Por que os cenários de caos, terror e pós-apocalípticos atraem os adolescentes?

Os Nós da Mente

Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!

“O medo é um importante instrumento para organizar o mundo"
Divulgação/Pexels

Por Igor Alexandre Capelatto, psicanalista - Linktree

Existe um fascínio crescente entre os adolescentes (e os adultos) pelo cenário apocalíptico. Um cenário um tanto ficcional, mas, simbolicamente (metaforicamente), real. O que é esse cenário, que antigamente fazia parte das narrativas mitológicas, religiosas, literárias e cinematográficas e, hoje, intensamente presente nos games e séries (e ainda nos filmes)? Quando falamos em apocalipse, no caos, em um mundo destruído, em ruínas, em pessoas morrendo, sofrendo vírus, sofrendo com guerra nuclear e outras maneiras destrutivas, falamos em fantasia, mexemos com o imaginário. Uma fantasia que causa admiração, charme, apresenta algo que toca as pessoas, desperta um interesse pelo diferente, pelo desconhecido. Mas, é a narrativa do caos que chama atenção? Vamos pensar em Chernobyl, Coliseu, Normandia etc., esses lugares reais que apresentam ruínas de um pós-guerra. O que leva esses lugares a se tornarem pontos turísticos e chamarem a atenção de tantas pessoas?

O ser humano admira-se pelo caos, não porque admira a morte, a destruição, mas porque esses cenários trazem uma história de algo que se perdeu mas que foi superado. No lugar da guerra, da pandemia, os sujeitos começam a surgir: o coletivo começa a dar espaço às identidades. É nesse cenário que nascem os heróis, as personalidades... é nesse cenário que nos permitimos sermos nós mesmos. Talvez por dependermos “unicamente de nós mesmos”, como diz Calligaris. Em um jogo pós-apocalíptico o que conta é a sobrevivência do sujeito. O simbólico não do narcisismo, mas, como função de mostrar a capacidade de cada indivíduo.

“Em todos os fins do mundo que povoam os devaneios modernos, alguns ou muitos sobrevivem (entre eles, obviamente, o sonhador), mas o que sempre sucumbe é a ordem social. A catástrofe, seja ela qual for, serve para garantir que não haverá mais Estado, condado, município, lei, polícia, nação ou condomínio. Nenhum tipo de coletividade instituída sobreviverá ao fim do mundo. Nele (e graças a ele) perderá sua força e seu valor qualquer obrigação que emane da coletividade e, em geral, dos outros: seremos, como nunca fomos, indivíduos, dependendo unicamente de nós mesmos. Esse é o desejo dos sonhos do fim do mundo: o fim de qualquer primazia da vida coletiva sobre nossas escolhas particulares. O que nos parece justo, em nosso foro íntimo, sempre tentará prevalecer sobre o que, em outros tempos, teria sido ou não conforme a lei.” – Contardo Calligaris

Os adolescentes adoram esse lugar do apocalipse. Eles se veem lá: é um espelhamento. O lugar destruído é a casa, a escola, o mundo em si, os lugares onde eles estão. “Minha casa está um caos”. Também escuta-se que “o mundo é ruim e preciso descobrir como sobrevier neste mundo” – e as narrativas pós-apocalípticas tendem a “mostrar que sou capaz de tomar decisões por mim mesmo”.  Ali se projetam. E ali existe o medo: o perigo é um desafio e o ‘medo ajuda a organizar o mundo’ como dizem Mario e Diana Corso. O medo enquanto mecanismo de proteção contra os perigos – se estamos diante de um precipício e temos medo, a gente não avança e não cai, mas se não tem medo, a gente dá um passo à frente e cairá – e de formulação, portanto, de soluções para enfrentar o perigo. É assim que nascem os cientistas – diante do medo da morte que um vírus pode ocasionar vão buscar desenvolver medicamentos, vacinas, criar tecnologias de segurança etc. É assim que se desenvolve a criatividade – lembremos dos artistas e escritores que criaram textos, pinturas, esculturas, teatro, músicas, enfim, obras de arte que trazem como narrativa soluções para problemas que o mundo apresenta. 

O que, talvez, falte neste contexto, é perceber que, muitas vezes, quando um adolescente traz essa admiração pelo apocalíptico, pelo terror, ele não está dizendo que gosta da morte, que deseja a morte, que é rebelde e deseja destruir as coisas... mas que ele quer poder apresentar soluções aos problemas, ser reconhecido na sua individualidade, ser permitido a criatividade, busca de estratégias. Em um atendimento, ouvi de uma adolescente: “quando assisti aquela série, percebi que posso dar conta de resolver meus problemas sem ficar o tempo todo dependendo de um adulto”. E que “posso, assim, enfrentar o meu medo”.

“O medo é um importante instrumento para organizar o mundo: através dele classificamos o que é perigoso e o que é confiável, o que é seguro e o que inspira cuidados. Sabendo o que temer podemos também relaxar quando estamos longe e a salvo do que nos apavora. O medo nos livra da angústia que é mais insuportável. Por ser constituída de sensações vagas, portanto não ter um objeto claro que represente a ameaça, ela nos deixa reféns de tudo, é puro sofrimento. Quando elegemos algo para ter medo nos livramos dela”. – Mario e Diana Corso

O mundo destruído simboliza esse lugar caótico do dia a dia, dos estudos intensificados de conteúdo, das cobranças familiares, das cobranças dos grupos sociais, das redes sociais, etc., e ver um personagem que ali enfrenta tudo sozinho e precisa dar conta do medo, da angústia, da ansiedade, do caos, é um espelhamento desafiador e fortificante para o ego. Enfim, vale lembrar que aquilo que se opõe à realidade é atrativo, pois, além de fuga do comum, traz em si uma narrativa de mudanças: ao mesmo tempo que ‘o não é mais o mesmo’ pode dar medo e insegurança, também oferta a ideia de transformação e de superação.

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