Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!
Por Beatriz Maria Lorenzetti Venceslau, Psicóloga e Psicanalista - @beatrizmarialv.psi
Embora o título possa parecer uma afirmação polêmica à primeira vista, é exatamente isso que você leu, pois, existe, ainda que nem todos saibam, diferenças significativas entre terapia e análise pessoal.
Aliás, muitas pessoas mantêm a ideia difundida — e muito veemente — de que o conceito de análise pessoal é simplesmente uma maneira mais sofisticada — e até elitizada — de se referir à terapia, porém, a Psicanálise, enquanto um tratamento voltado à saúde mental, não pode ser considerada uma terapia, apesar de possuir efeitos terapêuticos.
Dito isso, vale mencionar que apesar de a psicoterapia e a análise pessoal serem tratamentos focados na melhoria da saúde mental, uma terapia, dentro do campo da Psicologia, é uma área de atuação prática constituída por diversas intervenções terapêuticas que variam de acordo com as abordagens teórico-metodológicas realizadas estritamente pelo profissional psicólogo, enquanto a análise pessoal, por sua vez, é executada por psicanalistas — graduados ou não em Psicologia —, que devem seguir continuamente o tripé da Psicanálise, este integrado pela própria análise pessoal do analista, pelo estudo da teoria psicanalítica e, ainda, pela supervisão dos casos clínicos.
Ainda no que se refere à diferenciação entre os conceitos, vale abordar a etimologia do termo “psicanálise”, que é composta da junção de duas palavras que possuem origem no grego antigo: a primeira parte do termo é “psica”, originado de psiqhé, tendo como possibilidade de tradução a noção de alma, e que nesse contexto está relacionada com o pensamento do indivíduo; a segunda parte do termo em questão é “análise”, que vem de análysis, tendo como possibilidades de tradução as noções de dissolução ou separação. Consequentemente, podemos entender a Psicanálise como aquela que possibilita a decomposição do pensamento, o que dialoga diretamente com o trabalho de investigação e reflexão acerca dos momentos constituintes da história e trajetória de vida do sujeito em análise pessoal.
A partir do que foi falado, é valioso destacar também que Freud — o pai da Psicanálise — usava o termo “análise pessoal” para expressar a ideia de um tratamento cujo o objetivo era o de desvendar as camadas ocultas da psique, buscando entender os impulsos e conflitos inconscientes do sujeito através da cura pela fala.
Já no que diz respeito à psicoterapia, os tratamentos psicológicos variam de acordo com a abordagem terapêutica do psicólogo, sendo que cada uma das abordagens da Psicologia possui suas próprias técnicas e princípios concentrados na resolução de problemas e no desenvolvimento de habilidades práticas para lidar com os desafios enfrentados pelo indivíduo no cotidiano.
Sendo assim, e com base em todas as considerações anteriores, é preciso enfatizar que a decisão de escolha entre a análise pessoal e a psicoterapia repousa, principalmente, nas preferências e necessidades individuais de cada pessoa que possui uma expectativa singular em relação a um tratamento voltado à saúde mental. Neste sentido, enquanto alguns indivíduos podem se sentir mais confortáveis com a estrutura e o direcionamento proporcionados pela psicoterapia, outros podem se inclinar para a profundidade e a exploração mais ampla de uma análise pessoal.
Portanto, faz-se imprescindível termos em mente dois elementos fundamentais que diferenciam a terapia de uma análise pessoal, estes centralizados na problemática da cura e no enfoque dado à tratativa dos sintomas.
A começar pelo último elemento supracitado, ele implica no fato de que enquanto as terapias se empenham em suprimir os sintomas, uma análise pessoal aborda o sintoma como uma indicação significativa do gozo, ou seja, é no gozo — e não no sintoma — que a Psicanálise opera. Metaforicamente falando, pode-se dizer que um psicanalista é como um “cirurgião” que intervém no psiquismo de um indivíduo, com o objetivo de mapear e compreender o gozo, este que se apresenta como aquilo que é prejudicial ao sujeito justamente por acarretar em sua aniquilação.
Evidentemente, é preciso também levar em conta que a intervenção acima citada pode até promover um alívio sintomático, contudo, esse não é o intuito principal de uma análise pessoal. Oras, então qual é o propósito de uma análise pessoal? — podem perguntar, no que responderei que — considero como objetivo primordial de uma análise pessoal a possibilidade de propiciar ao sujeito uma experiência profunda de investigação do inconsciente para permitir a retificação subjetiva, onde o indivíduo começaria a reconhecer e levar em consideração sua própria contribuição — e responsabilidade — na formação e perpetuação dos sintomas que apresenta.
Neste contexto, e ainda falando sobre os elementos de relevância na distinção entre análise e terapia, temos também o que diz respeito à questão da cura. Enquanto as terapias concentram-se na busca pela cura do indivíduo, a análise pessoal não se preocupa com uma adaptabilidade no sentido de fazer o sujeito se adequar ao outro e/ou às expectativas sociais, morais e culturais. Em vez disso, a análise pessoal enfoca na singularidade do sujeito, permitindo-lhe escolher como lidar com seu próprio gozo.
Indo nessa linha, Freud afirmou, em seu texto de 1935 intitulado Carta a uma mãe preocupada com a homossexualidade de seu filho, que o êxito de uma análise pessoal não se restringe apenas à modificação de um comportamento, mas também à admissão da própria identidade. Assim, ao contrário do que procuram fazer as terapias, o objetivo de uma análise pessoal, muitas vezes, não é o de — única e necessariamente — alcançar a cura, mas sim, o de também promover a aceitação daquilo que se é e daquilo que se tem.
Dito tudo isso, quando os meus pacientes — em análise — perguntam se estão fazendo terapia, eu costumo responder: “Não, o que você está fazendo é análise! Não se faz terapia com um psicanalista. Você está em um processo de análise pessoal”; isso porque eu, enquanto psicóloga e psicanalista, considero essa afirmação relevante não apenas para demarcar o campo de trabalho de um psicanalista, mas para que os analisandos tenham clareza sobre o contexto e a natureza do trabalho “inconsciente-investigativo” que estão realizando.
Por fim, ressalto que entre a psicoterapia e a análise pessoal não existe opção considerada “melhor” ou “pior”. O elemento crucial do sucesso de um tratamento reside justamente no fato de o indivíduo estar genuinamente comprometido em se entregar e sustentar um processo terapêutico voltado para o cuidado da saúde mental.