Uma droga chamada redpill: sobre homens que não amam mulheres

Os Nós da Mente

Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!

Uma droga chamada redpill
Uma droga chamada redpill
Divulgação

Por Jairo Carioca, pesquisador na interface entre Psicanálise e Feminismo – estudos de gênero na UFRRJ. (@jairopsicanalista)

É uma cena bastante comum: uma mulher está em uma boate sozinha quando um homem se aproxima e começa a flertar com ela. Em seguida, outro homem se aproxima e se identifica como acompanhante da mulher. O primeiro homem pede desculpas por não saber que ela estava acompanhada e a mulher é deixada de lado, sem qualquer consideração por sua subjetividade. 

Essa não é a única situação em que as mulheres são tratadas sem valor. Em um podcast, um coach contou que se sentiu oprimido quando uma mulher o convidou para tomar uma cerveja, enquanto ele estava bebendo Campari. Sua reação foi ameaçar a atriz que o imitou. 

Esses dois exemplos ilustram claramente a falta de respeito pelos sentimentos e desejos das mulheres por parte de alguns homens. Eles veem as mulheres como objetos a serem conquistados e usados para afirmar sua masculinidade. Isso nega a individualidade e a subjetividade das mulheres, impedindo qualquer possibilidade de conexão verdadeira. 

De acordo com a perspectiva de Foucault, esse tipo de atitude estabelece relações de exclusão e opressão, negando a alteridade necessária para que haja um relacionamento amoroso verdadeiro. É importante reconhecer e combater essa mentalidade tóxica para criar um mundo mais justo e equitativo para todos. 

No quarto século, João Crisóstomo fez uma comparação altamente desrespeitosa entre mulheres virgens e móveis, e aconselhou homens cristãos a se casar com elas antes da primeira menstruação. Ele justificou isso afirmando que os homens são naturalmente atraídos pelo que ninguém mais pode ter ou desfrutar, e que ao possuir uma mulher virgem, o homem se torna o primeiro e único senhor dela. 

Infelizmente, muitas mulheres que se recusaram a se submeter a essa norma foram queimadas em fogueiras como bruxas. Com o advento do Iluminismo, o discurso médico-científico substituiu a ideia de demônios e, desde então, a questão da loucura tornou-se uma questão de gênero. A loucura nos homens é frequentemente atribuída a questões de produção, enquanto a loucura nas mulheres é vista como uma questão sexual. 

Em um mundo capitalista contemporâneo, a clínica psicanalítica deve se posicionar como uma barreira contra os fatores políticos e sociais que silenciam o desejo das mulheres, tanto por meio de diagnósticos, quanto por meio da medicalização. Como Lacan afirmou em uma conferência sobre o Sintoma em Genebra, "A mulher não existe. Existem mulheres, mas a mulher é um sonho do homem". Infelizmente, a filosofia redpill vê as mulheres como um pesadelo. 

O psicanalista Christian Dunker explica que esta filosofia prega uma visão de mundo onde as pessoas estão sempre em uma batalha constante, em que os homens são vistos como predadores e as mulheres como objeto de conquista. Para esses homens, é necessário ter dinheiro, poder e autoridade para conquistar as mulheres. No entanto, essa visão ignora a complexidade da sexualidade humana e o papel da liberdade no desejo. 

O desejo só pode existir onde há liberdade, e ele pode ser direcionado tanto para o ego quanto para os objetos. A moralidade também desempenha um papel importante na forma como os homens lidam com seu desejo, muitas vezes, recorrendo à religião para justificar seus impulsos. 

Além disso, os gêneros não são determinados pela biologia, mas são padrões que emergem da interação social. E a feminilidade não é exclusiva das mulheres, mas é uma qualidade compartilhada por todos os seres humanos. Como escreveu a psicanalista Maria Rita Kehl só aquilo que um homem se recusa a saber sobre seu próprio desejo seria capaz de produzir o efeito de mistério sobre seu objeto, nesse caso, o desejo da mulher. 

No entanto, alguns homens se recusam a aceitar essa feminilidade e criaram uma espécie de escudo para proteger sua fragilidade emocional. Reúnem-se em grupos, criam conteúdos online e até mesmo livros para disseminar sua visão de mundo. Lacan mostra que essa visão de mundo é apenas uma forma de lidar com a angústia masculina e a sensação de desamparo diante da feminilidade. E a única saída proposta por esses grupos é uma droga chamada redpill, como afirma Lacan, a capacidade lenitiva de uma droga é a única alternativa que permite romper a angustia do pequeno pipi, a pílula vermelha que supostamente permite aos homens superar seu medo e se tornar dominantes em suas relações com as mulheres.