Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!
Por Yara de Barros – psicanalista - (@yara.de barros)
Há muito para se falar sobre as pioneiras da psicanálise, e elas são tantas, que não cabem aqui. Iniciarei fazendo justiça àquelas nunca lembradas: Justine, Augustine, Blanche e Rosalie, cuja importância seminal faz delas participantes do marco fundador do que viria a se desdobrar na psicanálise: as “loucas” do Hospital Salpêtrière sem as quais Charcot (1825 – 1893), famoso médico francês, não teria conhecido sua glória, e sem as quais o jovem médico Sigmund Freud não teria começado a elaborar sua teoria sobre o sofrimento com conversões histéricas.
Passemos agora para as pacientes, mitos fundadores da psicanálise: Anna O., Elisabeth von R., Emmy von N., Dora, Katharina, Lucy . Pseudônimos de mulheres adoecidas tratadas por Freud que foi médico e, também, aprendiz destas mulheres que cunharam termos, inspiraram técnicas e teorias que foram pilares da psicanálise no final do século XIX.
Início do século XX, idos de 1910, a ousadia, coragem e perseverança de algumas pioneiras quebraram paradigmas e reivindicaram um espaço no clube dos meninos freudianos, a famosa Sociedade Psicológica das Quartas-Feiras, criada em 1902 por Freud, e aberto às mulheres em 1910.
A médica Margarete Hilferding foi a primeira, Sabina Spielrein, também médica e cujo texto “A Destruição Como Origem Do Devir” é visto como precursor do conceito freudiano de pulsão de morte, a segunda. Neste grupo inicial também se destacam Hermine Hug-Hellmuth, a primeira psicanalista a diferenciar a análise de adultos daquela da criança, Lou Andreas-Salomé, russa de origem aristocrática, amiga de Nietzsche, Paul Klee e do poeta Rilke, muito admirada pelo Herr Doktor, a quem agraciou com o famoso anel da sociedade. Lou foi grande divulgadora das ideias de Freud junto à alta intelectualidade europeia e sua contribuição à psicanálise tem sido redescoberta na atualidade.
Se a geração anterior abriu as portas da diversão, a geração de 1920 incendiou o parquinho. No Congresso de Berlin em 1922 um marco histórico: a jovem psicanalista e feminista Karen Horney defendeu a ideia de que a inveja do pênis é consequência de uma feminilidade reprimida. Mais do que uma teoria, Horney defendia uma posição. É essa a cena de abertura para um novo status das mulheres no movimento psicanalítico (ROSA, 2018). Seguindo essas trilhas, nos encontramos com psicanalistas que escreveram sobre a sexualidade feminina, nos anos 1920. São elas: Jeanne Lampl-de Groot, Ruth Mack Brunswick, Joan Riviere e Helene Deutsch.
Ainda nesta década de 20, a vienense Melanie Klein veio para quebrar a banca, transformou totalmente a doutrina freudiana clássica e criou/aprimorou não só a psicanálise de crianças, mas também uma nova técnica de tratamento e de análise didática.
Me falta espaço para discorrer sobre outras pioneiras: Anna Freud e sua inovadora perspectiva teórico-clínica denominada psicologia do ego. A psicanalista (& princesa) Marie Bonaparte que pagou um resgate considerável para arrancar Freud das garras da Gestapo, salvou seus manuscritos e instalou-o em Londres com toda a sua família. Françoise Dolto que consagrou sua vida à psicanálise, tornou-se a figura mais popular na França freudiana, mas foi criticada pelos meios psicanalíticos, que a acusavam de pôr o divã na rua. Enfim, mulheres que fizeram a psicanálise mover-se adiante com criatividade disruptiva.
Freud era um homem do seu tempo, um vienense do século XIX. Mas teve a sorte de estar rodeado por mulheres inteligentes dispostas a explorar o que ele denominou como “o continente obscuro”. Sendo o feminino um objeto não tão apreensível para Freud, as pioneiras mergulharam nesse universo e o fecundaram. Desbravaram o terreno, adentrando em questões ainda não investigadas, e enriquecendo a psicanálise com a originalidade de suas investigações.
Sua força se fez notar por Freud que, numa conferência sobre o feminino em 1932, pergunta a Marie Bonaparte: “afinal, o que quer uma mulher? ”. Do alto de nossa posição no século XXI, fomentada pelas pioneiras, o feminino se posiciona em todas as frentes. O que quer uma mulher? Liberdade. A mulher quer o que quiser querer. E ponto final... ou ... inicial!