O que a cultura faz de nós?

Um breve ensaio sobre as máscaras

Os Nós da Mente

Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!

As máscaras de cada um
Divulgação

Por Marcio Garrit, psicanalista e filósofo -  @marciogarrit

 “Você tem filho? Então pode ter! O Lula vai pagar R$ 150,00 por filho... (risos) Sabe o que vai dar né? As favelas vão se multiplicar!” E assim começou meu dia em um lugar qualquer em um dia qualquer. Um “cidadão de bem” me aborda com essa “brincadeira” típica de quem partilha do que há de mais podre no nosso país ultimamente: a mentalidade neofacista! Quando esse sujeito se afastou, imediatamente fui pego pela seguinte reflexão: “O que será que aconteceu na história dessa pessoa para vestir uma máscara tão pútrida? Quem o feriu? Quem o invalidou? O que a sociedade faz conosco? Quais máscaras ela nos obriga a vestir?”

Partindo disso, lembro de um livro que li há muitos anos chamado Confissões de uma máscara (1945) de Yukio Mishima. Esse livro é um romance autobiográfico que conta a história de Koo-Chan. No mar de infortúnios que o protagonista do romance vive, lembrei da passagem de sua infância na qual Koo-chan foi obrigado a conviver com sua avó. Uma mulher muito doente que vivia em um ambiente fechado, úmido e triste. Ou seja, convivendo com isso, ele se identifica com isso! Sua vida é marcada com complexidades que se evidenciam pelos sintomas nada simples de entender. Koo-chan veste a máscara que lhe coube, ou melhor, a máscara que lhe entregaram como a única opção para viver em sociedade.

 E é isso que acaba acontecendo conosco, nos entregam uma máscara, te obrigam a usá-la e depois você percebe que isso não te caiu bem. Infelizmente a última parte só acontece com uma minoria.

Freud, em seu livro Totem e tabu (1914) nos lança o paradoxo da vida em sociedade, e como todo paradoxo, é instigante e limitante. 

Para viver em sociedade você é obrigado a recalcar seus desejos mais profundos, porém, isso que te obrigaram a recalcar não ficará estático no inconsciente, muito pelo contrário, voltará reclamando a não satisfação de outrora, porém, volta como sintoma. Um sintoma que terá como única e exclusiva função a destruição daquilo que é o único lugar possível, a cultura. Até porque não existe um lugar fora da cultura para o sintoma reclamar alguma coisa. Eis o paradoxo: A sociedade precisa se proteger dos não limites do seu desejo, porém, não há outro lugar para esse desejo reclamar a sua não satisfação. Obrigado Freud....

            Lembra daquele sujeito do início do texto? Por que ele veste a máscara da onipotência, da superioridade, da marginalização do outro? Esse outro que ele quer encurralado nas favelas a R$ 150,00 não seria a representação de um Outro? No final é isso que o sintoma é, uma grande representação dos nossos impedimentos de ser.  Com isso, miramos automaticamente em um outro que representa o Outro que nos impediu. Demandamos por ele, perseguimos ele, engolimos, regurgitamos, destruímos e amamos, sem medida. E a cultura? Para a cultura só sobra o mal-estar, que como dito por Freud é inerente a ela, a nossa vida, cuja felicidade não consta nos planos da criação.

            Precisamos continuar tentando encontrar maneiras de construir formas de estruturar uma sociedade que consiga ver no outro um aliado. Que possa suportar a diferença do outro, se sensibilizar frente à precariedade e não se orgulhar por deter o poder.  Até porque, como diria Jean-François Brient, o poder precisa ser destruído!  Termino esse texto com os dizeres de Judith Butler, registrado em seu livro Vida precária (2019);

“O corpo implica mortalidade, vulnerabilidade, agência: a pele e a carne nos expõem ao olhar dos outros, mas também ao toque e à violência, e os corpos também ameaçam nos transformar na agência e no instrumento de tudo isso. Embora lutemos por direitos sobre nossos próprios corpos, os próprios corpos pelos quais lutamos não são apenas nossos. O corpo tem sua dimensão invariavelmente pública. Constituído como um fenômeno social na esfera pública, meu corpo é e não é meu.” [pág.189]

Pensemos...

Utilizamos cookies essenciais e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.