Porque é tão complicado aceitar que vivemos em um relacionamento abusivo?

Areia Movediça: Lucas Sanseverino conversa com a psicóloga Renata Bueno sobre o desafio de se livrar de um abusador

Lucas Sanseverino

Lucas Sanseverino é radialista e ator. Começou na TV Band Vale apresentando o Republica 103.9, projeto que por 4 anos foi exibido aos sábados. Desde 2012, apresenta o Falando Nisso, de segunda a sexta, trazendo assuntos do cotidiano. Aos sábados, desde 2020, comanda o programa Manhã na Band, com muita culinária e conversa em volta de uma mesa de café da manhã.

Relacionamentos Abusivos
Relacionamentos Abusivos
Lucas Sanseverino

Eu nunca me imaginei num relacionamento abusivo, até entender em que estava em um. Durante três anos da minha vida me sujeitei a situações e perigos que uma pessoa não resolvida e insegura pode expor a outra.

Críticas disfarçadas de cuidado, elogios seguidos por comparações... a verdade é que a cartilha para identificar um relacionamento desse tipo é tão óbvia para quem está de fora, que a pessoa que vive um parece entrar num analfabetismo funcional.

Eu mesmo, levei um bom tempo para entender que estava sendo vítima. No começo achava que tudo era culpa minha e que de certa forma merecia viver aquilo. Quando me dei conta do pesadelo que vivia, minha autoestima estava no lixo, alias, eu estava me achando um lixo.

O pior, quanto mais tentava sair, mais me afundava na co-dependência que me arrastava para o fundo dessa piscina de areia movediça. Foi num momento de profundo medo, que consegui tirar forças e expulsar o abusador de perto de mim.

Não foi fácil!

Até hoje, mesmo vivendo um relacionamento estável e saudável, tenho sequelas.

Em uma conversa com a psicóloga Renata Bueno, trago a luz algumas das dúvidas mais corriqueiras sobre o assunto. As respostas trazem a solução para esse pesadelo que quem vive, parece não conseguir acordar.

LUCAS SANSEVERINO: O QUE CARACTERIZA UM RELACIONAMENTO ABUSIVO?

RENATA BUENO: Um relacionamento abusivo é aquele em que uma pessoa “domina/controla” a vida do outro, seja de forma “gentil/velada” ou de forma clara.

Exemplo:

“Por favor amor, não sai com tal pessoa que eu fico inseguro(a)”
“Aquela pessoa não vai te fazer bem, fica comigo que te ama como você é”
“Esta roupa de deixa ridículo(a), melhor ir trocar”
“Deixa que eu cuido das suas finanças e nada lhe faltará”
“Você não é lindo(a), mas eu te amo”
“Faça o que eu te peço e tudo ficará bem”
“Me perdoe a grosseria é que eu estava nervoso(a), mas eu te amo”

O abusado se sente intimidado, acredita que o abusador só quer o bem dele, que com o tempo tudo vai melhorar, que um dia será reconhecido e valorizado.

Um abusado tem pena do abusador, usa a culpa para manter o vínculo (eu que deixei ele(a) nervoso(a). O mais importante para o abusado é ser amando. Tem compaixão e empatia pelo abusador.

O abusador busca o controle e domínio. Ele não consegue ficar vulnerável e o nível de compaixão pelo outro é muito pouco.

Um dos controles mais sutis do abusador é o silêncio e a indiferença, causando sofrimento (ele(a) não me ama – não sou importante para ele(a) e culpa (o que eu fiz de errado? Não deveria ter feito tal coisa) no abusado.

LUCAS SANSEVERINO: A PESSOA QUE ESTÁ NESSE RELACIONAMENTO CONSEGUE ENXERGAR ISSO?

RENATA BUENO: Muitas vezes não percebe e acredita que o relacionamento é assim mesmo, sendo necessário ter paciência para que tudo melhore.

O abusado chega a defender o abusador, dizendo que estava nervoso(a), que existe momentos bons e que ele (o abusado) precisa melhorar para ficar tudo bem.

LUCAS SANSEVERINO: É COMUM O RELACIONAMENTO ABUSIVO A VÍTIMA SE ISOLAR DOS AMIGOS?

RENATA BUENO: Muito comum o isolamento, até mesmo porque o abusador demanda este afastamento, com falas como:

“fica comigo, este pessoal não tem nada a ver, fazer um programa só nós dois” , e muitas vezes nem aparece para o programa dizendo ter tido um imprevisto;
“eu não vou na casa dos seus pais, se quiser vai você,  eu fico aqui sozinho(a)”, se fazendo de vítima para colocar culpa no abusado;

Quando amigos apontam este comportamento, o abusado se afasta, pensando criar mais cumplicidade com o abusador, com a falsa ilusão de que só os dois se bastam.

LUCAS SANSEVERINO: A VÍTIMA TEM ALGUM PERFIL?

RENATA BUENO: Sim, normalmente são pessoas com a autoestima baixa, que acreditam não ser merecedoras de alguém que a ame e respeite suas necessidades.

Tiveram uma infância onde suas necessidades básicas de amor e validação não foram supridas.

LUCAS SANSEVERINO: A GENTE BRINCA QUE ALGUMAS PESSOAS TÊM “DEDO PODRE” POR SEMPRE ESCOLHER PESSOAS QUE NÃO SÃO IDEIAIS PARA SE RELACIONAR. QUEM VIVE NUM RELACIONAMENTO ABUSIVO ACABA TAMBÉM ATRAÍNDO ESSE TIPO DE ABUSADOR?

RENATA BUENO: Por ter auto estima baixa e acreditar que o outro sempre é melhor que ela, a pessoa acaba buscando (inconscientemente) pessoas que acham “fortes e donas de si” e assim se sujeitam e já entram no relacionamento como inferior, admirando demais o outro e se achando “sortudo” por ter conquistado uma pessoas “tão brilhante”.

LUCAS SANSEVERINO: COMO SAIR DE UM RELACIONAMENTO ABUSIVO?

RENATA BUENO: Se o abusado não investir em seu próprio autoconhecimento será muito difícil sair de um relacionamento abusivo.

O autoconhecimento se conquista com uma boa psicoterapia!

LUCAS SANSEVERINO: QUE LEITURA VOCÊ INDICA PARA QUEM QUISER SABER MAIS?

RENATA BUENO: Todo abusado é um codependente emocional, e a leitura essencial para esta pessoa é o livro da Melody Beattie – Codependência nunca mais

LUCAS SANSEVERINO: COMO IDENTIFICAR UM ABUSADOR?

RENATA BUENO: O abusador usa de estratégias para ganhar admiração e gerar culpa no abusado, através de:

- Ter uma característica ou comportamento que cause admiração no abusado, exemplo: ajuda os pobres, é elogiado por pessoas que só o conhecem superficialmente (trabalhador, honesto).

- Usa a fama de bom moço(a) para justificar a falta de conexão e presença com o abusado. Exemplo: trabalha demais e por isto está sempre cansado e não disponível.

- Busca sempre a aprovação social, tendo atitudes frente aos outros para que receba elogios quando esta com abusado e mostre o “quanto ele é bom” e que o abusado deve se sentir “sortudo” por ter ele.

- Demonstra sofrimento para gerar culpa, ou seja, se o abusado reclama que ele não elogia, não compareceu ao encontro marcado, o abusador se vitimiza dizendo que esta exausto, que trabalha muito, que faz tudo e não é reconhecido.

- Quando erra diz que o responsável foi o abusado, pois se não fosse o controle excessivo e reclamação(irreal) ele(a) não teria traído e buscado aconchego em outra pessoa.

Obs.: Falamos do abuso em relacionamento amoroso e ele pode estar presente em outras relações também, como profissional, familiar e amizades.