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Nasce um bebê, nasce uma mãe?

Os Nós da Mente

Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!

Nasce um bebê, nasce uma mãe?
Nasce um bebê, nasce uma mãe?
Foto/Freepik

Por Marina Moreli - @marinamoreli

There is no such a thing like a baby. Foi em 1964 que o pediatra e psicanalista Donald Winnicott proferiu o célebre aforismo afirmando que o bebê não existe. A priori, a frase soa estranha, afinal, como pode aquele sujeito com demandas infinitas não existir? Com uma longa experiência na pediatria, Winnicott não demorou a perceber que os desconfortos expressados pelo bebê só podem ser nomeados pela mãe (ou por aquele que realiza a função materna). Ao ouvido do outro, não há diferença. Mas é o cuidador quem oferece as bordas. Sem cuidados maternos, entretanto, não há bebê.

No âmbito social, a chegada de uma criança é vista como o momento mais realizador na vida de uma mulher. Neste intervalo de tempo chamado puerpério parece não haver espaço para tristeza, arrependimento, melancolia e frustração. No dicionário, esse gap é descrito como: “período que se estende do parto até que os órgãos genitais e as condições gerais da mulher estejam normalizados”. Nem a descrição gramatical consegue dar conta dos percalços do pós-parto. Não cabe, porém, patologizar este tempo inerente para todas que gestaram e pariram. Na mesma fúria com que o puerpério chega, ele termina. Com duração variável, alguns estudos afirmam que o período puerperal pode durar até o fim da amamentação. Outros são pragmáticos ao dizerem que as variações emocionais podem permanecer por até três anos.

O fato é que o puerpério é um período de grandes elaborações psíquicas. Ao mesmo tempo em que é necessário atravessar o luto de uma vida que não existe mais, é de suma importância adotar essa criança, afinal, todo bebê necessita ser adotado.

É a mãe quem faz do bebê um filho, se identificando com o desamparo deste novo ser. Estão ali, imersos em uma nova elaboração, dois sujeitos desamparados. A psicanálise trabalha com sujeito no um a um. Ainda que algumas mulheres sejam tomadas de um estado puro de alegria neste momento, é importante frisar que não há relacionamento instantâneo. Constituir-se mãe é uma estrada em que não há fim.

Para Fernanda Leal, psicanalista e autora do livro ‘A tristeza comum da mãe’, oscilações de humor com a chegada do bebê são muito mais comuns do que se imagina. É curioso, porém, que este ainda seja um tabu contemporâneo, visto que a psiquiatria já estuda o tema desde 1838. Entretanto, naquela época, os sentimentos confusos e ambíguos eram travestidos pelo nome de loucura puerperal. Apesar da nomeação ter sido alterada, essa é uma realidade silenciada. Ao passar pela oscilação de humor, a mulher-mãe é vista como alguém que não desejou o seu filho e/ ou não está em plenas condições psíquicas para sustentar essa relação.

Semelhante ao que Winnicott chama de preocupação materna primária (período de extrema sensibilidade da mãe no que diz respeito aos cuidados com a prole), o baby blues proporciona uma posição depressiva que facilita o aprofundamento da conexão com aquela criança. Importante frisar que o humor depressivo não é o mesmo que a depressão puerperal. Trata-se de um estado fundamental para que ocorra a identificação daquela nova mãe com este bebê, afinal, uma mulher em estado de mania ou agitação constante teria dificuldades em se dedicar a este encontro e criar uma relação para além do vínculo.

Não há como viver a maternidade sem passar por inúmeras quebras de expectativas. No puerpério, caem os castelos de cartas imaginários, tanto do bebê que foi idealizado, quanto da mãe que imaginava estar em determinado padrão não condizente com a realidade. Essas contingências podem ser avassaladoras para o psiquismo, revirando cada camada do desconhecido. A mulher que outrora fosse filha, a avó que era apenas mãe, o pai que era o marido e as demandas infinitas do recém-nascido lançam a nova mãe ao desconhecido e sem nenhuma garantia. Agora, ela terá que se descobrir em mais um papel (e talvez o mais profundo e catártico): conduzir este novo ser rumo à vida.

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