Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!
Por Márcia Uehara, psicanalista e empreendedora em tecnologia (@marcia.uehara)
Possíveis perguntas da madrasta da Branca de Neve caso ela tivesse um @madrasta.brancadeneve e um celular em mãos:
“LinkedIn, LinkedIn meu, existe alguém mais empregável do que eu?”
“Instagram, Instagram meu, existe alguém mais descolado do que eu?”
“Twitter, Twitter meu, existe alguém mais politizado e inteligente do que eu?”
....e assim por diante, uma ladainha de interrogações sendo entoadas não só por ela, mas por milhares de internautas em todos os cantos do ciberespaço. A todos, esses espelhos impiedosos respondem: “Sim! Há.”
Os espelhos digitais modernos são referência e parâmetro para muitas pessoas. Espaços perfeitos para ficar se comparando, invejando, medindo, linchando, analisando, stalkeando, cancelando, cobiçando, incentivados por uma cultura que insiste em padronizar o mercado de trabalho, a performance, a beleza , o posicionamento político, o estilo de vida, o lazer.
Às vezes aplaude-se sinceramente as conquistas alheias. Às vezes se inveja (em silêncio envergonhado) , porque de inveja ninguém é 100% free. Inveja não é glúten ou lactose que se pode zerar na vida. Melanie Klein, importante psicanalista austríaca, teorizou: a inveja faz parte da condição humana , é um dos afetos mais primitivos e inconscientes que começa no início da vida do bebê, numa dinâmica com a mãe.
“Meu trabalho ensinou-me que o primeiro objeto a ser invejado é o seio nutridor, pois o bebê sente que o seio possui tudo que ele deseja e que tem o fluxo ilimitado de leite e de amor que guarda para sua própria gratificação.” (Klein, 1991a, p. 214)
Assunto extenso que merece livros, cursos e debate à parte. Tão estruturante do ser humano quanto vergonhoso de admitir. A questão é a intensidade e frequência dos episódios onde este afeto eclode. Se há sofrimento e incômodo em excesso, vira objeto passível de análise.
As redes sociais funcionam como potenciais incubadoras de inveja. Todo mundo parece lindo e se diverte 24h, faz mil cursos de especialização, muda de cargo na velocidade da luz e namora beldades. Overdose de foguetinhos, praias paradisíacas, baladas e shows rolando na tela, salpicados de emojis sorridentes.
A inveja é sempre um espelho próximo. Inveja-se o primo CEO ao invés de Mark Zuckerberg, a vizinha escultural no lugar de Gisele Bündchen, o colega inteligente e não, Bill Gates e seu QI 160. Os muito distantes, são admirados. Os próximos, invejados.
Inveja-se não o que eles têm, mas os valores internos e a capacidade que eles possuem de chegarem onde chegaram , de conseguirem o que conseguiram. Inveja-se o brilho do outro, esquecendo-se de que este mesmo brilho coexiste em si mas que pode estar invisível, desfocado, esquecido, atrofiado ou mesmo, preguiçoso.
Essa super exposição a bombardeios virtuais da vida alheia trouxe dois sintomas modernos a tiracolo:
FOMO (Fear of missing Out) , o medo de estar perdendo alguma coisa e o FOBO (Fear of missing the best opportunity), o medo de estar deixando a melhor oportunidade escapar.
Estar numa balada e vendo stories de outra que parece estar bombando mais. Ver filmes na Netflix pensando que os do MUBI que o seu cunhado assina podem ser mais interessantes. Fazer um curso de Excel com o incômodo de que o de mindfullness que a empresa banca poderia ser mais útil. A sensação de estar perdendo algo, não estar incluído, perdendo a grande chance da vida. Quando se escolhe uma opção dentre dez, escolhe-se também perder as outras nove.
Tudo isso passando na cabeça em velocidade 2 como nos áudios de whatsapp.
Estar nas redes tem um preço, não estar também o tem. Não estar é praticamente ser invisível, estar fora do jogo. Estar é conviver com a sensação de estar num ranking eterno de beleza, empregabilidade, padrão de vida.
Não se pensa que o que rola nas telas é um flash instantâneo de um recorte mínimo de um mundo editado. Um mundo idealizado, cheio de filtros e efeitos. Um mundo onde há algumas verdades, mas há também muito conteúdo superficial apenas em busca de likes, a nova moeda social.
Quando desliga-se o celular e volta-se os olhos para o mundo do aqui e agora, há que se lidar com a vida que pode não ser a ideal , mas que é REAL e a única que se tem de verdade e onde se tem algum poder de ação.
A vida real obriga o olhar no espelho embaçado do banheiro pela manhã e leva à pergunta:
“Espelho, espelho meu, quem sou eu sem esse emprego maravilhoso do LinkedIn, sem esse celular lançamento, sem esse namoro com o gato do Tinder, sem essa Fernando de Noronha da Marquezine na minha janela?”
E assim se sucedem os mantras das fábulas contemporâneas.
Pessoas diversas, madrastas ou não, têm murmurado estas perguntas como quem reza terços, sob uma constante angústia de comparação no ar e se questionado diariamente:
“Parecer é mais importante do que ser? Quem sou eu na fila do 5G? Existe um caminho do meio? Ficar ou sair das redes? “
O ministério das boas práticas em saúde mental adverte:
Redes Sociais – Use com moderação, invista em autocuidado e autoconhecimento para perceber quando o limite do saudável é ultrapassado e desemboca no tóxico.
O espelho do banheiro não mente.