Os Nós da Mente
Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!
Por Yara de Barros, psicanalista - @yara.de barros
Você já ouviu falar do quiet luxury ou luxo silencioso? Talvez imagine algo como o luxo do silêncio, tendo em vista que vivemos em centros urbanos superlotados e barulhentos. Ou poderia estar pensando que seria um luxo se seus pensamentos intrusivos silenciassem... ledo engano! quiet luxury é um termo que tem aparecido na mídia e diz respeito a um “... tipo de roupa que não anuncia seu valor de maneira óbvia (com logotipos e decorativismos). Que, ao invés de “gritarem” quando vestidas, sussurram um luxo mais secreto e iniciado (jornal Estado de São Paulo). Preste atenção na frase final “sussurram um luxo mais secreto e iniciado”. Luxo de, e para, os iniciados. Só para os que fazem parte da irmandade, uma espécie de código secreto entre os muito ricos, e, quem sabe, uma blindagem contra os imitadores.
Há várias explicações para o movimento do quiet luxury, entre elas, a percepção de um mundo que se exaure em voracidade consumista, excesso ad nauseam de exibição e ostentação em mídias sociais. O mundo pós pandemia e que flerta com a terceira guerra mundial, faz com que queiramos a segurança discreta de um blazer de corte atemporal, tecido premium, e que, por princípio ou a princípio, não será descartado num lixão em Bangladesh.
Fica bonito desfilar essa consciência sustentável entre os seus, e em entrevistas descoladas. Mas a psicanálise traz o inconsciente para a cena e levanta outras possibilidades sobre o luxo silencioso.
Comecemos entendendo de onde surgiram os ciclos da moda. O conceito de moda vem do final da idade média, século 15 e princípio do renascimento, na corte de Borgonha, atualmente parte da França. Enriquecidos pelo comércio, os burgueses passaram a copiar as roupas dos nobres, que buscavam novas variações que os distinguissem dos burgueses e, assim, nasce a moda, desde seu princípio com um caráter estratificador.
O movimento é identificação, em psicanálise, o sujeito se constitui e se transforma assimilando ou se apropriando dos aspectos, traços ou atributos dos que o cercam (Roudinesco). Identificação: quero fazer parte do clube. E também diferenciação: o clube é exclusivo para “sua majestade o bebê”, termo cunhado por Freud em seu complexo texto Sobre o Narcisismo: uma introdução (1914). O poder conferido ao bebê pelas idealizações parentais, que fazem deste, sua extensão narcísica: este bebê realizará todos os meus sonhos, é especial, e o mundo lhe fará concessões. Sua majestade o bebê ainda habita em muitos adultos, o que os faz crer serem mesmo especiais e não estarem sujeitos às leis que regem os demais mortais. De uma certa maneira, o luxo silencioso faz com que esse sentimento de pertencimento a um seleto grupo de ungidos pareça real.
O olhar do outro nos constitui, nos valida, nos autoriza. Fingimos não importarmos, mas estamos sempre em busca daquele primeiro olhar, o olhar materno de puro deleite, ou, no caso de figuras parentais não suficientemente boas, a busca é pelo olhar nunca recebido. Seja como for, está na nossa programação arcaica buscarmos ser vistos, melhor que ser vistos é encontrar no olhar do Outro a confirmação de que se é especial.
Vestir uma roupa que dê a sensação de catapultar o usuário ao olimpo produz isso. Quem nunca na infância se sentiu acima do bem e do mal ao se fantasiar com roupas, ou algum adereço de seu super-herói preferido? Há casos de crianças que chegaram a pular de lugares altos na certeza de que sua capa de super-homem as permitiria voar. Adultos que já não cabem em roupinhas de super-heróis continuam buscando nas roupas (e demais símbolos de status) aquilo que lhes falta, seja o que for aquilo que lhes falta. Na psicanálise a falta é assunto profundo e extenso, ousarei simplificar. Em artigo de 1927 Freud fala sobre o fetiche como órgão faltante. No fetichismo busca-se no objeto, o falo que nos falta. Para a psicanálise, falo não é o órgão sexual masculino, mas o simbólico que representa o poder, aquilo que me completa e me empodera. Possuindo objetos fálicos, fantasio ser completo.
O sensacional do quiet luxury é que resolve várias questões culposas: Não sou fashion victim, não me interessam modismos predatórios, qualidade e atemporalidade são o que me importa, sou tão autoconfiante que não preciso que um logotipo me defina. E que os logomaníacos, herdeiros da burguesia de Bolonha lutem para copiar a sutileza de um blazer de cinco dígitos sem rótulo explícito. Divertido! Enfim, a moda do luxo silencioso é feita sob medida para nossas angústias contemporâneas, promete aplaca-las, nos borrifa com felicidade instantânea, alimenta fartamente nossos sintomas e por fim nos absolve. Até a próxima temporada do circuito Elisabeth Ardem*
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* polos dos principais desfiles de moda internacional: Londres, Paris e Nova Iorque