Se o ritmo atual do aquecimento global não for controlado, empurrará bilhões de pessoas para fora do “nicho climático” e afetará a produção de alimentos, é o que diz o estudo publicado na revista Nature Sustainability. Até 2030, cerca de dois bilhões de cidadãos devem enfrentar temperaturas médias de 29ºC ou mais, fato que impactará diretamente na qualidade de vida da população e na produção mundial de alimentos.
O nicho consiste em lugares em que a temperatura média anual varia de 13ºC a cerca de 27ºC. Fora desta janela, as condições tendem a ser muito quentes, muito frias ou muito secas. No Brasil, a temperatura deve aumentar de um a seis graus até 2100 - em todas as regiões do país - nas próximas décadas.
Fernando Silva, empresário e sócio-fundador da PWTech, startup reconhecida pela ONU como referência no acesso à água potável, explica que as mudanças climáticas têm um forte impacto na sociedade de modo geral. “Quando falamos da escassez hídrica, estamos falando de um recurso que não pode ser deixado de lado. A água potável está em tudo. Ela não é utilizada apenas para o consumo, como para a produção de alimentos de origem vegetal e animal. Com a falta ou a má qualidade desse recurso, a agricultura e a saúde humana são prejudicadas”, afirma.
O estudo ainda determinou que, embora menos de 1% da população global esteja atualmente exposta ao calor perigoso, com temperaturas médias de 29ºC ou mais, a mudança climática já colocou mais de 600 milhões de pessoas fora do nicho.
No Cerrado brasileiro, a seca e o aumento das temperaturas reduzem a produtividade da soja. As informações são do Ipam (Instituto de Pesquisas Ambientais da Amazônia), publicada na revista especializada International Journal of Agricultural Sustainability, em janeiro deste ano. Os cientistas calcularam que toda vez que a temperatura no cerrado subiu 1°C acima da média histórica (1980 a 2018), a produtividade da soja caiu 6%.
O Brasil produz, hoje, 40% da soja mundial, e já está à frente dos Estados Unidos (30%). Mais da metade da área cultivada do país (57%) é coberta pelo grão, o equivalente a 40 milhões de campos de futebol, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e o USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos). Conforme regiões com solos e climas favoráveis ficam mais escassas no centro-sul do país, as lavouras de soja se expandem para áreas mais quentes e secas do cerrado.
Para Fábio Pizzamiglio, diretor da Efficienza, empresa especializada na assessoria para o comércio exterior, a preocupação ambiental é uma crescente no mercado. Além disso, o executivo também aponta que o país tem caminhado para uma melhor colocação na pauta de ESG, ampliando as possibilidades de mercado para as empresas nacionais.
"O agronegócio brasileiro se preocupa em executar boas práticas sustentáveis e busca demonstrar isso ao mundo. Ao mesmo tempo, quando tratamos de pequenos agricultores e da agricultura familiar, precisamos criar mecanismos de Estado que ajudem na adaptação de seus produtos, principalmente pelos altos custos. Isso poderá ser feito por intermédio de subsídios à produção ecologicamente sustentáveis, tendo como público-alvo os produtores que não têm condições para se adaptarem à tendência do mercado internacional”, defende.
Segundo Pizzamiglio, essa nova visão do mundo para os produtos ambientalmente sustentáveis é explícita com projetos, como a nova Lei de desmatamento zero da União Europeia. Por isso, as mudanças climáticas em curso trazem incertezas à produção, especialmente nas áreas de expansão da soja, segundo os especialistas. Até 2050, o Brasil precisa aumentar em 44% a produção nacional de feijão para atender a demanda do mercado, o que significa 1,5 milhão a mais por ano.
É o que mostra o estudo desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e pela Universidade de São Paulo. “Nesse aspecto, a preocupação com a água potável é de grande importância, principalmente considerando a necessidade dos produtores nacionais em expandir seus mercados”, completa Pizzamiglio.
Para dificultar a tarefa, produtores terão de enfrentar uma elevação na temperatura de até 2,8°C nas próximas duas décadas. A região Centro-Oeste e os estados de Minas Gerais e da Bahia podem ser as áreas mais afetadas. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, hoje, a produção anual do feijão é de 2,8 milhões de toneladas por ano, quantidade equivalente a R$ 12 bilhões.
A safra brasileira de grãos deve ser recorde em 2023, totalizando 298 milhões de toneladas, de acordo com a estimativa de fevereiro do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA).