Aos 248 anos, Campinas ainda enfrenta problemas nas áreas de saúde e transporte e na questão de pessoas vivendo em situação de rua. O apontamento é feito pelos próprios moradores da cidade. Essa é a primeira de quatro matérias especiais que produzimos para celebrar o aniversário de Campinas, que é comemorado na próxima quinta-feira, 14 de julho.
Campinas faz 248 anos na próxima quinta-feira (14) e, para celebrar a data, vamos publicar quatro matérias especiais até o dia do aniversário da cidade. Os temas abordados vão desde os problemas que a cidade tem, até os desejos dos moradores para o futuro da metrópole.
Num conjunto de entrevistas rápidas feitas no Centro de Campinas, com o objetivo de ouvir qual é a percepção da população sobre os principais problemas da cidade, os mais citados foram a questão do transporte público, da saúde e a quantidade de pessoas vivendo em situação de rua.
Gesiel de Freitas trabalha como motorista e a esposa dele tem uma loja no Centro de Campinas. Para ele, o grande número de pessoas em situação de rua prejudica muito o funcionamento do comércio da metrópole. “Eu estava no estabelecimento da minha esposa e essas pessoas ficam entrando o tempo todo. Eu acho que isso é uma coisa que tinha que mudar para o comércio voltar a funcionar como era antes, se não, fica difícil”, relata o motorista.
Pessoas em situação de rua
Em nota, a Prefeitura de Campinas, por meio da Secretaria de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos, informou que mantém inúmeras políticas de gestão voltadas à população em situação de rua, entre elas, os programas “Recâmbio de Migrantes” e “Mão Amiga”.
Com o intuito de amenizar ou, até mesmo, tentar zerar o número de pessoas em situação de rua em Campinas, o programa “Recâmbio de Migrantes” consiste em garantir o retorno seguro e humanizado de pessoas socialmente vulneráveis a seus locais de origem.
“A Administração Municipal acolhe a pessoa em situação de rua, investiga a situação e, se a pessoa estiver em situação de vulnerabilidade social e houver alguém da família ou até amigo disponível para o acolhimento em outra cidade, fazemos o recâmbio”, explica a secretária de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos de Campinas, Vandecleya Moro.
O “Recâmbio de Migrantes” assegurou a viagem de 220 moradores em situação de rua no primeiro semestre deste ano. O número é 42,86% superior ao mesmo período no ano passado, quando houve 154 encaminhamentos. Os dados revelam também um aumento na média de pessoas encaminhadas para suas cidades de origem. Enquanto em 2021 eram 29 viagens por mês, agora são 37.
Já o programa “Mão Amiga”, tem como objetivo promover a reinserção social por meio da qualificação profissional de pessoas em situação de rua. Durante o curso, é oferecida uma bolsa de 277 UFICs, o que equivale a R$ 1.165,72, e dura de 12 a 24 meses. Desde 2016, quando foi criado, o “Mão Amiga” já certificou 166 bolsistas, que frequentaram aulas de jardinagem, auxiliar de enfermagem, hidráulica, elétrica e música. Mais de 20 ex-egressos do curso já entraram para o mercado de trabalho formal.
Além dos programas, a Prefeitura de Campinas mantém ações que visam beneficiar as pessoas em situação de rua, como a “Operação Inverno” que é um serviço de acolhimento durante a estação mais fria do ano e que, em 2022, se estende até o dia 30 de setembro; o “Amigos no Trecho” que se trata de um serviço 24 horas que identificar moradores em situação de rua nas estradas, e faz a abordagem, identificação e oferece acolhimento no albergue municipal; os “Centros POP Sares” que são equipamentos públicos que ofertam a acolhida, escuta qualificada e compreensão do contexto familiar e social dos usuários, além de orientar desde às questões documentais, até à prática de higiene; a “Casa de Passagem” e três abrigos que acolhem e oferecem espaço transitório de moradia para a construção do processo de saída das ruas, informando sobre cuidados de higiene, saúde, alimentação, vestuário, documentação e convivência; e o “Consultório na Rua” que oferece cuidados em saúde e tem foco no atendimento voltado para doenças ou condições que mais atingem os moradores em situação de rua, como tuberculose, alcoolismo e combate às drogas.
Transporte público
Não é de hoje que vemos relatos de pessoas reclamando do transporte púbico de Campinas. Há muitos relatos que dizem que a qualidade dos ônibus é péssima, que horário dos itinerários não funcionam como deveriam, que os ônibus, muitas vezes, demoram para passar, o que acaba atrasando a vida de população.
Atualmente, o sistema de transporte público coletivo de Campinas conta com 195 linhas e 882 veículos em operação. Em nota, a Emdec (Empresa Municipal de Desenvolvimento de Campinas), informou que, por meio de reuniões periódicas e inspeções, “desde o início de 2022, vem atuando de forma mais firme junto aos operadores visando o cumprimento regular das viagens programadas e a melhoria da qualidade do serviço de transporte público coletivo prestado à população”.
Entre os meses de janeiro e meados de junho de 2022, a Emdec disse que promoveu 659 ajustes, como criação de novas linhas, regulagem de horários e inserção de veículos adicionais na frota, para qualificar a operação do transporte público coletivo. A empresa afirma que, para realizar tais ajustes, foi considerada as demandas recebidas da população nos canais de atendimento e, também, a observação in loco dos agentes que atuam na fiscalização do transporte.
O pintor Gino Ramos dos Santos, cita a questão da saúde como sendo um dos principais problemas da cidade de Campinas, “está muito complicado, os hospitais sempre muito lotados, a saúde em Campinas está deixando muito a desejar, sem dúvida é o problema que está em primeiro lugar”, relata.
Saúde pública
Quanto a superlotação, tanto nas Unidades de Atenção Básica, quanto nas Unidades de Urgência e Emergência, a Secretaria de Saúde de Campinas e a Rede Mario Gatti, informaram, em notas, que o fator se dá devido ao grande número de buscas por atendimentos sintomáticos respiratórios.
“A rede municipal tem enfrentado um grande volume de atendimentos de sintomáticos respiratórios, o que tem aumentado a demanda nos centros de saúde desde maio. Outro fator que tem colaborado para o aumento na procura pelos serviços municipais é o crescimento da SUS dependência”, informou a Secretaria de Saúde.
“Há uma sobrecarga de atendimentos nas unidades que integram a Rede Mário Gatti de Urgência, Emergência e Hospitalar, especialmente, pela busca de atendimento de pessoas com sintomas respiratórios. Todos os pacientes que chegam às Unidades de Urgência e Emergência passam por classificação de risco e os casos mais graves tem prioridade, enquanto os mais leves aguardam mais tempo. Todos são atendidos, medicados e orientados”, informou a Rede Mário Gatti.
Procurando absorver a demanda nos centros de saúde e, dessa forma, desafogar os prontos-socorros e Unidades de Pronto Atendimento, em junho, a Secretaria de Saúde, em parceria com a Rede Mário Gatti, iniciou a implantação da teletriagem, que é um sistema de atendimento que funciona da seguinte forma: “o paciente chega aos Centros de Saúde, passa pelo acolhimento da enfermagem e, se for o caso, é encaminhado para uma consulta e avaliação de risco on-line feita por um médico que estará no Hospital Mário Gatti. O paciente será avaliado, medicado e, se necessário encaminhado para um pronto-socorro”.
De acordo com o historiador e mestrando em História da África Guilherme Oliveira, economicamente, a cidade de Campinas deve muito à mão de obra escrava, quando teve seu desenvolvimento, ao longo do século XIX, recebendo escravizados africanos. Para ele, não existiria investimento, desenvolvimento econômico e, Campinas não se tornaria uma grande metrópole, se não fosse a mão de obra escravizada [a próxima matéria especial abordará a história e o passado de Campinas] e, ele atribui os problemas que Campinas tem hoje, às questões históricas que não foram resolvidas.
“Se hoje nós temos regiões em Campinas com faltas de estruturas, regiões sem acesso à educação, à lazer, ou mesmo questões de criminalidade, são questões históricas que não foram resolvidas. Se hoje enxergamos em Campinas a população negra em vulnerabilidade. Se formos observar o trabalho da assistência social em Campinas, veremos que o público atendido é majoritariamente negro. Quando nós olhamos para a população de rua de Campinas, vemos que essas pessoas também são majoritariamente negras. Então, estamos falando de um problema histórico que a sociedade campineira não resolveu ao longo do tempo. Sem dúvidas, os problemas sociais e as desigualdades que Campinas tem, atualmente, estão diretamente ligadas a essa herança escravocrata”, considera o historiador.
Esses problemas são desafios que o poder público vai ter que lidar nos próximos anos, afinal, Campinas é uma cidade que merece o melhor para o futuro.