Já pensou na adolescência da criança que passou o tempo focada no celular ou TV?

Os Nós da Mente

Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!

Já pensou na adolescência da criança que passou o tempo focada no celular ou TV?
Já pensou na adolescência da criança que passou o tempo focada no celular ou TV?
Divulgação/istockphotos

Por Igor Alexandre Capelatto, psicanalista - Linktree

Vamos falar da tal babá eletrônica. Já deu conta da quantidade de crianças que deveriam estar brincando, jogando jogos de tabuleiro ou praticando esportes? Soltando pipa, peão, subindo em árvore, correndo, desenhando, contando historinhas, cantando, dançando...? Quando vamos a um restaurante, um shopping, ou até mesmo a um evento ao ar livre, ao invés de ver as crianças brincando, vemos estatuetinhas focadas numa tela. Talvez porque seja muito mais prático para os pais. Lembro de quando no restaurante sobre a toalha de papel manteiga a gente pegava palito e desenhava, e nossos pais juntos. A gente ia a um evento ao ar livre e nossos pais brincavam de correr coma gente, a gente se enturmava com as outras crianças presentes e brincávamos de pega-pega, pegávamos pedaços de papel ou guardanapo e fazíamos aviõezinhos. Hoje, tem aqueles brinquedões nos restaurantes, shoppings e afins, mas se pararmos para observar, a quantidade de crianças no brinquedão não chega a 1/3 das crianças presentes, as demais todas num celular ou tablet. 

Existem várias estatísticas jornalísticas e até mesmo da OMS, mostrando a quantidade de crianças que estão usando redes sociais. Essas redes que nem são para menores de idade. Onde está a preocupação dos pais? Bem, vamos pensar em quantos pais tem o desejo de serem pais, ou apenas quiseram ter filhos? O cuidar, dar limites, educar, é a tarefa mais difícil do ser humano. Ser pai e mãe e ser professor (porque os professores são os pais em metade do tempo da infância e adolescência) é o mais duro dos papeis a assumir. Se não estiverem preparados para suportar frustações, a raiva do outro e as angústias, n]ao terão condições emocionais, psíquicas para atarem na função paterna, materna, de educador. Ai, para não se ferirem, vão substituir suas funções pelas babás eletrônicas. Criança no celular não faz birra, não pede nada, não demanda o pai e a mãe sentados no chão brincando ou na mesa desenhando... 

“Saindo às sete da manhã e voltando às oito da noite do trabalho, pai e mãe têm que colocar os filhos muito cedo na escola ou conseguir quem cuide deles; quando voltam, cansados, não têm disposição para colocar ordem na casa, permitindo tudo às crianças em troca de não ouvir problemas e choros [e então entram as telas]”. – Dr. José Martins.

Com a pandemia, o uso da internet para o âmbito escolar se tornou frequente. Hoje, escuto muita gente dizendo que é mais fácil colocar o filho para pesquisar no Google do que sentar para ensinar fazer a lição com ele. 

Bem, estamos neste panorama, falando da criança terceirizada, dos problemas emocionais, cognitivos e também de sintomas fisiológicos como aponta o pediatra Dr. José Martins Filho: “essas crianças não interagem com as pessoas as suas voltas, (...) são seduzidas com facilidade (...) alguma se expuseram e comunicaram com pessoas que não são bem-intencionadas (...) e a exposição contínua [provoca] alterações inclusive pela radiação, pela luz iluminada que pode, evidentemente, causar alguns problemas de sono, diminuindo por exemplo, a produção de melatonina (o hormônio do sono)”. As sociedades de fisioterapia e ortopedia alertam para problemas de coluna e outros sintomas físicos devido a posição em que ficam diante destas telas. Conselhos de Oftalmologia, falam de problemas agravantes de visão que não deveriam aparecer na infância e estão aparecendo. Não é proibir, como diz Dr. Marins, mas saber moderar, ofertar o uso adequado de tempo (cada idade tem um tempo em que pode ficar exposto as telas e os pediatras podem orientar) e vigiar ao que estão fazendo nestas telas. 

Mas também estamos falando de uma adolescência doente, fragilizada emocionalmente, dependente das telas. O uso saudável da tecnologia virtual é uma coisa que deveria ser estimulada, mediante as suas dosagens de uso: pesquisar uma receita de comida para depois fazer com os amigos, com os pais; pesquisar um conteúdo científico para montar uma experiência, um projeto para escola... tantas opções saudáveis que transpõe-se ao mundo real, fora das telas. Lá você pesquisa, mas, depois, pratica a atividade fora dela. No mundo real. Todavia, crescendo sem o outro que relaciona, que conversa, que estuda junto, que conta historinhas, que senta no chão para brincar, eles não aprendem algumas funções básicas: viver as emoções, ter desejos, interagir com os outros (no mundo real e não no virtual), suportar frustrações, não aprendem a ter limites e, portanto, fragilizam assim a formação do ego (ou se tornam depressivos, ou se tornam narcísicos ou se tornam indiferentes).

“O filho que não vive sob limites colocados por pais ou cuidadores pode se sentir ‘dono do mundo’, um ser narcísico, sem a capacidade de resistência às frustrações que a vida traz. E, sem resistir às perdas, pode adoecer, se machucar ou machucar outras pessoas” – Ivan Capelatto

As consequências destas babas eletrônicas estão surgindo, temos observado casos graves, e não somente de sintomas físicos, mas principalmente dos emocionais. No artigo “Por que desejam-se Likes?” falei um pouco sobre esse lugar que surge da necessidade de inserir nos grupos, mas em lugares da virtualidade. A pessoa mais legal da turma é aquela que tem mais likes... e o quanto a perda likes fere a autoestima, o ego fragilizado e traz consequências perigosas como a depressão, a melancolia, a agressividade ou até mesmo o suicídio. Vemos crianças e adolescentes que sedem aos pedidos deste outro virtual, realizam “desafios da internet” (que são desafios que eles devem fazer para “provar que são capazes” e devem registrar em vídeos, muitas vezes ao vivo, expondo-se nas redes sociais. Tais desafios são extremamente perigosos pois envolvem químicas agressivas ao corpo (fumar cotonete, cheirar pó de corretivo, etc.), ou de se enforcarem até provocar apagamento, entre outras), ou que se envolvem com essas pessoas mal-intencionadas (perversos). São inúmeros casos que temos visto diariamente nos nossos meios sociais e nos noticiários. 

Elisabeth Roudinesco diz que “vivemos uma sociedade marcada pelo individualismo, pela imagem e o mundo virtual torna o contato com a realidade algo frustrante”. Os adolescentes hoje estão lá, um ao lado do outro, mas sem se olhar, comunicando por mensagem do celular. Não se abraçam, não há aperto de mão. E quando a angústia vem, não existe ombro amigo para acolher. Em casa, estão no quarto ou no sofá, direto olhando a tela do celular, comunicam com os pais por mensagens, e de igual, quando precisam de alguém para escutar suas angustias, dar acolhimento, não conseguem pedir e nem tem opção da oferta pois lá só se conhece a comunicação e interação virtual. Tudo que está fora dos sites de vídeos, das redes sociais, parece ser ruim, desinteressante, frustrante ou nas palavras de um adolescente “dá trabalho, na internet está tudo pronto”. Até casos extremos como pedir água pelo aplicativo para não ter de encher a talha ou trocar o galão. 

Precisamos voltar a realidade e assumir a realidade, a interação humana, o acolhimento, o cuidar, o educar, a vivência do mundo não-virtual. Lembre-se, a internet, as redes sociais, os influencers digitais, não vão salvar os adolescentes e as crianças de angústias, medos, tentativas de suicídio... Na hora que precisarem de alguém real, o celular não terá função alguma, a não ser que seja para ligar para uma pessoa rela e essa por ir ao seu alcance.