
Navegar é preciso, dizem. E navegar por um rio esquecido, ferido, silencioso e resistente é também urgente. No início de 2025, percorri de caiaque aproximadamente 10 km do rio Buquira, um curso d'água que nasce na Serra da Mantiqueira, em Monteiro Lobato, sendo o mais importante rio para o município, e deságua na zona norte de São José dos Campos. Um rio que, há décadas, tem causado problemas frequentes para a população das duas cidades. O que vivi foi mais do que uma expedição ambiental: foi um encontro profundo com a realidade de um rio invisível para muitos, mas fundamental para a vida de milhares.
Essa expedição de caiaque foi realizada com o objetivo de levantar insumos para compor uma proposta de diagnóstico ambiental voltado para o mapeamento de áreas erosivas e pontos de contaminação, a ser apresentada ao Comitê de Bacias do Rio Paraíba do Sul.
A paisagem que observei durante a expedição de caiaque era marcada por contrastes: curvas belíssimas, trechos de mata ainda preservada, mas também erosão intensa em praticamente todo o trajeto, margens sem mata ciliar e águas barrentas mesmo em períodos de estiagem. O rio era raso e carregava, além do sedimento, o peso de um abandono histórico. Em alguns momentos, o caiaque mal passava por entre as galhadas de árvores caídas, tamanha a ausência de cuidado. Também observei diversas capivaras ao longo do percurso, inclusive um grupo com mais de 20 animais, entre adultos e filhotes.
*Um rio que também é problema social*

Em março de 2024, o Buquira transbordou após chuvas intensas, afetando mais de 300 famílias em Monteiro Lobato e deixando 102 residências danificadas na região norte de São José dos Campos. Os bairros Mirante do Buquirinha, Taquari e Costinha sofreram com alagamentos e prejuízos. A Defesa Civil precisou intervir com abrigo, água potável, kits de higiene e cestas básicas. Não foi a primeira vez. E não será a última, se não mudarmos o olhar.
Esse é o ponto central: o rio Buquira não é apenas um recurso hídrico. É também uma questão de justiça ambiental, de segurança climática e de dignidade para comunidades vulneráveis. O que a princípio parece um problema ecológico é, na verdade, uma emergência social.
*Raip-X do Rio Buquira*
O rio Buquira integra a Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos do Paraíba do Sul (UGRHI 02). Possui aproximadamente 406 km² de bacia hidrográfica, abrangendo os municípios de Monteiro Lobato e São José dos Campos. Seus principais afluentes são o rio Buquirinha, ribeirão de Santa Maria, rio Descoberto, ribeirão do Miranda, ribeirão dos Souzas e rio Manso.
Com altitudes variando entre 560 e 1680 metros, a região é marcada por fortes declividades e solos altamente suscetíveis à erosão. A vegetação original da Mata Atlântica ainda é presente, mas fragmentada, e o uso do solo é diverso: áreas urbanas, rurais, pastagens e reflorestamentos.
O clima é classificado como Cwb (mesotérmico com verões brandos e chuvosos). Os solos predominantes são os latossolos vermelho-amarelos, porosos, mas muito erodíveis, especialmente em áreas de forte declive e pastagem. A combinação entre esses fatores tem resultado em degradação constante, águas barrentas, assoreamento e perda de capacidade de retenção de água.
*O projeto de regeneração*
O Instituto Regeneração Global está propondo ao Comitê de Bacias Hidrográficas do Rio Paraíba do Sul um projeto integrado de regeneração que se inicia com mapeamentos aprofundados sobre o rio Buquira, voltados especialmente para as áreas de erosão e contaminação. A partir dessa etapa inicial, será possível traçar um plano de ação estruturado para sua recuperação.
O projeto também envolve pilares de educação ambiental, fundamentais para envolver e capacitar a população local sobre a importância dos rios e do cuidado com a água. A intenção é que, após essa fase diagnóstica e formativa, tenha início um processo de restauração florestal, combate ao assoreamento e recuperação prática das margens e funções ecológicas do rio Buquira.
*A urgência de um novo olhar*
Rios como o Buquira são espelhos de nosso modelo de desenvolvimento. Espelhos que refletem tanto o abandono quanto a esperança. Precisamos fazer com que a história desse rio não seja mais uma narrativa de perdas, mas sim um exemplo de reconciliação com a natureza.

Através do trabalho que realizo com o Instituto Regeneração Global, buscamos olhar para essa temática de forma a mais abrangente possível. Uma das frentes é o Projeto Rio Vivo, em parceria com a BAND, que atua na educação ambiental e na sensibilização da sociedade. A outra é a atuação direta com projetos técnicos e estruturantes, junto aos Comitês de Bacia e por meio de editais, para promover a regeneração prática dos rios e consolidar novos modelos de desenvolvimento.
Os rios são veias vivas do planeta. Eles conectam territórios, culturas, memórias e esperanças. O Buquira é mais um desses rios que pedem para ser regenerados — e que podem ser regenerados. Basta que a gente escolha olhar, agir e cuidar.
Veja outras matérias da coluna SUSTENTABILIDADE E REGENERAÇÃO no link: https://www.band.uol.com.br/band-vale/colunistas/sustentabilidade-regeneracao