Por que é tão difícil perder um ente querido?

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Os Nós da Mente

Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!

Por que é tão difícil perder um ente querido?
Divulgação/pexels

Por Igor Alexandre Capelatto, psicanalista - linktr.ee/igorcapelatto

Qual é a dor maior do que a dor de perder alguém? Parece que essa pergunta é um tanto retórica e improvável de se responder. Preencher o vazio dessa perda é algo que parece impossível. Muitas pessoas entram em depressão tão profunda que caem em uma melancolia, e lá ficam, estagnadas, sem vontade de fazer nada. Há aquele sentimento que não consigo suportar a sensação de estar sozinho (mesmo que haja outros). Algumas não conseguem aceitar a perda, e vivendo uma negação da morte do outro, passam a atuar naquele lugar da crença do outro ainda estar lá. Colocam o prato na mesa a espera, ficam na porta de casa aguardando a chegada, arrumam a roupa e outros objetos como se a pessoa fosse usar. Por que é difícil suportar a perda de alguém?

“Mesmo sabendo que um dia a vida acaba, nós nunca estamos preparados para perder alguém”.- Nicholas Sparks

O cérebro humano tem uma conexão importante entre o lobo frontal e o lobo temporal. Essa conexão é a que nos permite elaborar sentido das imagens, dos signos. No lobo frontal é onde concebemos nossa personalidade, articulamos os pensamentos e as emoções. No lobo temporal está o registro de todas as nossas percepções, sensações, é ali que fica a memória. Para conceber um pensamento, elaborar uma ideia, é preciso acessar os códigos, imagens, informações que temos registradas. Imagine que esses sentimentos estão abalados pela perda, e que estão acessando constantemente a memória. É uma tempestade, um caos emocional. Abala diretamente nosso ego e nos coloca numa sensação angustiante, de um vazio intenso. 

Para dar conta desse processo neurológico e psíquico, é preciso compreender que para organizar o cérebro, para organizar nossa psiquê, é necessário reestruturar a maneira como estamos organizando todos esses signos. Colocar para fora o que estamos sentindo é fundamental para poder perceber como estamos interpretando este sentimento ruim da perda. Por que a psicanálise, entre outros terapias ligadas a saúde mental, tomaram como base a fala? Fazer o paciente falar é estimular essas duas áreas, é colocá-lo para acessar  a memória e as emoções simultaneamente. Essa fala, que (neuro)cientificamente se atribui muito a vocalização das palavras, também compreende a fala através dos gestos corporais e das expressividades simbólicas (um desenho por exemplo). Qualquer que seja o mecanismo da fala, é por assim dizer, expressando a dor da perda que a pessoa é capaz de iniciar a elaboração essa perda.

Essa fala é o meio fundamental para iniciar o processo desta elaboração, a qual chamamos de luto. Mas o que é o luto? O luto nada mais é do que um ritual de pôr para fora a dor e a raiva da perda e, assim, começar um processo de compreensão - não é aceitar no sentido de consentir, mas na ideia de entender os sentimentos envolvidos, preencher o vazio e colocar o ente querido que se foi, num lugar de lembrança saudável. 

Não é fácil, pois a dor da falta vai intensificar em alguns momentos deste processo. O tempo do luto é o tempo de cada sujeito. Essas regras fundadas na rotina das escolas, faculdades e do trabalho, que determinam um tempo específico de licença ao sujeito que perdeu um ente querido, são um tanto atribuladas. Gosto de lembrar da história dos índios norte-americanos da tribo Sioux, em que quando uma pessoa perde um ente querido, a tribo se organiza para cuidar desta pessoa, de suas tarefas diárias, enquanto ela fica num lugar que ela escolhe ficar (muitas vezes a sua cabana) e lá fica o seu tempo necessário para elaboração do luto. Quando a angústia aperta e precisa de um outro acolhendo sua fala, há um sábio da tribo (pajé) que faz o papel, que hoje vemos os psicanalistas, psicólogos, entre outros profissionais realizando.

O que mais me incomoda, nos dias atuais, e como psicanalista acompanho na clínica, muitos traumas e depressões recorrentes deste fato, é como a sociedade contemporânea vem se estruturando num lugar de negação do luto. A dificuldade de entender a dor do outro, desta perda. No trabalho, a pessoa volta a rotina, sem um espaço para falar deste sentimento, na escola, volta e tem que concentrar nas aulas, nas provas... não há tempo hábil para o luto e  não há esse lugar para ser acolhido. Com emocional abalado, o que resulta são sintomas graves – depressão, melancolia, algumas doenças psicossomáticas. E tudo começa no velório onde a expressão da dor está acontecendo e alguém logo chega com um copo de água com açúcar ou um calmante.

“Há muitas razões para se fugir de encarar a morte calmamente. Uma das mais importantes é que, hoje em dia, morrer é triste sob vários aspectos, sobretudo é muito solitário, muito mecânico e desumano.” – Elizabeth Kubler-Ross (Sobre a morte e o morrer,1981). 

O que procuro ofertar como aprendizado é que, a família, os amigos, os professores, os colegas e diretores de trabalho, permitam que a pessoa que perdeu um ente possa expressar-se. Dar esse espaço para que se sintam seguros e possam elaborar suas dores. Importante lembrar que nem todos tem acesso a terapia.

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