As controvérsias da formação psicanalítica

Os Nós da Mente

Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!

As controvérsias da formação psicanalítica
As controvérsias da formação psicanalítica
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Por Gabriel Fallaci Fernando, formado em Filosofia e mestrando em Literatura Portuguesa, Psicanalista e Pesquisador - @fallaci.f

É fato mais do que sabido que para que um analista seja, de fato, um analista, ele precisa estar em dia com o famigerado tripé psicanalítico, este que consiste em análise pessoal, supervisão de casos clínicos e estudo da teoria – canônica e em contínua produção – de forma constante.

Por isso mesmo, não basta a um sujeito que se autorize como psicanalista, caso um dos três elementos acima mencionados não esteja em dia, não apenas essa autorização sobre si não possui completa validade, como também o setting que este analista fornece possui grandes chances de produzir resultados desastrosos, assim prejudicando os pacientes que ali encontraram possibilidade de expor suas questões pessoais.

Mas é “só” isso? Não, como sempre, não. Uma das grandes verdades da Psicanálise – pensando estritamente no caso do Brasil – é uma complexa e gigantesca rede de contradições que vão se amalgamando sem chance de entendermos onde há o fim desta rede. Por que digo isso?

Pensemos bem, no que se refere à análise pessoal, não existe muito segredo, o sujeito que se autorizou como psicanalista deve estar em análise pessoal também, sobretudo porque enquanto humano e analista, este sujeito está completamente propenso às próprias ressonâncias de seus traumas e questões não perlaboradas, como também às identificações projetivas e deslocamentos que podem vir a surgir no decorrer das sessões que tem com seus pacientes. Consequentemente, a análise pessoal é o ambiente, por excelência, onde este sujeito trabalhará a dinâmica interna e externa de sua vida pessoal, o que acabará produzindo mais estabilidade e “neutralidade” para sua própria clínica.

Outro dos pontos presentes no tripé é o da supervisão dos casos clínicos, podendo esta ser realizada não apenas individualmente – o ideal –, mas também em grupos, onde a gama de trocas e reflexões tendem a ser maiores. É fundamental ao analista este processo, pois ao relatar seus casos e também as dificuldades ou supostas facilidades com as quais se deparou, ele tem a chance de ouvir interpretações e pontos de vista clínico-teóricos diversos que contribuirão com seu manejo; não há necessidade, obviamente, de comentar o quanto este retorno é amplificado no caso dos grupos de supervisão de casos clínicos, já que neles o sujeito analista não apenas levará os seus casos, como também entrará em contato com diversos outros, podendo exercer ativamente sua escuta e capacidade de análise.

Por fim, chegamos ao terceiro ponto que constitui o tripé, estudo da teoria – canônica e em contínua produção – de forma constante. Podemos brincar dizendo que é essa a perna defeituosa do tripé, ou melhor, é dessa perna do tripé de onde muitas corrupções exegéticas começam a surgir, vejamos algumas delas: a) existe uma gama diversificada de psicólogos formados que julgam que não importa o quanto um indivíduo que não é formado em Psicologia estude sobre Psicanálise, ele nunca será um psicanalista; b) existem diversos psicanalistas que se formaram em Institutos e que julgam totalitariamente que um analista só é analista quando formado, ele também, num Instituto; c) existem aqueles que são formados ou em Psicologia ou “Formados em Psicanálise” por meio de Institutos e se valem dessa prerrogativa para não manterem os estudos em seu caráter contínuo, usando da própria titulação como espécie de muleta.

É natural que problemas assim surgissem, o que não é natural, porém, é o fato de que enquanto área independente e, ao mesmo tempo, apartada da Psicologia no sentido mais estrito da coisa, a Psicanálise acabou atraindo para si alguns vírus que mancham sua concessão; como assim? Vejam só, a partir do momento que foi levantada a polêmica sobre a Graduação em Psicanálise e o como isso era antiético, imoral, entre tantos outros adjetivos, ficou mais do que claro como os psicanalistas famosos são, de fato, extremamente oportunistas e como os demais psicanalistas não se atentam para algumas questões que são óbvias, inclusive do ponto de vista numérico. Vejamos:

Se você realizar uma busca breve sobre Institutos de Psicanálise famosos, certamente se deparará com o fato de que as mensalidades são extremamente abusivas, a duração do curso é de, geralmente, três anos, há necessidade de realizar estágios e, inclusive, de realizar provas e a entrega de alguma espécie de trabalho final que comprove o aproveitamento do curso. Você leu bem tudo isso? Estamos falando de um Instituto de Psicanálise, mas a grande verdade é que essa configuração é um fortíssimo plágio da estrutura universitária, a única diferença é o caráter de não reconhecimento por parte do Ministério da Educação (MEC). O que fica claro é que atualmente temos “faculdades de Psicanálise” que sequer são faculdades, mas que ao mesmo tempo exigem e cobram a nível financeiro até mais do que uma faculdade comum.

Outro ponto interessantíssimo dentro dessa – no mínimo – contradição é o fato de que vemos grandes figurões promovendo a formação autogerida do psicanalista, mas quando paramos para, brevemente, lermos seus currículos, eles possuem formação em institutos, dão aulas nesses institutos. E é muito claro o motivo disso tudo: a movimentação do dinheiro! 

A Psicanálise é uma indústria e o tripé, para se manter nivelado, precisa de um bolo de papel de tipo bem específico – como é o nome mesmo? Ah, papel moeda! – Porque do contrário, não basta a autorização pessoal de ser um psicanalista, dirão que fulano ou ciclano não cumprem com as exigências éticas da área.

Curiosa e paralelamente, poucas pessoas sabem que em qualquer universidade pública do Brasil as disciplinas de pós-graduação a nível de Mestrado e Doutorado são passíveis de serem cursadas ou gratuitamente, ou mediante o pagamento de alguma taxa simbólica – por exemplo, no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP), a taxa de pagamento para cursar um semestre de disciplinas voltadas à Psicanálise é de meros cinquenta reais – e ainda fornecendo certificação de o sujeito tê-las cursado, o que alimentaria, inclusive com muito mais conteúdo do que certos “cursos”, “aulas” e/ou “webinários” vendidos como se fossem móveis pela internet, o processo de formação do analista.

A Psicanálise hoje está estruturada para vender mentiras, fetiches materiais e idealizações inalcançáveis. Quem não busca se informar e segue fiel e cegamente os “psicanalistas pop’s” tende a perder muito mais do que apenas o dinheiro tão suado que se conquista a duras penas no nosso país.