Ser voluntário: uma ação altruísta ou um fenômeno psíquico inconsciente?

Numa ação voluntária, muito questões primitivas são despertadas

Os Nós da Mente

Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!

O que nos move?
O que nos move?
Divulgação

Por Simone Pontes, psicanalista (@simone_galvao_pontes)

Ser voluntário é um ato de amor, respeito ao próximo e suas motivações devem ser verdadeiras para ter benefícios para quem doa e para quem recebe essas ações. 

Ao pensarmos em uma ação voluntária, não pensamos realmente qual a motivação ou os fenômenos psíquicos que nos levam a fazê-la. A princípio pensamos em fazer o bem aos outros e como consequência fazer bem a si mesmo.

Há inúmeros motivos para essa ação, sejam eles motivações pessoais como dar sentido à própria vida, ocupar o próprio tempo; motivações por crença professada como um chamado religioso para ajudar o próximo; ou motivações despertadas pelo sentimento de solidariedade como ajudar as pessoas, melhorar a qualidade de vida comum ou preocupações sociais. 

Sejam quais forem as motivações, os voluntários buscam fazer o bem para melhorar a qualidade de vida de outras pessoas, com um bem comum e trabalhando para um mundo melhor.

São muitos os benefícios de quem realiza trabalho voluntário, entre eles, estão a oportunidade de aprender coisas novas com outras pessoas, obter experiência dentro de sua área de atuação, ampliar sua rede de contatos, aumentar as chances de arrumar um emprego, possibilidade de desenvolver ideias inovadoras, maior bem-estar, aprimorar a sua sensibilidade para entender os problemas sociais e também melhorar sua empatia, se colocando no lugar do outro, escutando suas dores, além de respeitar sua alteridade, ou seja, reconhecendo e respeitando as diferenças desse outro.

Além de doar-se para o outro, espera ser reconhecido e condecorado por sua dedicação a quem oferece ajuda, podendo deixar de lado sua real função que é cuidar de alguém que necessita de ajuda naquele momento. Esse movimento pode criar fantasias e sentimentos hostis, podendo levantar defesas e resistências em relação àquela pessoa ou ao trabalho voluntário como um todo, podendo prejudicar não só a causa a qual se dedica, como também sua relação consigo mesmo.

São as motivações psíquicas inconscientes e o real interesse em contribuir com o outro que leva uma pessoa a se tornar voluntário de uma causa, esclarecendo seu mundo interno e funcionamento psíquico com seus conflitos, ambivalências, desejos e idealizações. Mas o que realmente demanda para o sujeito o ato de voluntariar-se?

A marca principal do trabalho voluntário são os efeitos subjetivos que ele produz em quem faz esse tipo de ação. Ao avaliar essas motivações à luz da Psicanálise, consideramos o comportamento do sujeito, suas angústias, fantasias, ilusões e idealizações em relação ao trabalho voluntário. 

O sujeito para a Psicanálise é aquele que se constitui na relação com o outro através da linguagem, é o sujeito do desejo, estabelecido por Freud através da noção de Inconsciente, onde se constitui a subjetividade desse sujeito. O sujeito só se constrói com a ação de outro sujeito, não pode criar a si mesmo.

Ao observar as relações que se constituem entre os sujeitos que se propõem a cuidar de outros, esse cuidar pode dizer mais do campo narcísico desse sujeito, onde suas ações são enfocadas em um cuidar de si mesmo, se revelando auto centradas, do que realmente reconhecer no outro sua alteridade, ou seja, sua singularidade.

Numa ação voluntária, muito questões primitivas são despertadas, mobilizadas e ao examinar essa relação do voluntário com a pessoa que recebe seus cuidados, observamos motivações inconscientes que mostram o caminho que o trabalho desse sujeito voluntário tomará ao cuidar dessas pessoas em situações fragilizadas fisicamente e emocionalmente.

É um trabalho bastante subjetivo, onde há o encontro de dois inconscientes, um que recebe a ação e outro que olha para si mesmo e não compreende porque há mobilização desse tipo de resposta. É fundamental entender os processos inconscientes, onde entrelaçam-se desejos, defesas, identificações, projeções e transferências e onde acontece um embate incessante entre as instâncias psíquicas e a complexa comunicação entre o mundo interno e externo. 

Deve-se observar o que está em jogo quando um sujeito toma a decisão de realizar um trabalho voluntário: satisfazer narcisicamente seus mais profundos desejos ou realmente ajudar ao próximo, entendendo e respeitando a sua alteridade?

Há de se ter um olhar cuidadoso para a singularidade desse sujeito, verificando os sentimentos que tem origem a partir da experiência de realizar uma atividade que mobiliza tantos conteúdos inconscientes.Para ser capaz de amar e respeitar o outro, é necessário reconhecer seus próprios conteúdos internos e tolerar a angústia oriunda do seu próprio Eu na relação com o outro, afinal são seres humanos com paixões, virtudes e sentimentos.

Então, ser voluntário é uma ação altruísta ou um fenômeno psíquico inconsciente? O voluntário é acima de tudo um sujeito com competência transformadora, seja em direção a si mesmo ou em direção ao outro, pois acredita que sairá transformado pela causa social a qual se engaja. 

Ser voluntário é doar amor ao próximo e a si mesmo