Carnaval da catarse

Um domingo há muito postergado, um domingo pós-pandemia. Sobrevivemos, é necessário celebrar

Os Nós da Mente

Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!

Foliões festejam nas ruas
Divulgação/Agência Brasil

Por Yara de Barros – psicanalista - (@yara.de barros)

Há exatos 104 anos, no Carnaval de 1919 nossos antepassados saíram para a festa, que o escritor Ruy Castro definiu como “a grande desforra contra a peste”. A “Espanhola” tinha ceifado vidas e semeado medo. Persistia a desconfiança e a incerteza; seria aquele Carnaval o último? A morte ainda rondava. Se a peste voltasse, então, que se morresse no êxtase da loucura do Carnaval. Pulsão de vida e pulsão de morte, lados de uma mesma moeda. Eros e Thanatos. A pulsão de morte, teoria desenvolvida por Freud em seu importante texto “Além do Princípio do Prazer (1920)” intenta a dissolução do organismo, mas esse mesmo objetivo faz com que o organismo lute com mais afinco por existir, ou para morrer em seus termos. O Carnaval de 1919 foi a vitória de Eros. 

“Quem não morreu de espanhola, 

quem dela pôde escapar

Não dá mais tratos à bola,

Toca a rir, toca a brincar (...)”

Neste Carnaval de 2023, a memória da covid-19 é recente, 700 mil vítimas fatais, quase 1000 dias suspensos na incerteza do dia seguinte. Desamparo aniquilador. Estarei vivo para os meus? Perderei os que amo? Por fim, a peste recuou. A mesma chama vital que faz brotar da semente uma árvore frondosa continua a germinar. Solte a música maestro, o show precisa continuar.

Freud diz, em Mal-Estar na Civilização que “ A vida tal como nos é imposta traz-nos muitas dores, desilusões, tarefas insolúveis. Para suportá-la não podemos prescindir de medidas paliativas”, e ele cita três tipos: distrações poderosas, satisfações substitutivas, substâncias entorpecentes. Olha aí minha gente! Pacote freudiano completo de Carnaval! Bora lá festejar!

Neste domingo de Carnaval sairemos à rua para exorcizar o terror e a angústia. Na alegria haverá o alívio de estarmos vivos e a dor dos muitos que partiram precocemente. Nestes dias de festividade faremos uma ode à vida, talvez mergulhemos nos excessos, na desforra contra o medo, a morte e as mazelas do viver. Continuamos vivos, nem melhores nem piores, talvez mais adoecidos e ainda assim, no jogo, na avenida, na rua, no clube, na praia, soltando aquele grito abafado no peito: sobrevivemos e agora queremos VIVER!!!

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