Os Nós da Mente
Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!
Marcio Garrit, psicanalista e Filósofo - @marciogarrit
“Hoje, o Dia Internacional das Mulheres, a esquerda disse que eu não poderia falar, pois eu não estava no meu local de fala. Então, eu solucionei esse problema aqui. Hoje eu me sinto mulher. Deputada Nikole”. [1] E assim somos “presenteados” mais uma vez com discursos de odientos e fóbicos. Essa fala, que acredito ser de conhecimento do leitor, é de um deputado da extrema direita chamado Nikolas Ferreira. Que, para minha não surpresa, após esse pronunciamento teve considerável aumento de seguidores em suas redes sociais. Que fase!
Que desejo é esse de falar pelo outro, sentir pelo outro, dominar o outro e odiar até não poder mais? Já se perguntaram o que seduz determinadas pessoas a se aproximarem do que não entendem, não vivem e não sabem? E o pior, para se apropriar do outro e destruí-lo! Atualmente, mais especificamente na política, percebemos a existência de um palco, a céu aberto, que exibe um espetáculo bizarro que alimenta o gozo de destruição da humanidade. Uma eterna Saló de Pasolini, onde os fascistas se reuniam na sala para ouvir contos e presenciar cenas bizarras onde o outro é um mero objeto pronto e eternamente disposto para ser destruído. Um intenso desejo de usar o outro para meu bel prazer, e ele tem que apanhar para satisfazer minhas fantasias mais primitivas. Acredito até que Marquês de Sade ficaria orgulhoso com o Brasil, pois veria que aprendemos muito bem os seus ensinamentos para a jovem Eugénie, com a diferença de que na época eles foram passados na alcova (século XVII). Hoje é nesse palco a céu aberto, e quase ninguém se surpreende mais, eles gostam, é comum e autorizado! A banalização do que Dolmancé e a senhora de Saint-Ange falavam para Jovem Eugénie já não chocam mais, não precisa ser na alcova e com isso, tira toda adrenalina do ato.
A perversão perde a graça, pois fica comum, sem a angústia, sem a surpresa! Acho que Sade, se aqui estivesse, ia preferir virar político conservador e “cidadão do bem”, ou até, um militante das causas ambientais. O que me leva ao grande Freud e suas reflexões sobre a questão do mal.
Em 1915, em um dos seus textos mais tristes e tensos (em minha opinião, o mais tenso de todos) Freud, em “Considerações contemporâneas sobre a guerra e a morte”, vai expor sem meias palavras o que ele acha do ser humano. Em uma parte do texto ele vai se perguntar sobre a possibilidade de “tratarmos” o mal. Seria possível termos uma moralidade que protegesse o sujeito de cometer atos maléficos e destrutivos? Prefiro deixá-lo responder:
“Na realidade, não existe nenhuma “extirpação” do mal [...] É inegável que nossa cultura contemporânea favorece, em proporções extraordinárias, a formação dessa espécie de hipocrisia. Poderíamos arriscar a afirmação de que ela é construída sobre essa hipocrisia e teria de aceitar submeter-se a profundas modificações, caso os seres humanos se propusessem a viver de acordo com a verdade psicológica.” (págs. 106-107; 111-112 – tradução Ed. autêntica)
E que mudanças e verdades seriam essas? Isso daria uma série de artigos e discussões com propostas e pensamentos complexos, porém, como esse não é meu objetivo aqui, sugiro começarmos de forma direta assim como Freud o foi ao escrever esse texto. E qual seria essa forma? Respeitar o outro. Simples né? Não é. Diria que isso é quase impossível, e para algumas pessoas, é! Alguns afetos só podem ser sentidos e vivenciados para quem tem condições psíquicas para tal. Amor e respeito são alguns deles. Esses afetos exigem muita capacidade de alteridade e equilíbrio. Exige uma eterna conciliação entre o pensar e o sentir, e isso é algo que me parece raro no nosso século, principalmente. O tudo pra mim e o nada pra você, inclusive travestido de bondade, é o mais fácil e mais vendido atualmente. Me parece que esse deputado se coloca no grupo relevante de pessoas que transitam nessa lógica.
Travestir a hipocrisia e/ou o mal de bondade é um recurso comum das pessoas prejudicadas psiquicamente, justamente por terem a incapacidade de suportar o diferente, de aceitar que o bom e o ruim habitam o mesmo espaço sempre. Dessa forma, me apego a grupos e ideologias que ditam a verdade suprema do existir, internalizo e uso isso para destruir tudo que me afasta da completude, da onipotência. A hipocrisia está justamente ai! Vendendo o “bem”, ideologicamente, e praticando o mal. Esse mecanismo é antigo, muito bem estudado na psicanálise e em outras áreas correlatas e já se demonstrou extremamente perigoso. Pensando assim, só alimento minha fraqueza, não me protejo de nada e só vou maximizar meu delírio de onipotência. Ou seja, vou me viciando cada vez mais no tesão de odiar.
E você, transita em qual grupo?
Pensemos...
Doutorando em Psicologia clínica pela PUC/RJ
E-mail: marciogarrit@yahoo.com.br