No Dia Nacional da Adoção, nesta quarta-feira (25), os casos de "reabandono" no Brasil podem indicar a necessidade de revisão e adaptação da legislação vigente no país. O termo é usado para falar sobre o que acontece com crianças e adolescentes que acabam voltando aos abrigos após os habilitados à adoção desistirem do processo.
Foi o que aconteceu com 123 menores só nos primeiros quatro meses de 2022 - ou seja, desde o início do ano, uma criança ou adolescente passou por esse processo a cada dia no Brasil. Os números são do Conselho Nacional de Justiça.
Em todo o ano passado foram 521 casos; em 2020, 404; e, em 2019, 73 a partir do mês de agosto, quando o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento começou a funcionar.
A assistente social Carla Pereira diz que, em muitos casos, o reabandono acontece por expectativas frustradas ou pela falta daquele 'respirar fundo' para entender que a adaptação demanda tempo e paciência. "Há uma expectativa de gratidão, mas a compreensão das crianças e dos adolescentes é que esses pais estão disponíveis para se vincular afetivamente e construir relações respeitando as diferenças até porque o processo de institucionalização também deixa marca", afirma.
Em julho de 2020, um casal de São Paulo foi condenado a pagar R$ 150 mil em danos morais a um garoto, à época com 11 anos de idade, por devolvê-lo ao abrigo um ano e meio após a conclusão do processo. A ação foi movida pelo Ministério Público.
Além dos danos psicológicos, processos de adoção são irrevogáveis. "Isso vai de encontro à própria norma constitucional do princípio da isonomia da filiação. Ele tem base em nossa Constituição Federal e pode até caracterizar abandono de incapaz. É preciso que haja responsabilidade e consciência. Você devolve, por exemplo, um aparelho de celular que veio com defeito. Devolver um ser humano realmente algo que ultrapassa as barreiras do próprio direito, é algo muito grave e muito sério", explica o juiz Pablo Stolze, que é membro do membro da Academia Brasileira de Direito Civil.
No caso do garoto de São Paulo, o casal recorreu, mas fez um cumprimento temporário de sentença - significa que o valor foi pago, mas fica bloqueado até que a Justiça volte a analisar o caso.
O advogado que defende o casal na ação, Ivelson Salotto, afirma que a legislação deveria ser revista para garantir o direito de reanálise do processo de adoção deferido. "Deveria ser necessário um relatório médico, tanto psicológico quanto físico, para que, futuramente, os pais não se depararem com tais problemas. A criança acaba sendo vítima por várias vezes de uma rejeição".
Ainda de acordo com o CNJ, mais de 650 crianças e adolescentes já foram adotados no Brasil entre janeiro e abril. Em todo o ano passado, foram 3.524 - o número é 88% maior que o de 2020 e 91% superior a 2019. Hoje, 29.585 menores estão acolhidos em abrigos e instituições do país sendo 4.114 aptos à adoção por uma família.
Confira a reportagem de Artur Queiroz: