Os Nós da Mente
Neste espaço você irá ter um conteúdo onde vamos discutir temas que têm tudo a ver com a sua angústia. O divã será o blog e o psicanalista é o grupo de autores que vão escrever os artigos que irão abordar filmes, livros, músicas e o cotidiano, mas tudo ligado à saúde mental. Você irá perceber que não está sozinho. Vamos dar as mãos para caminharmos na jornada do autoconhecimento. Isso porque esse é um blog de psicanálise para você!
Por Simone Lotito - Fisiologista, Psicanalista e Especialista em Saúde Mental (@_simone_lotito_), com participação de Christian Dunker - Psicanalista e Professor Titular do Instituto de Psicologia da USP
Toda manhã uma criança, um adolescente deixa de ver o nascer do sol, deixa de ouvir uma poesia, de namorar o flutuar de um beija flor no canteiro do colégio, deixa de almoçar dialogando, e já não se reconhecem na percepção espaço temporal, já não vivem a vida real. Os jovens vivem experiências improdutivas e não afetivas cada vez mais, a depressão tornou-se uma epidemia e as drogarias hoje vendem mais antidepressivo e ansiolítico do que as docerias vendem sorvete. Faltam abraços, faltam sentimentos, a felicidade está num eletrônico, num like, os enigmas contemporâneos, a liberdade está dentro de uma tela. Os desejos, ideais não se encontram mais. Cada dia mais pacientes sentem dificuldade de concatenar a narrativa de seu propósito de vida, não conseguem narrar sua missão ou sua paixão.
Uma parcela da juventude tem se demonstrado apática, com total ausência de interesse ou preocupação com a vida emocional de todos ao seu redor, desinteresse social, desinteresse espiritual, voltando toda sua energia pro virtual e pra vida editada. Esse vazio emocional dessas crianças e adolescentes,esse déficit de participação dos pais no desenvolvimento psíquico dessas almas essa angústia coletiva que vivemos hoje e assistimos as crianças e os jovens passando, pode estar gerando a apatia que vemos nos jovens de hoje ?
Christian Dunker :
De fato, nos mesmos últimos quarenta anos, foi possível construir uma consciência, em escala planetária, envolvendo cuidados com corpo e alimentação. A prática de exercícios, de cuidados e aperfeiçoamentos das funções e da imagem dos indivíduos parece ter originado uma nova cultura dos cuidados com a casa, com animais domésticos e até mesmo com o meio ambiente. Contudo, nada semelhante ocorreu no plano da saúde mental. A ideia de cuidado permaneceu relegada, em grande medida aos discursos morais e religiosos, que efetiva e surpreendentemente cresceram no mesmo período. É possível que a valorização do cuidado a si, com desaceleração de experiências, valorização da palavra e das experiências de compartilhamento não se enquadrem muito bem em qualquer “desenho de negócio”, em grande medida porque a relação de cuidado se opõe, espontaneamente às práticas disciplinares, cosméticas ou produtivas em geral. O sentimento de vazio, desinteresse e apatia, crescentemente percebido entre jovens e crianças coordena-se com a percepção social do conflito e do sofrimento como algo improdutivo. A comunicação tornou-se mais um paradigma de circulação de informação do que uma experiência de enriquecimento narrativo, de decifração de si e do outro e de uma certa experiência de comunalidade. Ter coisas em comum, amigos em comum, espaços em comum como outras experiências escolares tinham em mente deixou de ser uma ambição para muitos pais, muitas escolas e muitos professores. Isso nem sempre reflete negligência e descaso, mas decorre dos efeitos de isolamento e agressivização do laço social que se reconhece em famílias. As vidas adultas também parecem aos próprios adultos, desinteressantes e incapazes de gerar histórias que valem a pena serem contadas. Sejam elas histórias extraordinárias ou ordinárias e cotidianas. Muito frequentemente recebemos pacientes que só conseguem descrever suas vidas, sem propriamente narrá-las. Trazendo uma sucessão funcional ou disfuncional de comportamentos, adequados ou inadequados, mas com baixa potência na transmissão de desejos e ideais, à exceção daqueles que são sentidos como compulsórios.
Psicanalista, Professor Titular do Instituto de Psicologia da USP . Pós-Doutorado na Manchester Metropolitan University .Possui graduação em Psicologia, mestrado em Psicologia Experimental e doutorado em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo.
Recebeu dois prêmios Jabuti em Psicologia e Psicanálise. Publicou "Estrutura e Constituição da Clinica Psicanalítica" , "Mal-Estar, Sofrimento e Sintoma" , "Por quê Lacan?, "A Psicose na Criança" "O Cálculo Neurótico do Gozo" "Reinvenção da Intimidade" e o Palhaço e o Psicanalista