Shakespeare, um psicanalista?

Os Nós da Mente

Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!

Shakespeare, um psicanalista?
Divulgação/Unsplash

Por Igor Alexandre Capelatto, psicanalista - linktr.ee/igorcapelatto

Sou psicanalista e sou um pesquisador de Shakespeare. Traduzi Titus Andronicus e fiz revisão e prefácio de Hamlet e A Megera Domada. Tenho estudos e artigos de outras peças shakespearianas. Muitas vezes fui indagado, por que Shakespeare? Certa vez, durante um curso de psicanálise, me perguntaram por que Freud e Lacan se interessaram por Shakespeare?

Quando Hamlet, em meio ao salão central do castelo prolifera um solilóquio abrindo com a emblemática e icônica frase: “ser ou não ser, eis a questão”, somos colocados diante de um dilema de uma pulsão de morte. A angústia, a depressão e o suicídio são temas que surgem ao longo deste discurso. Hamlet fala para a plateia, mas de fato está falando para si mesmo, uma autorreflexão, um embate de sua consciência. Esta personagem de Hamlet, o Príncipe da Dinamarca, peça de William Shakespeare escrita entre 1599 e 1601, chamou a atenção de Freud, Lacan e de modo geral à psicanálise, que passam a dar um olhar mais atento a obra deste dramaturgo.

Shakespeare nos faz adentrar no inconsciente. Ao lermos suas peças somos analistas e analisandos ao mesmo tempo – Igor Capelatto (2018)

Shakespeare foi um dramaturgo inglês que genialmente soube transcrever e compreender a essência humana. Tanto que o professor e crítico literário de Yale, Harold Bloom vem a nomear Shakespeare como o “inventor do humano”. Shakespeare é um mito, pois escreveu inúmeros poemas, sonetos e peças (tanto comédias, tanto tragédias) em um período curto de atuação como dramaturgo (escrevia e atuava). Algumas de suas peças chegam a contabilizar quase quatro horas de duração. Dizem os historiadores e pesquisadores de Shakespeare que em algumas peças ele teve colaboradores. O interessante em destacar aqui é que em todos os seus trabalhos ele traz a essência humana e faz um tratado sobre a psiquê humana. Não é à toa que Freud o considerava um pai da psicanálise e Lacan dizia que as peças de Shakespeare são estudos de casos psicanalíticos.

As peças [de Shakespeare] nos leem de maneira definitiva – Harold Bloom (Shakespeare: A Invenção do Humano)

Shakespeare foi exímio observador do ser humano, antecipou muito do que a psicanálise faz uso desde sua formulação com Freud no final do século XIX, trouxe um olhar novo a neurologia (aos estudos de Hipócrates e da medicina da Idade Média) e foi um linguista fenomenal, não só no processo criativo de verbetes, como entendendo o funcionamento da neurolinguagem (eis que ele cria uma métrica poética e sonora que é uma reflexão do modo emotivo da fala e dos gestos). 

Hamlet é uma das peças Shakespearianas que costumo indicar para quem se interessa por psicanálise e neurologia (e que uso como material didático em cursos de psicanálise), encontramos nesta peça outros temas como o narcisismo, o édipo, fala de medo, culpa e raiva. Nesta peça Shakespeare traz o termo consciência que consegue de forma poética nos mostrar as duas faces: a consciente e a inconsciente. Em Ricardo III, temos também a perversão narcísica, mas temos uma esquizofrenia, o duplo, entre outros temas. Em Titus temos uma peça que fala sobre vingança, que fala sobre transformação, reparação, e que trata do Luto (até mesmo é possível observar os cinco atos da peça como as cinco fases do luto). Em Othelo temos o ciúme, a traição, a inveja, as máscaras. Em Tempestade temos um tratado dos sonhos, ampliando o tema que aparece em Hamlet e outras peças como A Megera Domada. Em Mercador de Veneza temos uma reflexão do corpo e a cultura. Em Rei Lear temos u estudo sobre os afetos. Em Noite de Reis, Shakespeare aborda o amor, e os lugares dos prazeres e dos desejos, mostrando suas diferenças e condições. E em Macbeth temos a abordagem do ideal, da ambição, do desejo e das pulsões.

Há muitos autores na literatura de modo geral que nos fazem ter esse olhar psicanalítico, aprofundar na essência humana, nos sentimentos, desejos, na psiquê humana. Hoje, trago Shakespeare, por ser um dos autores citados por Freud e Lacan, mas também para introduzir o artigo “Natal, tempo de psicanalisar?” que irei trazer ainda este mês, no qual farei uma análise trazendo na reflexão o olhar de Shakespeare sobre o Natal (Hamlet e Noite de Reis).          

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