Valinhos inicia processo para renegociação de dívida de R$ 41 mi; prefeitura acusa ex-gestão

A acusação envolve a contratação de um escritório de advocacia denunciado pelo MP por golpes contra prefeituras

*Daniel Rosa

Valinhos inicia processo para renegociação de dívida de R$ 41 mi; prefeitura acusa ex-gestão
Valinhos teria sido uma das 135 prefeituras de São Paulo que tiveram parte da verba desviada neste caso
Divulgação/Câmara Municipal de Valinhos

A Prefeitura de Valinhos (SP) anunciou, nesta sexta-feira (14), que começou a reunir documentos para a renegociação da dívida de R$ 41 milhões. A administração acusa a gestão do ex-prefeito Marcos José da Silva, como responsável por esta dívida, por contratar, em 2010, o escritório de advocacia Castellucci Figueiredo e Advogados Associados.  

Segundo a Prefeitura, o montante é resultado da contratação do escritório. O grupo, de acordo com informações do Ministério Público (MP), estava envolvido em um esquema de corrupção que desviou aproximadamente R$ 500 milhões dos cofres públicos de mais de 135 prefeituras do Estado.

Em Valinhos, segundo a administração, o escritório foi contratado para a prestação de serviços técnicos especializados, com o objetivo de análise, levantamento de dados e documentação para apuração e recuperação de pagamentos efetuados indevidamente, a título de contribuição previdenciária.

O ex-prefeito Marcos José da Silva e um de seus secretários municipais, em 2018, chegaram a ter os bens bloqueados pela Justiça em decorrência da contratação do escritório, julgada irregular devido à dispensa indevida do processo licitatório.

Ainda segundo informações do MP, o esquema ilegal envolvendo a empresa Castellucci e Figueiredo Advogados Associados fraudava as prefeituras oferecendo serviços de compensação de créditos tributários sem licitação. O grupo levava aos prefeitos a possibilidade de contratar consultorias para recuperar supostos pagamentos indevidos ao INSS, cobrando 20% sobre os benefícios obtidos. Apesar dos evidentes riscos de futuras autuações da Receita Federal, os gestores aceitavam o contrato para aumentar a receita municipal no curto prazo, mesmo cientes da ilegalidade. 
 

Parcelamento da dívida

Segundo a Prefeitura, em um esforço conjunto das secretarias de Assuntos Jurídicos e Fazenda, a dívida milionária poderá ser negociada junto à União através da adesão ao programa de transação tributária.  

“Caso o município volte a ser executado corremos o risco de perder os direitos de contrair recursos da União, do Estado e de outros fundos. Por isso, é fundamental aproveitarmos essa possibilidade para parcelar a dívida. Estamos fazendo um esforço conjunto para conseguir o máximo de desconto possível e finalmente resolver uma questão que se arrasta há anos, prejudicando a saúde financeira do nosso município”, afirma o secretário de Assuntos Jurídicos, Thiago Galvão.

O secretário ressalta ainda que, embora o parcelamento da dívida seja uma medida necessária para evitar sanções e garantir a continuidade dos repasses da União e do Estado, o pagamento das parcelas exigirá a realocação de recursos do orçamento municipal. “Isso significa as despesas geradas por um suposto esquema de corrupção podem causar impactos diretos na quantidade de recursos disponíveis para áreas essenciais, como educação, saúde, infraestrutura e assistência social, tornando ainda mais desafiadora a gestão financeira da cidade. É importante, portanto, que todos compreendam a gravidade da situação herdada e o esforço que estamos fazendo para regularizar as contas do município”, reforça o secretário.


 
Sindicância e responsabilização 

 
Ainda de acordo com a Secretaria de Assuntos Jurídicos, uma sindicância concluída em 2018 apontou que o prejuízo total aos cofres públicos em decorrência da contratação do escritório foi de R$ 57 milhões. Agora, a secretaria estuda as medidas cabíveis para responsabilizar os agentes públicos envolvidos e cobrar judicialmente o ressarcimento ao erário.

Caso Castellucci 

Foram presos, em 2018, José Jarbas Pereira e Tiago Rodrigo Pereira, sócios das empresas do grupo Finbank Consultoria e Assessoria Empresarial Ltda e idealizadores de um esquema que desviou aproximadamente R$ 500 milhões dos cofres públicos de mais de 135 prefeituras do Estado, entre os anos de 2003 a 2017, conhecido como 'caso Castellucci'. 
 
Ambos foram presos na Delegacia de Polícia do Setor de Investigações Gerais e Grupo Anti-Sequestro (SIG) de Barueri, na Grande São Paulo. O advogado Alécio Castellucci Figueiredo teve decretada a suspensão do exercício da advocacia. Ele é considerado foragido. 

Segundo o MP, a empresa Castellucci e Figueiredo Advogados Associados era contratada direta e desnecessariamente pelos municípios para prestar 'serviços técnicos especializados de consultoria e assessoria tributária, jurídica e administrativa', fora das hipóteses de inexigibilidade de licitação previstas em lei. 
 
A pessoa jurídica centralizadora de toda a atividade ilegal era a empresa Finbank, beneficiária principal dos recursos públicos obtidos de forma fraudulenta junto às prefeituras, coordenada por Pereira e pela esposa dele, Marta Aparecida de Jesus Pereira. As investigações revelaram que o grupo empresarial liderado por Pereira procurava os prefeitos e lhes oferecia um portfólio de serviços relacionados à compensação de créditos tributários. 
 

Os serviços oferecidos consistiam no levantamento de eventuais pagamentos indevidos efetuados ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a título de contribuição patronal, na propositura de ações judiciais para reconhecimento e compensação de tais créditos e na elaboração de cálculos para sua compensação administrativa perante a Receita Federal. 
 
Em contraprestação ao suposto 'serviço jurídico' prestado, era estabelecido o pagamento de valores determinados, normalmente correspondentes a 20% sobre os benefícios auferidos mensalmente pelos municípios, calculados sobre o montante da redução tributária. A remuneração do contratado não era condicionada ao sucesso da compensação processada administrativamente. 
 
Para os prefeitos, a contratação, a despeito de absolutamente temerária, representava uma vantagem imediata, a saber, a desoneração de parte da receita do município. Aos mandatários, interessava a imediata elevação da disponibilidade financeira do município, independentemente de futura e eventual autuação da Receita Federal e, consequentemente, multa administrativa, cuja responsabilidade, ao tempo da cobrança, certamente não recairia sobre a gestão dos chefes do Executivo. Autorizavam, assim, a contratação dos serviços oferecidos pelo grupo empresarial Finbank, cientes da ilegalidade e dos riscos envolvidos. 
 
Já para o contratado, o risco era nenhum, porquanto mantinha os honorários independentemente da homologação da compensação pela Receita Federal. Inicialmente os contratos foram com a Finbank, mas logo houve atuação do Tribunal de Contas do Estado, que emitiu comunicado de ilegalidades das contratações. Percebendo a necessidade de despersonalizar a atuação da sua empresa junto às prefeituras, Pereira convenceu o advogado Alécio Castellucci Figueiredo a utilizar sua firma de advocacia, a empresa Castellucci e Figueiredo Advogados Associados para dar continuidade às fraudulentas atividades de compensação tributária desenvolvidas pelo grupo. 
 
A Castellucci foi utilizada como empresa de fachada, prestando-se a utilizar suas contas bancárias como passagem de valores, especialmente para as empresas do grupo Finbank, e a servir como pessoa jurídica (PJ) prestadora de serviços jurídicos, quando na verdade apenas camuflava o recebimento e movimentação de dinheiro de origem ilícita. De acordo com a ação, sua utilização, como instrumento de prestação de serviços indubitavelmente espúrios, a torna mecanismo de simulação de empresa, exatamente para dissimular a origem de valores ilícitos. 
 
Na ação proposta em 2017, a promotora de Justiça Camila Moura e Silva indicou que o total pago à Castellucci pela execução dos serviços contratados pela Prefeitura de Carapicuíba foi de R$ 19.774.152,21 e a contratação não se enquadrava nas hipóteses legais de inexigibilidade de licitação. 
 
A assessoria jurídica 'especializada' contratada, ao invés de trazer benefícios e economia ao município, trouxe prejuízo, em quantia que, à época, ainda seria apurada, representada pelos valores que deixaram de ser recolhidos à Receita Federal indevidamente, acrescidos de juros e multa, e somados ainda aos valores pagos desnecessariamente e ilegalmente ao escritório de advocacia. 
 

*Estagiário sob supervisão

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