Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!
Por Igor Alexandre Capelatto, psicanalista.- linktr.ee/igorcapelatto
A natureza do desejo humano se encontra entre a necessidade de uma satisfação e o confronto com o bloqueio provocado pelos traumas, medos, pelos outros e pela natureza. O desejo é algo que dói: enquanto busca nos agradar e dar um norte a nossa vida, ele é carregado de atividades não prazerosas que devemos realizar, prazeres que devemos abdicar; ou seja, o desejo caminha entre o que “eu quero” e o que “o mundo me permite praticar”. O desejo tem essa disposição de para sempre. Por exemplo, quando quero ser psicanalista, se é desejo, todo dia acordarei ‘psicanalista’, se não é desejo, eu me formo psicanalista e a vontade de ser psicanalista cessa com o recebimento do diploma e, então, o que quero ser ou ter, passa a não mais fazer sentido – pois teve seu prazer e agora não mais causa deleite.
Quem deseja é sujeito – ser capaz de ter seu ponto de vista sobre as coisas e ter ‘sonhos' próprios. Quem deseja sofre, mas tem regozijos. Quem não deseja, ou vive a angústia de estar sempre na sombra do desejo de um outro (faz a faculdade eu o pai mandou, faz o curso que a mãe escolheu, etc.).
“Agiste em conformidade com teu desejo?” - Lacan
Somos filhos do desejo, nascemos do desejo de alguém (ou deveríamos nascer), e desde nossos primeiros momentos de vida, aprendemos a desejar. Se esse desejar é cultivado e aprende-se essa tal Lei do Desejo (a importância e os limites do desejo), tornamo-nos assim sujeitos (aqueles que têm suas perspectivas sobre o mundo, que desejam, que sentem, que atuam e que tem equilíbrio moral da psique diante as leis, normas, regras, da sociedade e da natureza).
O desejo é um aprendizado que ocorre ao longo da vida, vamos descobrindo como ele funciona, sua dinâmica. Conforme estamos nos desenvolvendo psíquica e fisiologicamente (desde nosso nascimento até a vida adulta) vamos aprendendo que os desejos também são nossos, que cada pessoa tem seu próprio desejo e que somente nós mesmos somos capazes de vivenciá-los. Quando bebê, dentre os objetos ofertados, escolhemos um em especial que se torna nosso objeto transicional (aquele paninho, aquele bichinho de pelúcia, aquele mordedor de borracha que substitui o seio da mãe), quando criança, escolhemos as brincadeiras, os brinquedos, as fantasias (a imaginação das histórias que vamos vivenciar no nosso brincar, nos rabiscos no papel, nas primeiras redações escolares), quando adolescente escolhemos os lugares de pertencimento (a turma, o lugar cultural, os estilos musicais, as roupas, as séries, filmes que vamos assistir, atividades físicas e esportes, e mais adiante, as profissões), quando adultos escolhemos o lugar de trabalho, a constituição familiar, e assim por diante. São escolhas que parecem, muitas delas, objetais (tipo, escolher um bichinho de pelúcia, um brinquedo ou um lugar para ir), mas são por essas pequenas escolhas que aprendemos a definir nossas preferencias e a nos descobrir – constituir nossa personalidade, nossos gostos, e assim, permitir a escolha dos desejos.
Mas, para que os desejos sejam permissíveis, é fundamental que tenhamos as condições psíquicas para a escolha (que sejamos orientados pelos pais e professores diante de nossas escolhas, mas sem sermos julgados, que possamos aprender que desejar não é apenas escolher aquilo que supostamente já esta garantido, mas é escolher algo que nos faça pertencer com satisfação). Tenho atendido muitos adolescentes que trazem para análise a dificuldade de assumirem seus desejos, pois estão constantemente bombardeados com críticas seja em casa, seja na escola, sejam nos grupos de amigos, seja pelas mídias (e, principalmente pelas redes sociais) – como por exemplo. “essa roupa está fora de moda” ou “essa profissão não vai te trazer dinheiro, sucesso, não vai ter mercado de trabalho”.
O paradoxo do desejo é a dificuldade de aceitar o desejo do outro (desde que esse desejo seja saudável e venha ferir os demais) que, muitas vezes, compete com o nosso desejo. Escuto pais dizerem que tinham planejado uma vida ao filho – “eu até já separei uma sala no meu escritório para ele trabalhar” – e o filho escolhe outro caminho (por exemplo, uma outra profissão) e o desejo dos pais são frustrados. Já observei situações em que professores discursam sobre a vida adulta, elencando aquilo que eles têm como vivencia do que acreditam ser o correto e de repente o aluno chega na sala de aula dizendo que escolheu outro caminho a seguir (vamos lembrar que algumas áreas do saber não são tidas no âmbito escolar como fundamentais mas como extras, como lazer, como entretenimento – infelizmente às vezes a Educação Física e as Artes são postas neste lugar). Outras instituições da vida como a religião é outro ponto conflitante, pois, podemos apresentar a nossa escolha religiosa, nosso culto, nossa igreja, no lugar sagrado aos adolescentes, mas não podemos obrigá-los a seguir, eles podem ter suas escolhas também. E, quando se trata de política ou sexualidade, a angústia, principalmente nos últimos anos, tem sido mais conflitante ainda.
Com esse panorama todo, os adolescentes (e as crianças e os adultos) têm cada vez mais apresentado depressão, ansiedade, angústias. São tantas escolhas, tantos lugares de desejo e tantas cobranças que se perdem no “quem eu sou” e ficam perambulando no “quem o Outro quer que eu seja”. Então, o que podemos fazer?
Sou o intervalo entre o meu desejo e aquilo que os desejos dos outros fizeram de mim. – Álvaro de Campos
Como digo, o desejo tem suas instâncias (lugar e relação) necessárias: um casal terá desejos conjuntos, construídos juntos, e ao mesmo tempo respeitar o desejo de cada um dos dois; a família tem seus desejos construídos juntos, compartilhando os desejos dos pais com os dos filhos (lembrando que cada etapa do crescimento terá um conjunto distinto de desejos), mas entendendo que pais têm seus próprios desejos e filhos também (principalmente quando começam a ter uma vida fora de casa, com as idas aos aniversários, ao shopping, quando começam a namorar, etc.). Claro que para constituir os desejos é preciso referenciais e os pais são sujeitos importantes representativos (e também os professores, um orientador religioso, um mestre de artes marciais, um técnico do time que joga, etc.) mas também é preciso esse lugar pessoal de formulação (e, muitas vezes o querer ficar sozinho no quarto, não é sinônimo de depressão, isolamento social, mas de ter um tempo consigo mesmo para refletir e descobrir-se diante dos desejos, poder ordenar todas as possibilidades, gostos, aptidões e articular sua personalidade, sias escolhas).
Enfim, ofertar diálogo saudável, escuta e compreensão. Acolher. Escutar os desejos do outro e ajudá-lo a compreender esses desejos (o que são, como pôr em prática, a compreenderem as frustrações que passarão, etc.).