Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!
Por Rodolfo Medina, Filósofo e Psicanalista - rdfmdn@hotmail.com
Hoje tentarei conversar contigo, mas falando comigo mesmo. Não vou ter filtros para expressar os sentimentos, e espero que se livre dos seus quando ler. Falar de paternidades é importante. Mas também não dá para ficar floreando muito ou achando que é tudo mil maravilhas. As dificuldades são imensas, os homens sempre se silenciaram, e, agora que resolveram falar, muitos colocam um pano tão “cor de rosa” na paternidade, que parece irreal e falso.
Mas é claro que essa conversa precisaria ter um norte, e, também, um escopo. Afinal, é impossível esgotar o assunto, e até mesmo impossível dialogar com todas as formas de ser pai hoje em dia. Eu não consigo analisar a paternidade sem colocar o peso da minha própria. E esta é um jeito de ser, não o melhor, nem o certo, muito menos o exemplo. Existem diversas e milhares destas formas, cada qual com seus desafios e intempéries, mas também com suas conquistas e alegrias. Sendo assim, utilize aquilo que lhe for útil, e descarte o que não servir. A conversa deve fluir livre. A análise também.
Optei por usar o “Totem e Tabu” de Freud. Bem clássico, de diversas possibilidades de interpretação quanto ao tema referido, mas na ousadia de escrever sobre esse tema, assim escolhi. Novamente: sem a pretensão de esgotar o tema ou dar respostas finitas à temática.
A primeira ideia que julgo importante compartilhar é a santificação de pais que participam da vivência paternal. Há um caráter sagrado da paternidade, que é preciso pensar sobre. O exemplo a ser seguido. O detentor da sabedoria extrema. Aquele em quem a criança se apoia quando encontra suas dificuldades. Aquele em quem a filha confia sem questionamentos. A sacralidade imaginada desta figura, que não tem defeitos.
É necessário desconstruir essa ideia. Não há nada de sacro nesta figura. Os defeitos continuam por ali. Os questionamentos sobre a vida também. A insegurança, a falta de experiência, os percalços. A raiva que se tem nas noites mal dormidas. A vontade de sumir quando julga não ser possível mais aguentar os choros sem fins e justificativas. O grito depois de tentar segurar por mais de mil vezes, e aquela contagem até 10 que só dá certo em filmes. O processo doloroso de não ter mais um tempo para si sem interrupções.
Talvez romper com isso seja uma problemática para muitos. E não estou aqui falando que o oposto é verdadeiro. Que o pai tem que abandonar as noites, as crianças, a mãe. Não estou falando que o contrário seja a resposta.
Torna-se assim, inquietante e perigoso tratar destas questões. Em um momento em que a vida vale mais na postagem bonita das redes sociais, colocar na mesa as ansiedades paternas podem ser mal interpretadas. Ou, até mesmo, compreendidas, mas não assumidas. Com medo de enfrentar o que é proibido, impuro.
É preciso realmente pintar um mundo “cor de rosa” na paternidade? Seria só assim que os modelos paternos seriam aceitos pela sociedade?
Outro dia, refletindo sobre esse tema, escutava um podcast que pretendia falar sobre psicanálise e paternidade. Um dos rapazes comentava que tinha vontade de renunciar a sua vida para cuidar da felicidade de sua companheira e seu filho. Essa fase já aconteceu contigo também? Talvez no início romântico da criação isso possa aparecer. Comigo foi assim. Parecia que o mundo todo não importava, e que ali se bastasse por inteiro em todos os âmbitos. Fazer outra pessoa feliz, eis minha função na vida.
Seria lindo se fosse assim eternamente. Teríamos muito material para filmes românticos e com potencial anestésico. Todavia, essa fase, aparentemente, passa. Seria esse o encontro entre o sagrado e o impuro? Talvez se vá de sacralidade à proibição no mesmo dia. As vezes até em instantes subsequentes. O olhar da criança em êxtase quando auxilia a montagem de um brinquedo, até a pancada que leva quando diz que não vai comer doces antes de jantar. O pai vai do exemplo ao odiado em 3 segundos. E como lidar com isso?
Em “O pai e sua função em psicanálise”, Joël Dor descreve que há “diferentes investimentos” que a figura paterna faz para a construção da criança. E este deve ser o sentimento que perpassa a minha escrita. Quantos investimentos fazemos em direção ao outro, e que, muitas vezes, abandonam os investimentos que fazemos em nós mesmos? Seria justo isso? Seria sacro? Seria proibido não fazer assim? Impuro talvez?
A provocação segue neste rumo então. Na sua paternidade, se deixa pintar de “cor de rosa”? Até quando vais fingir que está tudo bem? Quer demonstrar um ar angelical, intocável, endeusado?
E você que já não aguenta mais esse filme brega, chutar tudo é a resposta? Abrir mão, fugir, explodir...
Há caminho do meio? Há necessidade de entender que em um momento, sacralizado, és o herói de seus filhos, e no instante seguinte é importante que não seja e que se deixem levar pela raiva que tens de ti quando negas o desejo? Seria possível compreender tudo isso sem culpa? Sem medo? Sem desanimar?
Quais possibilidades de “SER PAI” encontramos por aí?
Talvez não tenhamos as respostas, e nem precisemos muito delas. O importante, no meu entendimento, é ampliar a reflexão, e não se deixar limitar por padrões estabelecidos de uma questão muito individual e íntima. E procurar ajuda sempre que precisar!