Bolivianos são regatados em situação análoga à escravidão em oficina de costura

Quatro trabalhadores foram resgatados, sendo um deles deficiente, de barracão em condições insalubres em Americana (SP)

Por Rafaela Oliveira

Bolivianos são regatados em situação análoga à escravidão em oficina de costura
Crianças também viviam no local, sendo filhos dos trabalhadores
Reprodução/MPT

Quatro trabalhadores bolivianos foram resgatados de condições análogas à escravidão em uma oficina de costura de Americana (SP). Uma das vítimas é deficiente e trabalhava com apenas um braço, sem qualquer adaptação. A jornada de trabalho era de mais de 15 horas, em condições insalubres. O resgatte aconteceu nesta terça (18) e o pagamento dos direitos trabalhistas ao trabalhodres foi feito hoje (20), após a operação, no valor de R$ 11,5 mil para cada.

Os imigrantes estavam desde fevereiro de 2023 sem receber qualquer quantia remuneratória. Segundo apurado pelo Ministério Público do Trabalho, a empresa contratante dos serviços de costura pagaria pelas peças apenas no momento da entrega das peças. Até lá, eles trabalhavam de maneira informal. Não tinham registro em carteira de trabalho, direito a férias, 13º salário ou qualquer benefício trabalhista ou previdenciário. 

Os imigrantes (duas mulheres e dois homens) trabalhavam em duas oficinas separadas, sendo uma localizada em um barracão, onde três deles costuravam. A outra funcionava no mesmo local da moradia dos bolivianos, de forma improvisada, onde costurava apenas um trabalhador.

“Foi constatado alto grau de insalubridade nos locais de trabalho, devido ao calor excessivo, falta de ventilação e de conforto térmico, em ambas as oficinas”, afirmou o Ministério Público do Trabalho (MPT).

Outros apontados pelos oficiais são a precariedade das instalações elétricas, ausência de ergonomia no mobiliário de trabalho e falta de higiene e conforto nos ambientes laborais. Um dos bolivianos, uma pessoa com deficiência, costurava utilizando apenas um dos braços, uma vez que o outro membro fora amputado em decorrência de um acidente automobilístico. Ele trabalhava sem qualquer adaptação. 

Em depoimento, uma das trabalhadoras afirmou que trabalhava das 7h até às 22h30 e que parava apenas quando “o corpo não aguentava mais”. Essa jornada de mais de 15 horas de trabalho, segundo a Justiça, se configura como jornada exaustiva. 

Alojamento estava com serviço de água cortado

No alojamento, instalado na sobreloja de um prédio comercial, foi encontrado mais precariedade. Dois dos trabalhadores resgatados, um casal, residiam no local com duas crianças. O apartamento também apresentava sérios problemas na parte elétrica, falta de higiene e de mobiliário, como mesas e cadeiras. Por falta de pagamento, a água havia sido cortada

Os auditores fiscais do trabalho efetuaram o resgate de condições análogas à escravidão, providenciando a emissão das guias de seguro-desemprego às vítimas. 

Empresa é da Capital paulista 

A força-tarefa se reuniu com a empresa contratante dos serviços, localizada na cidade de São Paulo, que se responsabilizou, em TAC (termo de ajuste de conduta), pelo pagamento de todos os direitos trabalhistas dos quatro bolivianos (R$ 6,5 mil para cada um), além de indenizações no valor de R$ 4 mil, a título de danos morais individuais e depósito do FGTS. As condições de trabalho e alojamento também devem ser regularizadas pela empresa signatária. 

“O empregador firmou termo de ajuste de conduta, se comprometendo a sanar todas as irregularidades, sob pena de multa, e a pagar uma indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 150 mil; a destinação será indicada pelo MPT, em momento oportuno.”, afirma o orgão de proteção dos trabalhadores, em nota. 

A operação que resultou no resgate foi realizada conjuntamente pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Defensoria Pública da União (DPU) e Polícia Rodoviária Federal (PRF).

Outros casos de escravitão moderna na região 

“Este é o terceiro caso de resgate por trabalho escravo no interior paulista no espaço de uma semana. Isso mostra o quanto ainda temos que avançar no combate a esta prática ilegal, na busca pela sua erradicação. Contamos com a ajuda da população para denunciar os casos, e esperamos intensificar ainda mais a nossa atuação”, finaliza o procurador e coordenador regional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (CONAETE) da 15ª Região, Marcus Vinícius Gonçalves.  

Durante a operação foi encontrada uma outra situação grave de descumprimento da lei trabalhista, também em uma oficina de costura em Americana. No caso em questão, não houve configuração de trabalho escravo contemporâneo, porém, a força-tarefa identificou trabalho informal, terceirização ilegal e meio ambiente do trabalho irregular.