O “furacão Taylor Swift”, no Rio de Janeiro, e nossas juventudes

O que é possível aprendemos?

Os Nós da Mente

Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!

Taylor Swift em turnê pelo Brasil
Taylor Swift em turnê pelo Brasil
Reprodução/Instagram

Por Claudia Gindre, psicóloga e psicanalista - @claudiagindrepsicologa

Desde a última sexta-feira, a cidade do Rio de Janeiro foi palco de uma série de acontecimentos concomitantes que, se analisados em seus atravessamentos, podem nos permitir refletir sobre o estado de coisas que uma civilidade bastante precária parece refletir.

Toda a ansiedade e expectativa que antecedeu a vinda da cantora pop estadunidense, aos palcos de duas grandes capitais do Brasil, foi frustrada maciçamente por episódios trágicos e enorme desconforto para os fãs.

Um show cujo valor poderia ter sido justo para um evento justo. Mas, faltou justiça, senhoras e senhores. E jovens e adolescentes que, com maior ou menor dificuldades, arcaram com todos os custos, estiveram longe de serem respeitados ou receberem a consideração e todo o amor incondicional dispensados à ídola. Incondicional: nada foi pedido em troca.

Letras que comovem os jovens

Segundo José Outeiral, saudoso psicanalista, “o adolescente é um passivo-observador de suas próprias mudanças e se vê inundado por um sentimento de impotência, que pode acarretar em muitas angústias.”

Se observarmos as letras da cantora, trazem temas que tendem a agradar esse público tão vulnerável devido ao processo de transformações que atravessa e o sentimento de angústia que o acompanha.

Ao observar a comoção dos jovens, ainda antes da chegada da cantora ao país ,me perguntei, por várias vezes, se a fórmula utilizada não se traduzia numa estratégia pouco criativa de escrever as palavras certas para o público certo. Frases de vitimização, um tanto melancólicas, prontas para dialogar com os afetos próprios da adolescência e fazer cada um e cada uma daquelas jovens, acreditarem que as letras dialogavam com o que há “de mais profundo no seu ser.”

Ocorre que Taylor é uma mulher adula de 33 anos, muito bem assessorada por equipes de marketing, advocacia, finanças, investimentos e até música.  Confirmam o segredo de sua fórmula de sucesso: transformar cada rompimento afetivo em material de divulgação para o lançamento de mais músicas com o tema monocórdico que tanto “emociona”.

Se o adolescente está passando por um luto em relação ao seu antigo corpo e à sua antiga mente ao mesmo tempo que precisa aprender a viver com o seu “novo” corpo e sua “nova” mente. Então, modelos como os que Swift apresenta parecem tocar em sua dor, causando sua identificação com o artista.

Mergulhando no significado dessas letras, ele tende a voltar-se a si mesmo, em suas fantasias, devaneios e sonhos, interferindo na sua capacidade de ver as coisas com criticidade.

A turnê pelo Rio de Janeiro e a série de acontecimentos lamentáveis.

Os três shows da artista foram marcados por tragédias, imenso desconforto dos fãs e o movimento aparentemente intencional de que este evento permaneça esquecido no currículo de Taylor Swift.

Vir ao Rio de Janeiro e desconhecer que o clima por aqui é marcado por ondas de calor intenso consiste em ingenuidade (bastante improvável para quem tem uma carreira marcada por tantos prêmios em seu próprio país), ou descuido com um grupo de fãs que cultivam uma verdadeira adoração por Swift. Estar aqui e fechar os olhos para o fato de que estávamos enfrentando o dia mais quente do ano, nem tampouco se certificar sobre as condições em que o show aconteceria é inconcebível para uma artista de seu porte. Creio que sua equipe esteja melhor preparada do que demonstrou.

Ou o foco seria fazer o show, terceirizar todas as precauções para a equipe organizadora, ignorar as péssimas instalações em que seu público se encontrava e receber seu cachê no final do show?

Para Freud em “Mal estar na cultura “ vivemos a dicotomia entre querer satisfazer todos os nossos desejos ou abrir mão em nome da coletividade. Swift demonstrou qualquer coisa menos o interesse em abrir mais dos seus interesses individuais em prol da preservação da nossa cultura.

Na sexta-feira, dia 17, a vedação do estádio Nilton Santos com tapumes, o esquema de iluminação do show, o calor escaldante da cidade, aliados à proibição de oferta de água potável ao público obrigando-os a comprar a que estava à venda no estádio tornou as altas temperaturas insuportáveis. Mil pessoas desmaiaram no local. 

Tudo isso, culminou com o óbito de uma jovem  negra de 23 anos. A moça era uma fã fervorosa (perdoe pela redundância) que sofreu três paradas cardíacas e, embora tenha-se realizado exame de autópsia, a polícia acredita que antes de um mês, não haverá uma causa conclusiva (sic).

No dia 19/11, sábado, o dia mais quente do ano de 2023 na cidade, após situações constrangedoras e dolorosas para os fãs ao longo de todo o dia, uma voz anunciou nos alto-falantes, às 18h, que o show seria adiado para segunda-feira, dia 20/11.

Exaustos e inconformados, só restou aos fãs mais resignados desse universo, retornar à casa atravessando arrastões no entorno do estádio, correndo, buscando contato com seus condutores ou buscando o transporte público. Muitos com as solas dos pés queimadas pelo alumínio que forrava o chão do estádio.

E, na madrugada de domingo, dia 19, algumas horas antes de assistir ao último show da cantora norte-americana, um jovem de 25 anos foi morto a facadas num assalto nas areias de Copacabana, um dos maiores cartões postais da cidade.

“Grande pátria, desimportante.

Em nenhum instante, eu vou te trair

Não, não vou te trair!” (Cazuza).

Segundo informações da Wikipédia, “Swift é uma das pessoas mais seguidas nas mídias sociais; em outubro de 2023, ela tem mais de 273 milhões de seguidores no Instagram, 94 milhões de seguidores no Twitter e 54 milhões de inscritos no YouTube. Ela é conhecida por suas interações on-line amigáveis com seus fãs. Ela entregou presentes de natal aos fãs por correio e pessoalmente, num evento chamado "Swiftmas", e considera sua "responsabilidade" estar consciente de sua influência sobre os seus fãs jovens. Ela chamou seus fãs de "o melhor e mais longo relacionamento" que ela já teve.

A contar pelo cuidado com seus fãs estadunidenses fica patente que a vinda ao Brasil foi apenas um negócio. Nossa população não mereceu a mesma dedicação.

Nenhuma palavra foi proferida em menção à morte de Ana Carolina e Gabriel. A seguinte música foi apresentada, deixando aos fãs, a esta altura ainda se agarrando na veneração à cantora, a esperança de que tenha sido uma homenagem à Ana Carolina.

Título: “Bigger than the whole sky”

“Goodbye, goodbye, goodbye

You were bigger than the whole sky

You were more than just a short time

And I've got a lot to pine about”

“Adeus, adeus, adeus

Você era maior que todo o céu

Você era mais do que um curto período de tempo

E eu tenho muito o que lamentar”

Não é exatamente uma referência à fã brasileira ou a tudo que se passou nos dias dos shows. E sim, mais uma de suas letras relacionadas à perda. Somente o desejo de redimir sua musa da omissão, desumanidade e da diferença com que trata os fãs do seu país de origem e tratou os fãs brasileiros, fez com que nossos jovens encontrassem algum alento na canção.

Típico “desmentido” Ferencziano. Faz-se o que se quer para fazer crer no que os outros querem crer. 

Os corações e as almas “colonizadas” pelo poder do estrangeiro cega nossa juventude tão ávida por ídolos pasteurizados e amores “plastificados”.

Você pode ter amado o show e ainda assim reconhecer que a artista errou…

Taylor Swift e sua equipe se esforçaram por jogar “uma pá de cal” sobre o assunto. A esta altura, obviamente, já tinham percebido que a empresa responsável pela logística e organização, T4F, trabalhou para a maxização de seus lucros,  ignorando a proteção aos fãs.

Enquanto isso, os pais da jovem Ana Carolina, sem notícias da filha já falecida e sem recursos para o translado e enterro do corpo, recorrem a vaquinha virtual organizada pelas fãs de Swift para levar a filha morta para a despedida final.

Ela partiu cheia de esperanças e alegria e retornou morta. Ela concluiria seu curso superior em psicologia no próximo ano e, quem sabe, trouxesse uma vida mais digna aos pais tão simples. 

Um sonho destruído, promessas não cumpridas e uma estrela norte americana que consegue performar sobre o corpo de Ana, falecida durante o seu show e de Gabriel, vítima da violência urbana que assola a cidade.

Não citou os nomes, não telefonou para as famílias, não ajudou financeiramente com o enterro. Não podemos afirmar que foi uma orientação jurídica. Mas, em momento algum se questionou a sua responsabilidade pelo ocorrido.  Nem seria possível. 

Sua desumanidade escancarada ficou em questão. Sua ética com o trabalho, com os fãs tratados de forma menos cuidadosa talvez por não ganharem em dólar.

Reconheçam meus queridos fãs. Sua estrela bilionária perdeu uma bela oportunidade para brilhar de verdade.

Pensei sobre as famílias que deixaram seus filhos adolescentes irem ao show no sábado depois do ocorrido na sexta-feira.

Pensei na necessidade que o jovem tem em se sentir “barrado” para se sentir seguro. Ele, na verdade, clama por isso.

A crise climática e os desdobramentos para a vida cotidiana

Muito se fala sobre a crise climática e os riscos que corremos como humanidade. Os episódios mencionados aqui fazem parte disso.

Para quem tem acesso a bens materiais sem esforço, fica a oportunidade de perceber que se os mais vulneráveis podem perder as suas casas por causa das chuvas fortes , os mais ricos perderão “seus showzinhos” porque a arena está uma estufa.

Ainda aí, Taylor Swift perdeu uma grande oportunidade de falar sobre isso no seu show.

Difícil acreditar que Rihanna ou Lady Gaga perderiam uma oportunidade dessas.

Mas, por outro lado, quem é mesmo a estrela bilionária que utiliza um jatinho particular recordista na emissão de gases poluentes na atmosfera?

“Não se pode servir a dois “senhores” ao mesmo”

Por fim, circula na internet a notícia que a mãe de Taylor, Andrea Swift, já havia pedido que a filha não viesse ao Brasil. Pois eu, já desejo que a estrela jamais contrarie a própria mãe.

Nossos jovens merecem ídolos melhores. Que escolham de forma mais criteriosa em futuras oportunidades!