O Ministério Público (MP-SP) informou nesta quarta-feira (8) que está apurando, conforme atribuições da Promotoria da Infância e da Juventude, a atuação do Conselho Tutelar e da Rede de Proteção de Vinhedo (SP) no acompanhamento de Gustavo Henrique Cardoso, de 8 anos, que foi encontrado morto por tortura dentro da própria casa na segunda-feira (6). O pai e a madrasta do menino, ambos de 26 anos, foram presos por homicídio triplamente qualificado no mesmo dia.
Gustavo Henrique Cardoso e a família estavam sendo acompanhados pela Secretaria Municipal de Assistência Social de Vinhedo (SP). O órgão confirmou que em fevereiro foram marcadas três reuniões para realizar uma escuta especializada com a criança, todas sem comparecimento.
“Como não é uma ação judicial, o Conselho Tutelar foi informado sobre as três negativas”, informou a Secretaria, sobre a medida tomada diante das ausências. O motivo que levou à marcar a reunião não foi informado, pois, segundo a pasta, a Polícia Civil pediu que não fosse divulgado informações sobre o caso, para não atrapalhar as investigações.
Além das ausências em todas as reuniões, Gustavo Henrique não frequentava a escola desde o dia 22 de março. A Secretaria Municipal de Educação de Vinhedo (SP) garante que afirmou isso ao Conselho Tutelar por e-mail. Ainda, alegou que nada anormal foi notado no comportamento da criança por funcionário e professores da unidade escolar.
O Conselho Tutelar é um órgão independente vinculado ao Conselho da Criança e do Adolescente, os representantes são devidamente eleitos por voto popular. Procurado pela equipe do Portal Band Multi, o Conselho confirmou que recebeu denúncias anônimas de que Gustavo era vítima de maus-tratos.
“A família passou a ser acompanhada por este Órgão onde foram realizados os devidos encaminhamentos”, informou o Conselho em nota. Detalhes sobre as medidas tomadas não foram informados [veja a nota completa no final da matéria]. Ainda, explica no texto que “para que medidas como a perda da guarda fosse realizada, seria necessário que se esgotassem todas as possibilidades junto à família".
Na ocasião em que Gustavo Henrique foi encontrado morto, o repórter Everton Ramos, da Band Mais, entrevistou Suelen Fernanda Prado, tia do menino e irmã do pai. Durante a conversa, ela contou que a madrasta obrigava o menino a comer comida do lixo e o deixava amarrado. Ainda, ela contou que denunciou a situação ao Conselho Tutelar e Polícia Militar (PM) diversas vezes. Todavia, ela afirma que o órgão disse que o menino estava mentindo e não passava por violência.
Segundo a Polícia Civil, o laudo de necrópsia confirmou que, além dos ferimentos recentes que a criança apresentava, Gustavo tinha lesões antigas. Ou seja, o episódio violento que causou a morte do menino pode não ter sido uma situação isolada, mas o ápice de uma escalada de violência.
Dia da morte
A Polícia Civil encontrou Gustavo Henrique morto dentro da própria casa, na manhã desta última segunda-feira (6/5). Ele tinha sinais de tortura: estava deitado em cima de uma cama sem roupas, com marcas de amarras nos punhos, pés e braços, além de sangramento nos olhos e nariz.
Os policiais encontraram o menino após uma denúncia de uma tia da criança, que mora na casa dos fundos da família. Ela disse que durante a madrugada foi chamada pelo irmão para ajudar Gustavo, que tinha se ferido. À polícia, a mulher contou que tentou reanimá-lo, mas ele acabou morrendo.
Segundo o Boletim de Ocorrência, a tia relatou que após a morte do sobrinho, o irmão dela a trancou em casa junto com a mãe idosa, sem celular e mediante ameaça. Ela disse ter ouvido o casal conversar sobre “se livrarem” do corpo. Pela manhã, percebendo a ausência do casal, ela arrombou a porta e procurou uma delegacia.
Pai e madrasta presos
Pedro Vitor Joseph do Prado e Camila Luiz Gomes da Silva, pai e madrasta da criança, tentaram fugir mas acabaram sendo localizados e presos em flagrante por homicídio triplamente qualificado. Isso porque o crime foi praticado contra uma pessoa menor de 14 anos, por motivo torpe e com emprego de tortura. Ela foi encaminhada à Cadeia Pública de Paulínia (SP) e ele ao Centro de Triagem de Campo Limpo Paulista (SP).
Segundo a Polícia Civil, os dois negaram que mataram a criança, mas “não as agressões para repreensão de mau comportamento”.
‘Criança renegada’
A Polícia Civil descreveu Gustavo como uma criança renegada, isso porque desde que nasceu morou com mais de um familiar. A mãe afirma que teve depressão pós-parto e não pode cuidar do garoto, que ficou sob os cuidados de dias paternas após nascer. O pai dele estava preso por tráfico de drogas e, ao sair da prisão, obteve a guarda da criança, que vivia com uma tia. Gustavo morava a cerca de 1 ano com o pai e a madrasta.
Nota completa Conselho Tutelar
“O Conselho Tutelar de Vinhedo vem por meio desta esclarecer, com um profundo pesar, o ocorrido de hoje (06/05/2024).
Recebemos denúncias de maneira anônima sobre a criança Gustavo Henrique Cardoso onde o teor da denúncia era que Gustavo sofria maus tratos.
A família passou a ser acompanhada por este Órgão onde foram realizados os devidos encaminhamentos.
Infelizmente, na data de hoje, fomos surpreendidos com essa fatalidade ocorrida contra Gustavo e, esclarecemos que, para que medidas como a perda da guarda fosse realizada, seria necessário que se esgotassem todas as possibilidades junto à família, sendo assim diante de tamanha negligência, daríamos continuidade comunicando o fato ao Ministério Público.
O colegiado lamenta com profundo pesar o ocorrido. Também estamos indignados, com um sentimento imensurável de profundo pesar.”
Nota completa da prefeitura
“O Conselho Tutelar é um órgão independente vinculado ao Conselho da Criança e do Adolescente, os representantes são devidamente eleitos por voto popular. As apurações sobre uma possível negligência estão sendo coordenadas pela Polícia Civil [segundo apuração do Band Multi, Polícia Civil investiga o caso somente na esfera criminal; ou seja, os autores do crime: pai e madrasta. Fica a cargo do Ministério as investigações sobre a possível negligência pública].
Sobre denúncias que teriam sido feitas para a Guarda Civil Municipal, não há nenhum registro no sistema oficial, exceto no dia da ocorrência.
Já a Secretaria Municipal de Educação informou que a criança não vinha frequentando a escola há mais de dois meses, fato este comunicado em 22 de março, através de e-mail, ao Conselho Tutelar.
Até o início deste ano, nada foi observado por professores e coordenadores da escola que causasse estranheza na conduta do menino.
A família não levou Gustavo numa reunião marcada para ele fazer uma escuta especializada. Foi em fevereiro, foram 3 tentativas de ouvi-lo, todas sem comparecimento. Como não é uma ação judicial, o Conselho Tutelar foi informado sobre as três negativas.”
Nota Ministério Público
Questionada sobre as acusações de negligência, diante das informações apuradas pela equipe do Portal Band Multi Campinas e região, o MP respondeu o seguinte:
“Não consta dos registros da Promotoria da Infância e da Juventude de Vinhedo qualquer informação anterior a respeito do caso.
Diante das informações recebidas, o Ministério Público já está adotando as providências cabíveis, conforme atribuições da Promotoria da Infância e da Juventude, para apuração dos fatos.
Na esfera das atribuições da promotoria de Infância e da Juventude, o MPSP está apurando a atuação do Conselho Tutelar e da Rede de Proteção do município.
As questões criminais estão sendo apuradas pela polícia.”