Cerrado perde 1,1 milhão de hectares e supera desmatamento da Amazônia

Em 2023, a supressão de vegetação nativa no bioma aumentou 68%, enquanto floresta amazônica registrou queda de 62%.

Da Redação

Vegetação típica do bioma Cerrado, bioma que mais sofreu desmatamento
Wenderson Araujo/Trilux

O desmatamento no Cerrado aumentou 68%, atingindo mais de 1,1 milhão de hectares em 2023 e superando, pela primeira vez, as perdas registradas na Amazônia. A área equivale a 61% de todo o desmatamento registrado no Brasil no ano passado e equivale a quase 2,4 vezes todo o desmatamento registrado na floresta amazônica. Os dados foram publicados nesta terça-feira (28) pelo RAD (Relatório Anual de Desmatamento) e produzidos por pesquisadores do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) na Rede MapBiomas.

Entre 2019 e 2023, foram 8,5 milhões de hectares de vegetação nativa desmatados no Brasil, sendo 52% na Amazônia e 39% no Cerrado. Apenas no ano passado, os dois biomas, que cobrem cerca de 73% do país, perderam juntos cerca de 1,5 milhões de hectares - 85% de todo o desmatamento mapeado em 2023. Na lista dos 50 municípios que mais perderam vegetação nativa, em 2023, 33 estão inseridos totalmente ou parcialmente no bioma Cerrado.

Apesar do aumento no Cerrado, o desmatamento total no Brasil registrou queda de 12% em 2023, passando de pouco mais de 2 milhões, em 2022, para 1,8 milhões de hectares, em 2023. Caatinga e Pantanal foram outros biomas que registraram aumentos, de 43% e 59%, respectivamente. Já Mata Atlântica e Pampa reduziram sua área desmatada em 60% e 50%. 

“Combater o desmatamento no Cerrado se torna um desafio a mais em um contexto onde a legislação é permissiva no bioma. Por isso, precisamos ter mais transparência e controle sobre a questão da legalidade para que se possa aprimorar e desenhar politicas públicas e privadas, que acabem com o desmatamento ilegal e desincentive o desmatamento legal, visando um uso mais eficiente das áreas já desmatadas”, alerta Ane Alencar, diretora de Ciência do IPAM.

O desmatamento no Cerrado também repetiu o mesmo perfil registrado nos anos anteriores - cerca de 65% de toda a área desmatada foi perdida em alertas de grande porte, com mais de 100 hectares. Foi no Cerrado que pesquisadores registraram o maior alerta de desmatamento de todo o Brasil: 6,6 mil hectares foram desmatados em uma única área, no município de Alto Parnaíba (MA). O município de Baixa Grande do Ribeiro (PI), por sua vez, teve o desmatamento mais veloz do Brasil, derrubando 944 hectares, o equivalente a 8 parques do Ibirapuera, em apenas 8 dias.

A agropecuária, através da abertura de áreas para pastagens e lavouras, foi o vetor de pressão de pelo menos 98% de toda a área desmatada no Cerrado. Além disso, as formações savânicas do bioma – caracterizadas por suas árvores tortuosas e grande presença de arbustos – sofreram 74% de todo o desmate.
 

Matopiba lidera o desmatamento
 

A fronteira do Matopiba – região composta pelo Tocantins e partes dos Estados do Maranhão, Piauí e Bahia – concentra 74% de todo o desmatamento no Cerrado, com 826.805 hectares abertos. Cerca de 47% de toda a vegetação nativa suprimida no Brasil, durante o ano de 2023, está concentrada no Matopiba. O desmatamento na região foi quase duas vezes maior do que o registrado em toda a Amazônia, que perdeu 454 mil hectares em 2023.

Além disso, todos os 10 municípios que mais desmataram no Cerrado, estão nessa região. São Desidério (BA), líder isolado do desmatamento em 2023, derrubou mais de 40 mil hectares de vegetação nativa - um aumento de 9% em relação a 2022. Balsas (MA), segundo colocado no ranking, aumentou seu desmatamento em 33%, chegando a mais de 37 mil hectares derrubados.

"A região do Matopiba abriga os Estados e municípios que são líderes do desmatamento no Cerrado e no Brasil, e que ocupam posições de destaque na produção de grãos, como soja e milho. Além disso, essa região apresenta características climáticas, relevo e solo propícios para a atividade agropecuária. Isso, atrelado a investimentos econômicos na região e avanços tecnológicos que favorecem a produtividade, faz com que o Matopiba concentre grande parte do desmatamento do Cerrado e que seja uma das regiões mais desmatadas do Brasil”, explica Roberta Rocha, pesquisadora do IPAM.

Estados e Municípios

Dos 13 Estados com áreas de Cerrado, 10 registraram aumento no desmatamento em 2023, sendo que Maranhão (111%), Tocantins (182%), Goiás (125%), Pará (270%) e Distrito Federal (613%) mais do que dobraram a área de vegetação perdida em comparação com 2022. Maranhão, Estado com o maior desmatamento registrado dentre todas as unidades da federação, e Tocantins, derrubaram cerca de 320 mil e 229 mil hectares de vegetação no Cerrado, respectivamente, totalizando 50% de tudo que foi suprimido no bioma no ano passado.

“A falta de fiscalização do desmatamento, além de poucas políticas e incentivos para conservação em áreas privadas favorece o desmatamento em todo o bioma, cuja vegetação nativa remanescente está majoritariamente localizada em áreas privadas, principalmente na região do MATOPIBA”, destaca Júlia Shimbo, pesquisadora do IPAM.

Dos 1.422 municípios que possuem cobertura vegetal total ou parcialmente ocupada pelo Cerrado, 990 (70%) registraram pelo menos um alerta de desmatamento. São Desidério, no oeste baiano, que já havia liderado a lista dos municípios do Cerrado com maior área desmatada em 2022, foi o município brasileiro que mais desmatou em 2023: foram mais de 40.052 hectares derrubados em apenas um ano, um aumento de 9% em comparação com 2022.

Barão de Grajaú, um pequeno município de 19 mil habitantes no leste maranhense, registrou o maior aumento relativo de desmatamento no Cerrado. Foram 9.720 hectares derrubados em 2023, 1.266% a mais do que em 2022, quando 711 hectares de vegetação foram suprimidos. Sozinha, a área aberta em 2023 corresponde a 4% de toda a extensão do município, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O avanço do desmatamento no Cerrado também fez com que municípios que antes não figuravam entre os maiores desmatadores do bioma, entrassem na lista. Alto Parnaíba (MA), que desmatou mais de 29 mil hectares, com um aumento de 295% em relação a 2022; Rio Sono (TO), que aumentou seu desmatamento em 864%, ultrapassando 21 mil hectares; e Cocos (BA), onde a área devastada foi de mais que 20 mil hectares, com um aumento de 512%.

“A expansão do desmatamento para novas áreas com vegetação nativa remanescente no bioma gera diversos conflitos sociais e ambientais, com consequências negativas inclusive para o setor agropecuário, como o aumento da seca e escassez de água, o que pode ser ainda mais grave em um contexto de mudanças climáticas”, aponta Fernanda Ribeiro, pesquisadora no IPAM.

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