Os vínculos líquidos da Era Digital: uma perspectiva psicanalítica

Os Nós da Mente

Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!

As relações líquidas estão relacionadas à cultura do descartável
As relações líquidas estão relacionadas à cultura do descartável
Divulgação

Por: Vera Lúcia B. Baroni, psicanalista - @vera.bbaroni_psi

“Vivemos tempos líquidos. Nada é para durar”. (Zygmunt Bauman)

Navegando pelas águas agitadas das relações humanas na era digital, é inegável que testemunhamos uma transformação profunda em nossas interações sociais e nos vínculos afetivos que desenvolvemos através dessas interações. 

Segundo o psicanalista Pichon-Rivière, os vínculos afetivos são moldados por situações específicas, contextos sociais e históricos, o que torna cada vínculo único e mutável. Considerando esses aspectos, o conceito de “relações líquidas”, cunhado pelo sociólogo Zygmunt Bauman, se torna ainda mais atual e relevante. As relações humanas têm se tornado voláteis, efêmeras e facilmente descartáveis. Quando trazemos a psicanálise para essa reflexão, podemos começar a desvendar as camadas mais profundas dessas relações líquidas que permeiam a sociedade contemporânea. 

Ao olharmos mais de perto, percebemos que as relações líquidas estão intrinsecamente conectadas à fluidez e à fragilidade dos vínculos afetivos. Através das redes sociais e aplicativos de mensagens, somos capazes de construir conexões instantâneas, mas, também, efêmeras. As amizades e romances são forjados com facilidade, mas podem se dissolver com a mesma rapidez. A psicanálise nos ensina que a natureza fluida dessas relações pode ser um reflexo do medo do compromisso profundo e da intimidade, uma fuga da vulnerabilidade e do risco emocional. 

O advento da tecnologia também trouxe consigo um novo paradigma para a intimidade e a privacidade. As fronteiras entre o público e o privado se tornaram fluidas, e a exposição de nossa vida pessoal é agora a norma. Nas redes sociais, criamos personas cuidadosamente construídas para o público virtual. Essas identidades digitais, muitas vezes, não refletem nossa totalidade, mas apenas os aspectos que desejamos compartilhar. Atrás dos perfis cuidadosamente construídos, muitas vezes, escondemos nossas angústias e medos mais profundos, perpetuando um ciclo de autenticidade questionável. A psicanálise nos alerta para os conflitos internos dessa prática: a perda da individualidade e a fragmentação da identidade, pois buscamos incessantemente aprovação e validação, mas, ao mesmo tempo, sentimos uma desconexão com nossa verdadeira essência. 

Além disso, as relações líquidas estão intimamente relacionadas à cultura do descartável e à busca incessante por gratificação imediata. O ato de deslizar o dedo na tela de um smartphone para selecionar parceiros em potencial parece refletir uma mentalidade em que as pessoas são facilmente substituíveis e trocáveis. Essa falta de investimento emocional e a constante busca por novidades podem levar a um vazio existencial e a um sentimento de insatisfação crônica. A psicanálise nos alerta sobre o risco de nos apegarmos ao prazer imediato e evitarmos enfrentar as dificuldades interpessoais, negando-nos a oportunidade de amadurecer emocionalmente através do compromisso e da resolução de conflitos. 

Em síntese, a psicanálise nos convida a uma profunda autorreflexão e à busca por uma compreensão mais profunda dessas relações líquidas. É essencial explorar a natureza fluida de nossas conexões e questionar se estamos verdadeiramente satisfeitos com essa superficialidade constante. A busca por relacionamentos significativos e conexões mais autênticas requer um mergulho nas profundezas de nossas emoções e uma disposição para nos comprometermos além das aparências digitais. 

Portanto, à medida que navegamos nesse oceano de relações líquidas, vale a pena considerar o que realmente valorizamos em nossas interações humanas. Será que estamos dispostos a navegar além da superfície, a mergulhar nas águas mais profundas das emoções e a construir laços duradouros? Ou continuaremos flutuando na superfície, em busca de novas ondas que nos distraiam momentaneamente? A resposta está dentro de cada um de nós.