São falsos os valores apresentados em um post no Facebook sobre a composição do preço do botijão de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), o gás de cozinha. Ao contrário do que afirma a postagem, o imposto estadual (ICMS) corresponde à menor parcela do valor total, e não à maior. E os tributos federais (PIS/Cofins) que incidiam sobre o gás de cozinha foram anulados por decreto do presidente Jair Bolsonaro (PL) em março de 2021. A composição atualizada do preço do botijão pode ser consultada no site da Petrobras.
Conteúdo investigado: Post no Facebook traz a imagem de um botijão de gás. Um texto sobreposto à foto apresenta valores relativos ao preço do produto e sua composição: “Preço na Petrobrás, R$ 43,20; Frete Distribuição, R$ 19,00; Imposto Federal, R$ 2,80; Imposto Estadual, R$ 59,25; Total, R$ 124,45”. A palavra “federal” aparece circulada em vermelho.
Onde foi publicado: Facebook e WhatsApp.
Conclusão do Comprova: São falsos os valores apresentados em um post no Facebook sobre a composição do preço do botijão de gás. De acordo com a postagem, o produto custaria um total de R$ 124,45, dos quais R$ 43,20 corresponderiam ao “preço na Petrobras”, R$ 19,00 seriam do “frete [de] distribuição”, R$ 2,80 seriam de um “imposto federal” e R$ 59,25 viriam do “imposto estadual”.
A composição real e atualizada do preço do botijão de gás pode ser consultada em um gráfico no site da Petrobras, elaborado a partir de dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Na semana de 15 a 21 de maio de 2022, o preço médio do botijão de 13 kg foi de R$ 112,89, composto da seguinte forma:
Compartilhada em um grupo de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL), a publicação mente ao dizer que o imposto estadual (o ICMS) corresponde à maior parcela do preço do gás. Isso acaba por reforçar uma tese bolsonarista amplamente rejeitada por economistas, segundo a qual os governos estaduais seriam responsáveis pelo aumento do preço dos combustíveis. Como é possível constatar no gráfico acima, o ICMS tem a menor participação sobre o preço do botijão. E, embora o preço do gás tenha aumentado nos últimos meses, o valor do ICMS está congelado desde novembro de 2021.
A imagem do post também dá destaque à participação pequena de um suposto “imposto federal” no valor de R$ 2,80. Esse tributo corresponde ao PIS/Cofins, que não é mais cobrado do gás de cozinha desde março de 2021, por decreto do presidente Bolsonaro. O valor real do tributo era de R$ 2,18. No último mês em que foi cobrado, fevereiro de 2021, o preço médio do botijão ainda era de R$ 79,60, bem inferior aos R$ 124,45 citados no post falso.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. O post original com os valores falsos foi feito em 13 de maio no Facebook e, até 30 de maio, reuniu 888 compartilhamentos. O conteúdo foi repostado em um grupo de apoiadores de Bolsonaro em 22 de maio, onde acumulou outros 719 compartilhamentos, 90 comentários e mais de 502 curtidas.
O que diz o autor da publicação: Por meio de mensagens diretas no Facebook, o Comprova entrou em contato com os perfis responsáveis pelo post original e pelo compartilhamento no grupo bolsonarista, mas não obteve resposta até a publicação da checagem.
Como verificamos: O Comprova iniciou a checagem buscando informações sobre a composição de preços de venda do GLP ao Consumidor disponíveis no site da Petrobras. Na sequência, acessamos um Sistema de Levantamento de Preços disponibilizado pela ANP.
A reportagem entrou em contato por e-mail com a agência na tentativa de conversar com um representante sobre a composição do preço do gás de cozinha. Por meio da assessoria de imprensa, a ANP respondeu com um link que direciona ao próprio site, alegando que todas as informações relativas ao assunto estão disponibilizadas online.
A equipe também fez contato por e-mail com a assessoria da Petrobras, que respondeu com links para a página no site da estatal com os gráficos de composição dos preços dos combustíveis e para a nota emitida pela empresa sobre o mais recente ajuste no preço do GLP.
O Comprova ainda entrevistou o economista César Augusto Bergo, professor de especialização em mercado financeiro da Universidade de Brasília (UnB), para entender melhor os motivos dos aumentos recentes no preço do botijão de gás.
Sobre o gás de cozinha
Segundo a Petrobras, o gás de cozinha comum, também conhecido como gás liquefeito de petróleo (GLP), é o principal combustível de uso doméstico, utilizado principalmente nos fogões residenciais, através de um botijão de 13kg. A Lei 9.478/97, que tornou aberto o mercado de combustíveis no país e retirou o monopólio exercido pela Petrobras no setor, permitiu que, desde 2002, o preço do GLP fosse definido pelo próprio mercado. Atualmente, o produto é regulamentado pela ANP.
O botijão de gás que chega até a casa do consumidor passa por várias etapas de produção e distribuição que influenciam no preço final. O produtor ou importador vende o GLP para as companhias distribuidoras do país, que repassam o produto para o segmento industrial ou para pontos de revenda que entregam o gás aos clientes comuns.
A Petrobras indica que o preço praticado pela estatal sobre o GLP na revenda para as distribuidoras leva em consideração o valor do produto e os tributos. Em relação aos impostos, existem os que são cobrados pelos estados (ICMS) e os pela União (CIDE, PIS/PASEP e Cofins). Além disso, o consumidor final também paga pelos custos e lucros das distribuidoras e pontos de revenda.
A ANP publica a evolução dos preços de GLP desde novembro de 2001. São apresentados gráficos consolidados com os preços médios ponderados dos produtores, incluindo as parcelas de ICMS e os impostos federais.
De acordo com a agência, a última amostra de preços do produto (abril de 2022) indica que, em média, o preço final é de R$ 113. Do valor, o ICMS representaria R$ 13,69 e a realização do produtor seria de R$ 56,25. A margem bruta de distribuição é de R$ 15,18 e a de revenda R$ 27,87. Os impostos federais estão zerados.
Alta no preço do GLP
Segundo César Augusto Bergo, professor de especialização em mercado financeiro da Universidade de Brasília (UnB), o aumento abrupto do consumo pós-pandemia contribuiu bastante para a variação de preço no botijão de gás. O economista comenta que o mercado de GLP teve uma queda grande do consumo no início da pandemia e depois uma retomada veloz, muito acima do esperado. Esse cenário afetou bastante a oferta e demanda do produto.
“A pressão crescente da demanda sobre a oferta fez o preço aumentar mundialmente e aqui no Brasil cerca de 35% do gás consumido é importado. Dessa porcentagem, 67% vêm da Bolívia, uns 14% dos Estados Unidos e outros sete países são responsáveis pelos restantes da importação. Tudo pago em dólar também. Então, tanto a questão dos preços subirem quanto também a volatilidade observada na moeda do dólar acaba pressionando o preço do gasto”, afirma Bergo.
De acordo com o professor, outro fator importante para o encarecimento do gás de cozinha é a questão do transporte entre os locais de produção, distribuição e revenda. “As longas distâncias entre o centro de produção e os de consumo ajudam no aumento do preço. Também a questão de acesso a determinadas localidades. Tudo isso acaba contribuindo também para onerar o gás”, ressalta.
Sobre a composição do preço do produto no Brasil, o professor explica que, excepcionalmente, o ICMS é o único imposto que incide sobre o gás porque os impostos federais (CIDE e PIS/COFINS) foram suspensos por decisão do governo publicada no Diário Oficial da União no dia 9 de março de 2022.
O economista detalha: “Atualmente, a alíquota fica em média em 13% do valor do botijão. Por volta de 38% é a parcela que fica tanto nas distribuidoras quanto nas revendas. Há uma variação nesse percentual em favor ou da revenda ou da distribuidora. Cerca de 48% fica para extração e refino”.
Alterações no cálculo do ICMS
O presidente Jair Bolsonaro sancionou, em março deste ano, a lei complementar 192/2022, que determina a criação de uma alíquota única em todos os estados para o ICMS de combustíveis. A medida ocorreu em meio a aumentos sucessivos nos preços anunciados pela Petrobras. À época, a alta dos combustíveis estava atrelada também ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia.
O ICMS é o principal encargo estadual e, até então, varia de estado para estado. A alíquota única que os estados cobrarão ainda não foi definida. O texto também concedeu isenção do PIS/Pasep e da Cofins sobre combustíveis ao longo do ano de 2022. As novas normas alcançam não apenas o GLP (incluindo o derivado de gás natural), como a gasolina, etanol, diesel e o biodiesel.
O projeto sancionado pelo presidente estabelece a chamada monofasia, ou seja, o ICMS passa a incidir apenas uma vez sobre os combustíveis: gasolina e etanol, diesel e biodiesel e o GLP. Na prática, a cobrança do ICMS é feita apenas nas refinarias e não mais em toda a cadeia de distribuição.
Após a sanção presidencial, ainda no mês de março, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) – formado por secretários de estado de Fazenda – prorrogou o Convênio 01/2022, mantendo o congelamento da base de cálculo do ICMS para o gás de cozinha até 30 de junho de 2022.
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos sobre pandemia, eleições e políticas públicas que atinjam grau de viralização nas redes sociais. Informações falsas ou enganosas sobre a aplicação de imposto geram um entendimento errado do funcionamento da economia brasileira, influenciando a percepção da população sobre a organização orçamentária do Estado e o desenvolvimento de políticas públicas.
Outras checagens sobre o tema: Anteriormente, o Projeto Comprova mostrou que é enganosa a postagem afirmando que preço do gás só não caiu significativamente por causa dos governadores; que o pagamento de indenização à Justiça dos EUA não influenciou preço da gasolina e que post compara de forma enganosa valores do gás de cozinha com o salário mínimo.