Por Vera Lúcia B. Baroni, psicanalista - @vera.bbaroni_psi

“Família é prato difícil de preparar.
São muitos ingredientes.
Reunir todos é um problema.
Não é para qualquer um.
Os truques, os segredos, o imprevisível.
Às vezes, dá até vontade de desistir...” (Francisco Azevedo)

No último mês, as redes sociais foram sacudidas pelo drama envolvendo a família da jovem atriz brasileira, Larissa Manoela. A atriz, cantora, dubladora e empresária, que já figurou num ranking da internet como a nona personalidade mundial que mais fatura no Instagram, veio a público para denunciar a relação abusiva dos pais em relação a ela e a seu patrimônio financeiro. 

A denúncia pública foi feita através de um programa de TV aberta de grande audiência e chocou os fãs da atriz, uma vez que a imagem que eles tinham era de uma família unida e feliz. Desde então, os canais de notícias envolvendo celebridades não param de trazer novas revelações sobre os supostos abusos praticados pelos pais da atriz contra ela.

Esse episódio, por mais lamentável que seja, trouxe à luz a complexidade das relações familiares, provocando reflexões e debates que podem enriquecer nossa compreensão sobre as múltiplas nuances que o romance familiar pode assumir, na intimidade dos nossos lares.

O conflito com os pais da atriz teria tido início quando, ao atingir a maioridade, ela manifestou o desejo de assumir o controle da sua carreira artística e das suas finanças, até então administrados por seus pais.

Crescer significa ocupar o lugar dos pais. (D.W. WINNICOTT)

Essa afirmação de Winnicott nos ajuda a compreender, em parte, os anseios da jovem atriz, no sentido de assumir as rédeas da sua própria vida e carreira. Ela cresceu e quer assumir seu lugar no mundo adulto, tornando-se senhora de suas próprias decisões e escolhas. 

Mas, e quanto aos pais? Como podemos compreender as atitudes de pais que resistem em permitir a emancipação de seus filhos, mesmo quando estes atingem a maioridade? Assim como a psicanálise nos ajuda a compreender os anseios dos filhos, ela também nos oferece insights valiosos, que ajudam a interpretar o que move os pais nesse conflito intergeracional. 

Pais que enfrentam medos e inseguranças inconscientes podem buscar controlar a vida de seus filhos como uma forma de evitar a separação. O conceito de narcisismo oferece um interessante viés a essa questão, contribuindo para a compreensão sobre o excesso de possessividade de muitos genitores. Segundo Zimerman, uma das características do narcisismo está na negação de verdades que afrontem sua ilusão de onipotência em relação ao outro. Ou seja, pais narcisistas teriam dificuldade em aceitar que os filhos têm direito a uma vida autônoma, não são suas posses, não estão sob seu controle total e têm o direito de serem diferentes desses pais.

Outro conceito psicanalítico, que oferece mais um viés de interpretação a essa questão, é o de identificação projetiva. Segundo esse conceito, desenvolvido por Melanie Klein, pais possessivos estariam projetando partes do seu eu interior sobre seus filhos, passando a vê-los como se fossem partes de si mesmos, levando-os a tentarem dominar e controlar esses filhos.

Essas são apenas algumas possibilidades de interpretação que a psicanálise nos oferece e que abrem o caminho para uma abordagem psicoterapêutica, que ajude pais e filhos a harmonizarem seus interesses e necessidades.

Em síntese, refletir sobre esse drama envolvendo Larissa Manoela e seus pais, nos alerta sobre a importância de abordar as complexidades das relações familiares e de buscar ajuda psicoterapêutica adequada, antes que os conflitos assumam proporções explosivas como, lamentavelmente, aconteceu no caso da atriz.