Butantan na cidade de Serrana, no interior de São Paulo, vacinou cerca de 75% da população adulta e constatou queda de 80% nos casos sintomáticos de covid e de 86% nas internações, além da redução de mortes em 95%.

Uma pesquisa, feita no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, apontou queda de 80% nos casos de covid-19 entre os 22 mil funcionários vacinados com a Coronavac.

Atualmente, a Coronavac é usada em mais de 30 países. Em entrevista ao Estadão, o médico infectologista e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Alexandre Naime afirmou que o que está por trás da desconfiança em relação às vacinas desenvolvidas na China é uma “guerra política” que mais desinforma do que ajuda as pessoas a entenderem como funciona cada uma delas. “Não cabe comparar agora. No futuro terá sim a revacinação e novas vacinas. Agora, precisamos salvar vidas”, afirma.

Procurado pelo Comprova, o Instituto Butantan enviou dois links: em um traz 5 perguntas e respostas para entender por que pessoas vacinadas também pegam covid-19 e em outro, uma entrevista com o filho de Tarcísio Meira, Tarcísio Filho, no programa Fantástico, da Globo. O ator lembrou que o pai, que morreu vítima de covid-19, tinha comorbidades sérias e que a mãe, que também contraiu o vírus, foi salva por causa da vacina.

Quem é o autor do post?

O autor do post no Twitter é @felipetellesbr, mas a página que compartilhou o tuíte dele no Instagram se chama Mundo Conservador, que traz na bio a descrição: “análises conservadoras diferenciadas e enriquecimento intelectual”.

Nas redes sociais, Felipe se descreve como “um grande entusiasta do Ocidente” e afirma que é dono da página @mundoconservador.

Entramos em contato, via Instagram, com o autor da publicação no Twitter e com o perfil que compartilhou o post no Instagram, mas não tivemos retorno.

Por que investigamos?

Em sua quarta fase, o Comprova verifica conteúdos suspeitos sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições que viralizam nas redes. O post verificado aqui teve mais de 9,4 mil interações no Instagram.

Conteúdos enganosos que tentam desacreditar as vacinas são perigosos porque podem levar a população a colocar a saúde em risco.

O Comprova já esclareceu diversos conteúdos sobre imunização, como, por exemplo, que é enganoso post que afirma que o CDC e Anthony Fauci não acreditam na vacina, que o diagnóstico positivo de Doria não indica ineficácia da Coronavac e que é falso que imunizantes usados no Brasil não passaram por testes de segurança e eficácia.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.