Desenterrando bobagens e outros absurdos…

Os Nós da Mente

Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!

'É inevitável, portanto, que a Psicanálise gere desconforto'
'É inevitável, portanto, que a Psicanálise gere desconforto'
Renan Leal Illustrator

Por Beatriz Maria Lorenzetti Venceslau — Psicóloga, psicanalista e pós-graduanda em Psicanálise Clínica. @beatrizmarialv.psi

Recentemente, vi que o livro Que bobagem! Pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério (Editora Contexto, 2023), escrito pela microbiologista Natalia Pasternak em parceria com o jornalista Carlos Orsi, tem gerado grande repercussão — em parte devido ao fato de que, no decorrer da obra, a Psicanálise está entre os temas denunciados pelos autores. 

Ainda no que diz respeito à esfera psicanalítica, o próprio título do livro suscitou uma enorme indignação entre alguns psicanalistas e pessoas que desfrutam da psic-análise. Não à toa, em uma recente entrevista à Folha de São Paulo, Pasternak afirmou ter consciência de que o título causaria incômodo. 

Confesso que, em razão de toda a polêmica circundante, vivenciei uma dualidade entre o desejo pela leitura da obra e, ao mesmo tempo, a hesitação em fazê-la. Apesar disso, optei por iniciar a leitura, motivada unicamente pela minha curiosidade a respeito do capítulo que aborda a Psicanálise, este composto por vinte e seis páginas onde os autores, em retóricas contundentemente arrogantes, fundamentam suas ideias citando uma série de referências críticas àquela que consideram uma pseudociência.

Devo salientar, entretanto, que tais advertências em relação ao campo psicanalítico não me incomodaram — e por que não dizer que também não me impactaram? — significativamente. Fato é que a obra reacende um debate que perdura há mais de um século. Digo isso porque — e já adianto àqueles que não leram a obra — as críticas apresentadas pelos autores não são inovadoras, uma vez que são conhecidas desde a época de Freud.

No livro, contudo, é evidente uma petulância em relação a um debate fundamental: a apreensão de que a peculiaridade do modelo positivista, enquanto perspectiva de uma única forma de construção do conhecimento, representa exatamente a característica que difere os domínios epistemológicos da ciência e da Psicanálise, à medida que esta última ocupa uma posição singular em relação aos saberes ditos científicos.

Nesse cenário, vejo o título como o aspecto menos incômodo da obra. Na realidade, é a própria Psicanálise que provoca incômodo às entidades científicas, já que o campo psicanalítico não se submete a uma moral de dominação e normatização, pelo contrário, ele permite um engajamento profundo em uma ética que respeita a complexidade do desejo humano. 

É inevitável, portanto, que a Psicanálise gere desconforto, pois um analista não é feito nos laboratórios experimentais e nem apenas em cenários acadêmicos, como nos programas de pós-graduação ou nos cursos de formação contínua e grupos de estudos. Um analista emerge na presença, na interação, na vivência e, especialmente, no divã, este que funciona como uma pulsão escópica viável até mesmo em atendimentos virtuais, onde, através da linguagem, formam-se flutuações de discursos subjetivos que convergem em uma escuta analítica própria.

Sendo assim, o binômio fala-escuta, manifestado como uma experivivência singular por cada díade, realmente não deve apresentar qualquer forma de padronização e nem ser concebido como um algoritmo positivista e predefinido para todos os sujeitos. Sim, o que eu quero dizer é que a Psicanálise é, de fato, bastante complexa, não sendo, portanto, apropriada para todos, especialmente para aqueles que optam por seguir “protocolos” e não levar em consideração a subjetividade e a individualidade de cada pessoa. 

À vista disso, acredito veementemente que, enquanto os autores, nas páginas de um livro arrogante, ostentam bobagens com um brilho leigo e ainda desconsideram a modéstia de autênticas sabedorias, nós, psicanalistas, não devemos — ou pelo menos não deveríamos — reagir com irritação diante da categorização da Psicanálise como uma pseudociência. Em vez disso, podemos usar a crítica para empreendermos uma disseminação democrática das bases científicas e filosóficas que fundamentam a Psicanálise, fortalecendo uma defesa mais sólida da área e facilitando iniciativas de aprimoramentos na dimensão das práticas clínicas contemporâneas. 

Considero, por fim, que a exposição pela qual os autores se submeteram — com arrogância e, principalmente, ignorância — em relação à atual produção científica em Psicanálise, desenterrando — e, consequentemente, trazendo à tona — bobagens e outros absurdos no livro, pode ser vista a partir da complexidade de uma compreensão do saber psicanalítico, este que vivifica e, ao mesmo tempo, desafia os limites da cientificidade. 

Não é mero acaso, evidentemente, que a crítica da obra carrega, na prática, uma ferida narcísica do homem pós-moderno ao confrontar os limites da ciência à necessidade de desenvolver habilidades para conviver com a incerteza e a obscuridade. 

De todo o modo, que nós, psicanalistas, busquemos a sintonia com a contemporaneidade, não apenas no âmbito clínico da Psicanálise, mas também em nossas explorações acadêmicas, e que sejamos ainda mais críticos — mas não rígidos —, já que isso não faz parte do cerne psicanalítico.