Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!
Por Beatriz Maria Lorenzetti Venceslau, Psicóloga e Psicanalista - @beatrizmarialv.psi
Naquele pequeno recanto do consultório, onde as palavras se entrelaçam com as emoções mais profundas, a pergunta de uma psicanalista ressoou suavemente: “qual é a razão de você buscar análise?”. A expectativa era a de que um oceano de histórias e sentimentos se revelasse, porém, após alguns minutos de quietude, o silêncio foi interrompido por uma respiração prolongada e a resposta de uma paciente — que nunca havia consultado um profissional de saúde mental — ecoou no ar: “tenho transtorno bipolar!”.
O fictício diálogo clínico acima ilustra uma problemática bastante recorrente na clínica de muitos psicólogos e psicanalistas: o autodiagnóstico.
Aliás, nos dias de hoje, é cada vez mais comum vermos pessoas buscarem ajuda profissional por acreditarem ter um determinado tipo de transtorno mental.
Vale mencionar ainda que, com o avanço dos meios tecnológicos, torna-se possível a qualquer pessoa pesquisar sobre seus sintomas e obter resultados que caracterizam diversas doenças físicas e também mentais. Basta, portanto, uma rápida busca na internet para que se adquira uma lista extensa de potenciais diagnósticos.
No que diz respeito à saúde mental, o tipo de situação comentada acima contribui, muitas vezes, para a realização de autodiagnósticos baseados em catálogos padronizados de quadros sintomáticos, onde há o risco – e muito veemente – de construir interpretações errôneas em relação a um estado de sofrimento psíquico. Além disso, um diagnóstico impreciso não só gera um estigma desnecessário devido à compreensão inadequada de uma condição, como também pode contribuir para manejos clínicos ineficazes ou até mesmo para a aplicação de tratamentos psiquiátricos e medicamentosos dispensáveis.
Neste sentido, é fundamental que um profissional de saúde mental avalie a natureza subjetiva dos sintomas e a sobreposição de características entre diferentes transtornos, já que esses aspectos não se encontram em manuais de diagnóstico, mas sim nas histórias individuais de vida de cada sujeito.
Ainda no que diz respeito à temática da singularidade do sofrimento psíquico, eis que uma dúvida pode surgir: por que algumas pessoas encontram mais facilidade em se identificar com um transtorno mental em vez de explorar a própria subjetividade?
A Psicanálise trata dessa questão reconhecendo a complexidade do ser humano e a diversidade dos processos inconscientes, logo, devemos levar em consideração que, para algumas pessoas, enquadrar seu sofrimento em um transtorno é mais cômodo do que olhar para a própria subjetividade por conta de diversos mecanismos de defesa psíquicos, estes que são processos inconscientes que têm como objetivo proteger o indivíduo de sentimentos, pensamentos ou memórias perturbadoras e ameaçadoras.
Isso significa que, diante de conflitos internos, emoções perturbadoras ou traumas, as pessoas podem recorrer a mecanismos de defesa como por exemplo a negação, onde o sujeito se recusa a aceitar ou reconhecer uma realidade dolorosa e perturbadora, portanto, pode negar a existência de fatos, eventos ou emoções que sejam angustiantes, criando uma espécie de “escudo” psicológico para evitar lidar com uma determinada situação; a repressão, onde os pensamentos, memórias ou desejos perturbadores são deslocados para o inconsciente, tornando-se inacessíveis à consciência, sendo que nesse processo a mente tenta impedir que conteúdos traumáticos ou indesejáveis sejam conscientemente reconhecidos; ou a projeção, onde o sujeito atribui aos outros os seus próprios sentimentos, desejos, impulsos ou características que não deseja reconhecer ou aceitar em si mesmo, o que representa uma forma de evitar a responsabilidade e o enfrentamento em relação a aspectos desconfortáveis.
Tendo esses mecanismos em mente, podemos pensar que eles não só impedem uma reflexão sobre a própria subjetividade por parte do sujeito, como desviam o foco do problema para um diagnóstico rotulador que fornece uma explicação aparentemente mais simples e superficial para o sofrimento.
Além disso, o autodiagnóstico oferece um sentimento de alívio e compreensão diante da angústia psíquica, já que o indivíduo também encontra um senso de pertencimento dentro de um grupo de pessoas que compartilham do mesmo transtorno, proporcionando uma sensação de normalização.
Acredito ser importante frisar que um profissional de saúde mental deve reconhecer a manifestação dos transtornos mentais e ainda levá-los em consideração para um tratamento adequado. No entanto, é fundamental que nos concentremos na singularidade de cada história.
Seguindo essa lógica, é sumamente significativo lembrar que, ao nos limitarmos apenas à visão de que os transtornos mentais são padronizados e que os sintomas são os mesmos para todos, nós não só generalizamos aspectos individuais, como minimizamos as causas singulares dos sofrimentos psíquicos. Isso porque cada indivíduo possui uma jornada de vida única, portanto, é mais do que essencial considerarmos e compreendermos a complexidade e a diversidade das experiências pessoais num processo de análise.
Dessa maneira, identificar a unicidade sintomática daquilo que gera sofrimento não significa negar a possibilidade da existência de um transtorno mental, mas sim ampliar nossa compreensão para oferecer um tratamento efetivo àquele que sofre.
Em última análise, a importância de explorar a subjetividade e os processos inconscientes subjacentes aos sintomas é fundamental para que paremos de colher a herança de um positivismo classificatório, este que revela uma sociedade cada vez mais doente e estigmatizada.