É falso que pesquisadores descobriram relação entre vacina e covid longa

Comprova: Vacina contra covid-19 não provoca complicações prolongadas da doença

Rádio BandNews FM

Comprova
Reprodução/Comprova

É enganosa uma publicação que afirma que as vacinas contra a covid-19 são causadoras das complicações prolongadas conhecidas como covid longa. 

Especialistas ouvidos pelo Comprova e o Ministério da Saúde afirmam que as condições pós-covid se desenvolvem em infectados pelo SARS-CoV-2 e podem acometer qualquer um que já tenha contraído o vírus. Contudo, os riscos são maiores para pessoas não imunizadas, que tenham sido acometidas com a forma grave, reinfectadas e portadoras de condições de saúde preexistentes.

Conteúdo investigado: Post compartilha um artigo traduzido e publicado no site de uma jornalista e intitulado: “Estados Unidos: Médicos americanos após examinar mil pacientes descobriram que a ‘covid longa’ se desenvolveu em 70% dos casos após a vacina e não após a infecção”. A autora completa a postagem afirmando que “diante de todas essas informações os governos continuam inertes” e marcando o perfil do escritor do texto.

Onde foi publicado: X.

Conclusão do Comprova: Publicação engana ao afirmar que pesquisadores teriam descoberto que a covid longa seria causada pelas vacinas contra a covid-19 e não pelo vírus Sars-CoV-2, que provoca a covid-19. Os responsáveis pelo texto compartilhado no post investigado aqui nem mesmo fazem essa alegação. Conhecidos por compartilharem conteúdos que desinformaram durante a pandemia, os autores apenas especulam sobre essa possibilidade, que é negada por autoridades de saúde, especialistas e que não encontra base em estudos científicos publicados até aqui.

Segundo o Ministério da Saúde, a covid longa é definida como sinais e sintomas que continuam ou se desenvolvem quatro semanas ou mais após a infecção inicial e não podem ser justificadas por um diagnóstico alternativo. Qualquer pessoa que tenha contraído o vírus anteriormente pode ser afetada.

Uma nota técnica de 2023 da pasta diz que há evidências de que pessoas que apresentaram a doença nas formas mais graves, em especial aquelas que precisaram de cuidados intensivos, que não foram vacinadas, que já eram portadoras de condições de saúde preexistentes e que contraíram o Sars-CoV-2 mais de uma vez têm maior propensão a desenvolver condições pós-covid.

Orestes Forlenza, médico psiquiatra e pesquisador em estudo sobre covid longa e chefe do departamento de psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), explica que toda vacina tem uma taxa de efeitos adversos, mas que elas não são responsáveis pelos sintomas da covid longa.

“Depois do advento da vacina, clinicamente, o que a gente percebeu é que esses casos de covid longa não são mais tão graves, porque como você tem muito menos formas graves da doença, você terá muito menos formas persistentes de covid longa”, afirma. “Além de diminuir a incidência de covid da população, uma outra consequência da vacinação é que você não vê mais casos tão graves de covid longa como vimos no início. A vacina não é a causa da covid longa. É a covid longa uma consequência da infecção pelo Sars-CoV-2. Isso é fato.”

André Prudente, médico infectologista e diretor-geral do Hospital Giselda Trigueiro e professor do Departamento de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), afirmou desconhecer estudos científicos publicados em meios reconhecidos que apontam a imunização como causa da covid longa. “A relação de covid longa e vacina é que as pessoas vacinadas têm menor risco de desenvolver covid longa. Já as pessoas não vacinadas e que adoeceram da doença têm maior risco. Na verdade, tem trabalhos bem feitos mostrando que as pessoas que tomaram vacina, inclusive antes de adoecer de covid, têm um risco bem menor de desenvolver a síndrome.”

As informações citadas pelo especialista aparecem nos estudos científicos “COVID-19 vaccination for the prevention and treatment of long COVID: A systematic review and meta-analysis” e “Protective effect of COVID-19 vaccination against long COVID syndrome: A systematic review and meta-analysis”, ambos publicados pela empresa editorial holandesa Elsevier, especializada em conteúdo científico, técnico e médico.

Enganoso, para o Comprova, é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 15 de março, a publicação no X contava com 45,1 mil visualizações, 3 mil curtidas, mil compartilhamentos e 29 comentários.

Como verificamos: Primeiramente, foi feita uma leitura detalhada do artigo compartilhado e das pesquisas científicas citadas no texto. Através do Google, fizemos buscas sobre os autores dos artigos e da postagem, o que permitiu identificar histórico de desinformação. Buscamos orientações sobre o tema junto ao Ministério da Saúde, além de especialistas, que prestaram esclarecimentos e indicaram estudos científicos e informações publicados em revistas e periódicos internacionalmente reconhecidos. Publicações da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Butantan foram consultadas. A autora da publicação também foi procurada.

Médicos têm histórico de desinformação sobre a pandemia de covid-19

O texto citado no post investigado, de autoria dos médicos Pierre Kory e Paul E. Marik, afirma que, em dois anos, eles avaliaram e trataram mais de mil pessoas com covid longa. “Aproximadamente 70% desses pacientes disseram que os sintomas relatados ocorreram minutos, horas, dias e semanas após a vacinação contra covid, e não após a infecção por covid”, descreveram. O texto assinado pela dupla foi publicado no portal de notícias americano The Hill, em 6 de junho, onde estão creditados como “colaboradores de opinião”. Não se trata, portanto, de um artigo científico publicado em um periódico no qual tenha sido avaliado por outros pesquisadores.

Para Forlenza, da USP, a observação feita pelos autores indica uma metodologia problemática para chegar ao resultado. “Não foi feito um ‘pool’ (agrupamento) de pessoas que têm ou não a queixa, para ter um grupo comparativo. Vai pegar, justamente, as pessoas que tiveram sintomas pós-vacina ou acham que os sintomas foram por causa da vacina e se inscreveram. Não é feito uma aleatorização do estudo para que, em um universo de mil pessoas, você tenha os tantos que não tiveram a queixa e os tantos que tiveram”, afirma.

Outro problema metodológico, diz Forlenza, é o autorrelato com base no passado. “A pessoa estava se lembrando do que aconteceu no pós-vacina numa janela de quase dois anos. É relevante, mas pode ser frágil, do ponto de vista do rigor científico, pois a nossa memória muda em dois anos, você lembra e esquece de coisas”, diz. “Se você é influenciado por um tema, a probabilidade de valorizar mais aquele tema é muito maior.”

Na publicação investigada, Pierre Kory é descrito como pneumologista americano, intensivista e presidente da Front Line COVID-19 Critical Care Alliance (FLCCC Alliance). Já Paul E. Marik, é apresentado como médico e ex-professor de medicina, que atuou como presidente da Divisão de Medicina Pulmonar e de Cuidados Críticos da Eastern Virginia Medical School em Norfolk, Virgínia, e também foi médico intensivista em Hospital Geral Sentara Norfolk.

Kory é conhecido por ter defendido ao Senado dos EUA, em dezembro de 2020, o uso de ivermectina para a prevenção de covid-19 – remédio nunca teve sua eficácia comprovada contra o coronavírus. Ele já foi citado em outras checagens do Comprova, assim como E. Marik, por disseminar desinformação sobre a covid-19. Karina Michelin, a autora da postagem investigada, também já foi alvo de diversas checagens envolvendo informações falsas compartilhadas nas redes sociais sobre a pandemia. Em abril de 2023, ela teve seu canal no Youtube banido da plataforma sob a alegação de violação das regras da comunidade.

Condições pós-covid

De acordo com o Ministério da Saúde, as condições pós-covid, também conhecida como covid longa, podem afetar qualquer pessoa infectada pelo vírus, mesmo quem teve sintomas leves a moderados ou ficou assintomático. Essas condições podem melhorar, se agravar ou reaparecer, podendo evoluir de forma grave até fatal, meses ou anos após a infecção. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), não é possível prever por quanto tempo elas podem se manifestar.

Os sinais e sintomas podem ser consultados na página do Ministério da Saúde sobre as condições pós-covid. Algumas pessoas, principalmente as que tiveram as formas mais graves, também podem ter diabetes, hipertensão arterial, fenômenos tromboembólicos, doenças cardíacas e neurológicas. O documento aponta que a prevenção ao vírus é a melhor forma de evitar covid longa, por meio de medidas não farmacológicas e vacinação. Ainda não há testes específicos para identificar a covid longa e o diagnóstico acontece após uma série de exames e avaliações médicas, que descartam outras comorbidades.

Segundo o MS, pesquisas estão sendo desenvolvidas para entender melhor como ocorre e os efeitos das condições pós-covid. No dia 11 de março, a pasta anunciou o estudo “Epicovid 2.0: Inquérito nacional para avaliação da real dimensão da Pandemia de COVID-19 no Brasil”, que vai levantar dados para a criação de políticas públicas para o tratamento da covid longa.

O que diz o responsável pela publicação: A jornalista Karina Michelin afirmou que os médicos estão pedindo, no artigo, uma investigação contínua para compreender e tratar a covid longa e que há dois anos eles estão analisando casos clínicos de seus pacientes. “Quando os ‘especialistas’ cheios de conflitos de interesse atribuem a covid longa somente a infecção causada pelo vírus, estão ignorando que esta condição também pode ser causada pela vacina”, disse.

O que podemos aprender com esta verificação: Publicações como a verificada aqui tendem a induzir a audiência a acreditar que está sendo constantemente enganada por informações e medidas de órgãos oficiais, em especial as relacionadas à vacinação. Por conta da disseminação de desinformação ocasionada desde o início da pandemia, determinados grupos passaram a buscar por orientações de profissionais que se popularizaram por questionar ou adotar posicionamentos contrários ao de entidades reconhecidas de saúde e pesquisa. Métodos não comprovados cientificamente põem em risco a saúde da população como um todo. É importante ficar atento às metodologias e dados apresentados em pesquisas e artigos, às suposições e apontamentos feitas pelos autores desses estudos e aqueles que os compartilham, principalmente os que pareçam acusatórios, bem como sempre procurar por meios formais e reconhecidos para se informar.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Pierre Kory já foi citado em outras checagens do Comprova, como a de um estudo feito em Itajaí (SC), que não provou eficácia de ivermectina contra covid-19, e a de um médico braileiro que foi premiado pela FLCCC, checagem em que Paul E. Marik também é mencionado. Já a jornalista Karina Michelin foi alvo de diversas checagens envolvendo informações falsas compartilhadas nas redes sociais sobre a pandemia de covid-19. A autora do post já afirmou falsamente que vacina causa alterações genéticas, que órfãos da Polônia são usados em experimentos de vacinas e que a OMS apontou danos ao sistema imunológico após vacina.

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